A obra do romancista paraense Dalcídio Jurandir, um dos mais injustiçados escritores da literatura brasileira, começa finalmente a ser resgatada, com o recente lançamento, pela Casa Rui Barbosa, em convênio com a Universidade Federal do Pará, do livro Belém do Grão-Pará. A única edição que se conhecia dessa obra do famoso ciclo de romances do Extremo Norte data de 1960 e foi lançada pela Editora Martins. Daí em diante, ela desapareceu, para ser recuperada agora, através de um minucioso trabalho de pesquisa feito pelas professoras Soraia Reolon Pereira e Marta de Senna. Texto essencialmente urbano, fora uma breve passagem pela Ilha de Marajó, a história se passa na Belém dos anos 20, quando a cidade, já decadente, mesmo assim ainda respira, como lembrou o crítico Benedito Nunes, um certo ar dos tempos áureos da borracha, época em que os coronéis reinavam como verdadeiros príncipes e acendiam seus charutos em notas de 100 mil réis. É esse o ambiente que vai encontrar o menino Alfredo – personagem de outros livros da série – na casa da família Alcântara, onde passará a viver, após chegar do interior, para continuar os seus estudos.
Nascido na Vila de Ponta de Pedras, na Ilha de Marajó, em 1909, Dalcídio Jurandir, na seqüência da trama, mostra o cotidiano dessa família, também empobrecida, como a própria cidade, mas ainda suspirando pelos bons tempos que passaram. Classificar Belém do Grão-Pará, segundo Soraia Reolon Pereira e Marta de Senna, não é uma tarefa simples. “O mais fácil seria dizer que se trata de uma obra regionalista, com certos traços do neo-realismo do melhor romance de 30, com a atenção a detalhes históricos jazendo como substrato do enredo”, dizem. Com Chove nos campos da Cachoeira, publicado em 1940, no Rio de Janeiro, Jurandir dá início ao famoso ciclo dos romances sobre o Norte, que teria seqüência com Três casas e um rio, que saiu em 1958, pela Martins Fontes, Belém do Grão-Pará, de 1960, Passagem dos inocentes, editora Martins, de 1963, até se encerrar com Ribanceira, que foi lançado também no Rio, em 1978, pela Editora Record.
De acordo ainda com as professoras Soraia Reolon Pereira e Marta de Senna, é em Chove nos campos da Cachoeira, “que surge o personagem que será uma espécie de fio condutor da narrativa em todos os romances do ciclo (à exceção de Marajó), o menino Alfredo, filho do branco major Alberto e da negra dona Amélia”. À época da publicação desse romance, que em breve também ganhará uma nova edição, Dalcídio Jurandir já estava vivendo no Rio de Janeiro, após ter sido preso em Belém entre os anos de 1936 e 1937, por ter pertencido à Aliança Libertadora Nacional, de tendência esquerdista. Na então capital federal, onde exerceu intensa atividade jornalística, ele passou por várias redações e fez algumas viagens, a maioria de cunho político, como à União Soviética, em 1952, e ao Chile, onde participou do Congresso Continental de Cultura.
Seu único livro que não integra o ciclo do Norte, é Linha do parque, lançado em 1959, e que teve uma edição em Moscou, com prefácio de Jorge Amado. Nesse romance, segundo o crítico Benedito Nunes, Dalcídio Jurandir, que não podia afinar “com o realismo socialista”, escreveu um texto de aventuras, “com personagens heroificados lutando em prol da causa do partido…”. Autor de uma obra regionalista, mas de cores e personalidade próprias, e que em certos momentos chegou a ser comparada à de Jorge Amado, Dalcídio Jurandir morreu no Rio em 1979 e ajudou a pôr definitivamente o nome do Pará no mapa da literatura brasileira. O mesmo caminho, posteriormente, seria seguido por conterrâneos seus como Benedicto Monteiro, de Verde vago mundo e Carro dos milagres, e Nicodemos Sena, com o seu A espera do nunca mais, uma verdadeira saga sobre o universo amazônico. Pelo conjunto da obra, a Academia Brasileira de Letras, em 1972, concedeu a Dalcídio Jurandir o Prêmio Machado de Assis.
Belém do Grão-Pará
De Dalcídio Jurandir
Edições Casa Rui Barbosa e Universidade Federal do Pará, 548 páginas, R$ 50