O Centro do Teatro do Oprimido (CTO), sob a direção artística de Augusto Boal, desenvolveu um método teatral que, aplicado sob a forma das técnicas Teatro-Fórum e Teatro Legislativo, tem propiciado projetos que trazem resultados concretos no que diz respeito à ativação e ao fortalecimento da cidadania, em dinâmicas que envolvem a participação ativa de camadas menos privilegiadas da sociedade, atuando como protagonistas de cenas que traduzem sua própria realidade.
Trata-se de idéia teoricamente simples, porém muito arrojada e ousada quando posta em prática. Grupos populares, previamente organizados ou não, reúnem-se para traduzir problemas que os afligem em seu cotidiano por meio de uma encenação teatral. Temas como proliferação da AIDS, discriminação racial ou de orientação sexual, violência doméstica, saúde mental e outros tantos ligados aos direitos básicos dos cidadãos, são propostos e discutidos pelos grupos que passam a contar com o auxílio dos formadores do CTO para que tudo possa ser apresentado em forma de encenação teatral.
Transformado o problema em conflito dramático e apresentado ao público, a platéia é chamada a entrar em cena, substituir o protagonista e buscar alternativas para a questão encenada. Esta técnica, batizada de Teatro-Fórum, já atuou e ainda atua, entre outros, junto a grupos de empregadas domésticas para discussão de questões trabalhistas e de gênero, como, por exemplo, o assédio sexual de que são constantemente vítimas; junto a homossexuais, para a discussão da discriminação que lhes atinge; junto ao Complexo da Maré, para discutir com seus jovens o tema da violência doméstica e drogas; junto a moradores de áreas de risco; junto aos CAPS (Centros de Assistência Psicossocial) para propor a reformulação da assistência psiquiátrica, com a eliminação da prática do internamento como forma de exclusão e o redimensionamento do tratamento clínico dos transtornos psiquiátricos graves.
Um desdobramento do Teatro-Fórum é o Teatro Legislativo. Em cada apresentação, além dos espectadores intervirem diretamente na ação teatral, também encaminham, por escrito, alternativas para os problemas encenados. Ao final do evento, tais propostas são votadas pela platéia, numa assembléia simbólica. As aprovadas são encaminhadas como sugestões de ações para autoridades legislativas, judiciárias e/ou executivas, ou mesmo para ONG’s, conforme a natureza de cada uma.
A coordenadora geral do CTO, Bárbara Santos, diz que “apresentar para o público e pedir-lhe sugestões de resolução para os problemas que os envolve vem mostrando-se um método bastante profícuo para a obtenção de soluções factíveis. Tanto que várias propostas encaminhadas por esta dinâmica transformaram-se em leis que beneficiam diretamente os próprios protagonistas do problema”.
Essa prática teatral já produziu 35 projetos de leis, dos quais 13 tornaram-se leis municipais e 02 leis estaduais. Um exemplo é a proposta encaminhada por uma estudante de 15 anos da Rede Pública que se transformou em lei estadual e está tramitando na Câmara para tornar-se lei municipal. Segundo a proposta, todos os locais que oferecem preservativos masculinos passam a ser obrigados a oferecer também os femininos, segundo a nova lei estadual. A Câmara discute a obrigatoriedade da distribuição gratuita de preservativos femininos nos postos de saúde da prefeitura. Esta idéia surgiu de uma encenação de um grupo de Jacarepaguá que discutia o aumento alarmante do índice de soropositivas entre mulheres casadas que não pertencem aos grupos de risco.
Teatro do Oprimido nas prisões
Numa parceria com o Ministério da Justiça, o CTO promove ação junto ao Departamento Penitenciário Nacional em um trabalho de resocialização praticado com agentes penitenciários e com os próprios presos. Esta técnica oferece a capacitação de agentes penitenciários, presos e técnicos como multiplicadores de Teatro do Oprimido nos sistemas penitenciários, para ministrarem oficinas de Teatro-Fórum para presos e agentes penitenciários e abrirem espaços de diálogo sobre Direitos Humanos dentro e fora dos presídios. Todas as propostas são sistematizadas ao longo do projeto e encaminhadas às autoridades estaduais, ao Ministério da Justiça e ao Congresso Nacional, através da Comissão de Legislação Participativa. A experiência acontece em vários pontos do território nacional: Rondônia, Minas Gerais, Pernambuco, Brasília, Rio e São Paulo e está sendo ampliado para Acre, Piauí, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Rio Grande do Sul.
Os estados beneficiados pelo projeto, utilizam o Teatro-Fórum como metodologia para apresentar à sociedade os problemas comuns aos estabelecimentos prisionais e estimular agentes penitenciários, técnicos, internos, autoridades prisionais e a sociedade em geral a refletirem e buscarem alternativas para a resolução dos problemas encenados. “O objetivo é fazer a sociedade conhecer a realidade dos presídios, provocar o autoconhecimento dentro do próprio sistema e buscar meios para efetivar a transformação desta realidade”, explica Bárbara Santos, que também é coordenadora deste projeto.