As polêmicas envolvendo o Ministério da Cultura ajudam a entender os dilemas enfrentados pelo governo Dilma Rousseff nos seus primeiros quatro meses. Ao mesmo tempo comprometida com o legado que recebeu e dedicada a estabelecer a identidade da própria administração, a ministra Ana de Hollanda adotou uma estratégia apaziguadora, que preserva o modelo sancionado pelas urnas enquanto insinua mudanças pontuais nos rumos. Um dos vários focos dessa conciliação é resgatar interlocuções partidárias e institucionais que estiveram prejudicadas nos anos anteriores.
O MinC vem de excelentes gestões sob Gilberto Gil e Juca Ferreira, mas começa o ano em sérias dificuldades financeiras (cortes orçamentários, penúria material, dívidas imensas), que ameaçam inviabilizar a herança positiva dos antecessores. Ademais, enquanto luta para honrar seus muitos compromissos pendentes, o ministério se envolve direta ou indiretamente na elaboração de projetos complexos, audaciosos e imprescindíveis, como o Plano Nacional de Banda Larga, a regulamentação da mídia, a nova Lei de Direitos Autorais, as reformas na Lei Rouanet.
Mesmo que os importantes programas atuais (Cultura Viva, Pontos de Cultura, etc) sejam preservados e até aprimorados, parece predominar no MinC a idéia de que a transição enSerra um ciclo e estabelece novos desafios e paradigmas. Mas a renovação pretendida está longe de atingir o consenso. As revisões programáticas e gerenciais ocasionadas pela substituição de quadros nos altos escalões do ministério suscitaram críticas dos preteridos e deixaram parte da militância perplexa com a possibilidade de haver um retrocesso nas conquistas recentes.
As grandes corporações midiáticas, tentando inviabilizar as plataformas democratizantes em gestação na pasta, aproveitam sua fragilidade estrutural para fomentar a desagregação dos profissionais da cultura e a alienação do público através de um noticiário sensacionalista,boateiro e tendencioso. A “pauta negativa” que acometeu o MinC (a troca de secretários, a retirada da licença Creative Commons da página oficial, a escolha do presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa,o blog de Maria Bethânia, a suposta ingerência do Ecad) supervalorizou e distorceu os episódios, transformando-os em escândalos. E, finalmente, esses factóides mexeram nas animosidades de alguns artistas, produtores, ativistas e funcionários do ministério, jogando-os em bate-bocas infrutíferos que ainda monopolizam o debate.
Mal sabem os adversários quantos defeitos os assemelham: a autocomplacência ideológica e a arrogância de quem se julga imune a questionamentos, por exemplo, sobre seus interesses políticos e financeiros nas posições que defendem; simplificações e acusações levianas que obscurecem as verdadeiras controvérsias, transformando a polêmica numa disputa de egolatrias e jargões vazios; a tendência autoritária a desqualificar contestações alheias; a pretensão de liderar messianicamente um processo decisório que envolve inúmeras demandas e carências.
As coisas ficam mais fáceis para a grande imprensa quando sua campanha contra Ana de Hollanda é assimilada como bandeira por uma facção do próprio movimento cultural. O maniqueísmo resultante cria uma guerra na qual os bondosos inovadores, libertários e progressistas da blogosfera combatem os malvados repressores, capitalistas e conservadores que defendem a ministra. Acontece que não há apenas duas posições em jogo. No meio dessa ilusão bipolar encontram-se pessoas desprovidas de filiação partidária e de outros vínculos grupais, que não vislumbram as benesses estatais ou os investimentos privados e que estão interessadas apenas em contribuir para o desenvolvimento da cultura nacional. Esta maioria exige e merece que as discussões sejam realizadas com mais transparência e maturidade.
Guilherme Scalzilli é historiador e escritor.
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