Lembranças de Mestre Chocolate – Artigo.

 

 

Ao escutar um samba e sentir o aroma do Carnaval que se aproxima, surge uma nostálgica saudade dos amigos

Nestes dias que se desenrolam diante de mim, acordei envolto por uma onda de saudades que, de certa forma, me trouxe um resgate sentimental de amizades marcantes: o amigo Mestre Chocolate (1931-1984) e o valente Moysés Ramos. Como um sopro do destino, essas lembranças parecem se entrelaçar de maneira simbiótica, ecoando como um prelúdio para a chegada iminente do Carnaval.

É curioso como as coincidências, essas pequenas artimanhas da vida, nos guiam pelos caminhos do passado. Mestre Chocolate, ou Mansueden dos Santos Prudente, é uma dessas figuras imortais na cultura negra de Curitiba. No seu lar, no bairro do Capão da Imbuia, ele proporcionou um santuário para expressões culturais, artísticas e religiosas da rica tapeçaria do samba paranaense. Em uma época em que tais manifestações eram perseguidas, sua casa se tornou um refúgio de liberdade.

Na manhã de hoje ao abrir os olhos percebi que já se passaram 40 anos da morte do Mestre Chocolate e, olhando para trás, é inegável o impacto que Mestre Chocolate teve na construção da identidade paranaense. Há mais de 50 anos, ele não apenas liderava o Bloco Carnavalesco Ideias do Ritmo, mas também promovia ações sociais e movimentos que ecoam ainda hoje nas discussões contemporâneas: feminismo, combate ao racismo, envolvimento político, tolerância religiosa e a essência do fazer e cantar o samba.

Ele costumava me chamar de “compositor comunistinha”. Não tenho certeza se a saudade cresceu ou se foi apenas o inevitável envelhecimento que se instalou em mim. Amanheci nostálgico e a nostalgia é o elemento que suspende o curso das coisas no tempo.

O ano de 1971 foi um marco na trajetória do Ideias do Ritmo. Sob a liderança de Mestre Chocolate, o bloco sagrou-se campeão com o samba “Réquiem para mamangava”. Uma conquista que reverberou não apenas na passarela do samba e nas avenidas do Capão da Imbuia, mas ecoou por muitos anos, em uma época em que o Carnaval era capaz de movimentar massas.

Além de suas contribuições ao Carnaval, Mestre Chocolate foi um elo fundamental na preservação das diversas vertentes das culturas de matriz africana. No início da década de 80, desempenhou um papel crucial na refundação da Associação das Escolas de Sambas e Blocos Carnavalescos, tornando-se parte integrante da reconstrução desse legado cultural.

Outro personagem que vem à memória é Moysés Ramos, cuja valentia e amizade deixaram marcas indeléveis em meu coração. Sua presença era uma mistura de coragem e camaradagem, um complemento perfeito para a jornada ao lado de Mestre Chocolate.

No entanto, não posso deixar de mencionar a homenagem prestada por Mestre Chocolate em 1981, por meio da música “Leila Prá Sempre Diniz”. Uma ode à musa do poeta, Leila Roque Diniz, que transcendeu o tempo e entrou para a história da Música Popular Brasileira. Essa criação musical, junto com a Receita de Samba, é um legado imortal que ressoa ainda hoje.

À medida que essas recordações afloram, sinto-me grato por ter compartilhado momentos tão preciosos com esses dois grandes seres humanos. Suas histórias, entrelaçadas com a trama do Carnaval e da cultura afro-brasileira, permanecem como faróis a guiar nossa jornada, recordando-nos da importância de preservar e celebrar as raízes que nos constituem. Que o Carnaval, em sua magia efêmera, continue a ser a expressão vibrante dessa rica herança cultural. Força e saúde Moysés Ramos, quero continuar por muito anos ouvindo você e seu agogô!

Cláudio Ribeiro

Jornalista – Compositor

Ouça aqui “Leila Prá Sempre Diniz”

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