SACERDOTISAS DE BACO – Helena Sut – 09/02/05

 

 

 

Por Helena Sut

 

        Chegou atrasado. Olhou ao redor e não reconheceu ninguém. Discretamente, acomodou-se numa cadeira perto da porta de entrada e avaliou as primeiras impressões do encontro. Assinalou a pauta na agenda: “Saúde na terceira idade”.

        Mulheres bem produzidas. O auditório estava preenchido pelo vasto universo feminino. Nosso personagem sentiu um certo constrangimento, mas como jornalista entregou-se a análise do encontro. Chamou sua atenção o domínio das mulheres no campo da gerontologia. Talvez o primeiro tópico do artigo.

        “Não podemos mostrar tudo… Quase tudo! Quase tudo!”

        As palavras da palestrante ecoavam em seus pensamentos. Ele não acompanhou a abertura do encontro, mas a fala parecia eivada de ambigüidade e assumia um tom malicioso no discurso da mulher extremamente maquiada e penteada. Ela, com desenvoltura, percorria o palco sobre os dez centímetros de salto, mostrando parte das pernas bem torneadas. Talvez mostrar quase tudo…

        As mulheres presentes estavam envolvidas e deixavam transparecer em sorrisos as interpretações picantes, cruzavam as pernas como reflexos inconscientes da extensão da fala da palestrante…

        “Não podemos esquecer o ambiente. Sensualidade! Muita sensualidade! Devemos contextualizar nossos argumentos com erotismo. Em cada nova peça mostrar a atração exercida no outro…”

        Atração… Sensualidade… Outro… As pernas e mãos tremiam. O homem deitou a caneta na agenda para não demonstrar seu desconforto e tentou reorganizar as idéias. O que pretendiam com a terceira idade? Seria uma inovação terapêutica?

        Distante, uma mulher de aproximadamente quarenta anos o observava. Parecia um flerte, mas a conclusão poderia estar influenciada pela sugestão da sensualidade. A insinuação de um encontro. Seus olhos bem marcados desenhavam as intenções, quase todas… Por fim a feição da mulher assumiu uma simulada timidez, e ela desviou o olhar. O homem cruzou e descruzou as pernas, mexeu no cabelo, ancorou as mãos nas coxas… A agenda caiu e chamou a atenção para sua agitação. O embaraçado de não estar no controle da situação…

        “Apelos eróticos… Não podemos esquecer do que está na moda… Dança do ventre funciona! Noções básicas, leves demonstrações…”

        Dança do ventre? O homem pensou estar no meio de um grupo enlouquecido de bacantes. Quem sabe uma seita… Mulheres embriagadas com a primavera e dispostas a fartarem-se com os corpos amadurecidos. Terceira idade, ambiente sensual, dança do ventre, quase tudo… O homem atordoado acompanhou o encerramento da palestra com os agradecimentos a um nome conhecido. O que seria? O patrocinador?

        Aproximou-se do palco, com a agenda nas mãos ancorando um certo nervosismo, e procurou a indutora daquele ritual perverso para tentar encontrar ainda algum gancho que justificasse uma nota no boletim oficial da Secretaria de Saúde.

        “É representante?”

        O homem ficou sem ação diante da pergunta direta da mulher. Será que sabia que ele estava encarregado de noticiar o evento? Quanta inversão! Ele tinha de entrevistá-la e estava refém das três lições básicas que não conseguia decifrar.

        “Revendedor?”

        Sem responder, foi surpreendido com uma enigmática pergunta? O que revenderia? Seria algo ligado à palavra que não era estranha e que pertencia aos apelos midiáticos? Talvez um patrocinador, uma parceria…

        Identificou-se como jornalista. Diante da surpresa da mulher, perguntou se a Secretaria não avisara de sua presença…

“Secretaria? Que Secretaria?”

Ainda cruzaram algumas perguntas até perceberem que ele havia entrado no salão errado. Era a reunião semestral de revendedoras de lingerie. Saiu sem graça e sem assunto, mas com um encontro marcado… As três lições básicas serviram para o jornalista ampliar seus horizontes.

(Texto inspirado no relato do jornalista Casemiro Linarth)

Helena Sut

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