Renuncia na Ordem dos Músicos

 

 

 

 

 

 

Passou despercebido pela mídia. Mas, Wilson Sândoli, depois de 42 anos presidindo a Ordem dos Músicos do Brasil, foi obrigado a deixar o cargo em julho. A juíza da 12º Vara Cível Federal de São Paulo, Elizabeth Leão, determinou que Wilson Sândoli renunciasse a uma das presidências do Conselho Federal ou do Conselho Regional da mesma entidade. Sandôli optou por deixar o Conselho Nacional, cargo que ocupava desde uma intervenção após um golpe contra a então diretoria.

 

Para a juíza, é ilegal a ocupação simultânea de cargo de presidente nos conselhos regional e federal. `O Conselho Federal é hierarquicamente superior ao Conselho Regional, cabendo ao primeiro, dentre outras atribuições, a fiscalização do funcionamento dos Conselhos Regionais, sendo óbvia, patente, a impossibilidade de cumulação de cargos de direção de dois órgãos´, afirmou.

 

A ação foi apresentada há três anos por um grupo de músicos, representado pelo advogado Marcel Nadal Michelman, contra a OMB e seus conselhos federal e regional em São Paulo. Além de questionar o acúmulo de cargos, os autores da ação pediam a suspensão da cobrança das anuidades da carteira de músico. Alegaram que a OMB estava inadimplente com suas obrigações legais de fiscalização da profissão. Também reclamaram de fraude em contratos internacionais em que a Ordem interveio. Afirmaram que havia simulação nos contratos fechados com músicos estrangeiros e acusavam a OMB de colocar no papel um valor menor do que o combinado.

 

O processo foi acolhido em parte, apenas para determinar que Wilson Sandoli escolha qual cargo queira exercer. Caso ele descumprisse a sentença, a juíza autorizava a intervenção nos Conselhos Federal e Regional de São Paulo. Depois da saída de Wilson Sandoli, a OMB tem 90 dias para fazer as eleições.

 

Alguma coisa está fora da ordem – Mas foi uma vitória para quem há tempos espera alguma mudança na Ordem. O próprio ministro da Cultura, Gilberto Gil, falou que a OMB já incomodava desde a época da ditadura e que ´não há lugar para ela hoje em dia´ Gil chegou a afirmar em uma palestra há um mês que a OMB é ´obsoleta´e `burocrática´. O cantor e compositor ministro disse que a instituição deveria ser extinta, caso não reformule seus métodos e sua função na sociedade.

 

Toda essa crise de representatividade ficou evidente há um mês, quando a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, arquivou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Ordem dos Músicos do Brasil. A ação pedia a anulação da regra que proibiu os showmícios e eventos similares com a finalidade de promover candidatos políticos e as reuniões eleitorais. A regra foi estabelecida na Lei 11300/06 que instituiu a minireforma para as eleições deste ano modificando a Lei 9504/97.

 

O argumento da OMB era de que o dispositivo contraria o artigo 5º da Constituição Federal, que prevê a livre expressão de atividade artística e o de exercício de trabalho. Além disso, alega ofensa ao artigo 6º que assegura o trabalho como direito social do indivíduo.

 

Em sua decisão, a ministra Ellen Gracie observou que, de acordo com decisão anterior do Plenário do STF, os conselhos e ordens profissionais não são entidades de classe e por isso não detêm a legitimidade para propor ações diretas de inconstitucionalidade. A exceção é o caso do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que ´por sua particular trajetória na defesa da sociedade e da ordem jurídica, foi incluída pelo constituinte no rol do artigo 103 da Constituição, ou seja, por outras motivações que não dizem respeito à sua natureza jurídica´.

 

Fora de Ordem – O Fórum Nacional Permanente de Músicos, que nasceu no FSM de 2005, tem tornado o debate público e articulado com a Frente Parlamentar de Cultura apoio para aprovar no Congresso as modificações necessárias para a democratização da Ordem. Hoje está em trâmite, com chances de ser aprovado ainda este ano, o projeto de lei 2838, de 1989. O projeto amplia a participação dos músicos na entidade.

 

O projeto modificaria, por exemplo, o mandato dos conselhos para dois anos. Hoje, os mandatos são de três anos, sendo renovados anualmente a partir do quarto ano da primeira gestão. A estrutura é questionada pelos músicos, porque acaba favorecendo a permanência das mesmas pessoas por muitos anos.

 

Du Oliveira, músico goiano membro do Fórum, afirma que a entidade demonstrou toda a sua fraqueza em não conseguir levar a ação adiante devido ao desgaste e falta de participação com a classe ao longo dos anos. ´A Ordem não é realmente uma entidade representativa. Nunca ofereceu nenhum benefício ao músico. Não defende os interesses da classe. Ela só serve para reprimir os que não pagam suas taxas´, pontua.

 

A trajetória de Sândoli – A Ordem dos Músicos do Brasil nasceu em 1960, por Juscelino Kubitschek, no mesmo ano da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O primeiro presidente foi perseguido politicamente. Wilson Sândoli delatou seu único antecessor como comunista. Sândoli assumiu a Ordem, então, como interventor, em 1964. Apenas no mês passado foi obrigado a abandonar o Conselho Nacional, mas continua na presidência da regional.

 

Hoje, no quadro dirigente, não há nomes expressivos sob o ponto de vista artístico. Ao ser criada, em 1960, os conselhos regionais e federal eram compostos pela fina-flor da música, gente como Heitor Villa-Lobos, Radamés Gnatalli e Francisco Mignone. O idealizador da OMB foi o paraibano José de Lima Siqueira que, ao falecer, na cidade do Rio de Janeiro, em 1985, além de óperas, cantatas e concertos, deixou um currículo de agitador cultural. Compositor, regente, professor e musicólogo, Siqueira criou e dirigiu três orquestras – a Sinfônica Brasileira, a Sinfônica do Rio de Janeiro e a Sinfônica Nacional.

 

Por outro lado, todo o poderio político de Sândoli é inversamente proporcional ao de sua carreira artística. Ele atuou como crooner de algumas casas noturnas no Centro de São Paulo, entre os anos 50 e 60. O presidente da OMB diz ter gravado um disco em toda a vida, que nunca ninguém sabe qual é, conforme reportagens publicadas na grande imprensa.

 

A OMB possui cerca de 50 mil inscritos em todo o país. Desses, pouco mais de 8 mil estão em dia com as anuidades. Em fevereiro de 2000, o departamento jurídico do Conselho Regional de São Paulo emitiu uma carta cobrando os inadimplentes e informando que aqueles que não quitassem seus débitos ficariam automaticamente suspensos do exercício profissional.

 

O silêncio de Sândoli – Depois da publicação da reportagem ´Músicos estão próximos de conseguir mudanças na OMB´, de maio deste ano, a reportagem tentou localizar Wilson Sândoli a responder às acusações do Fórum dos Músicos e questionamentos de alguns músicos acerca da OMB enviadas à Carta Maior. A secretária do então presidente pediu para que as perguntas fossem encaminhadas por e-mail que elas seriam respondidas.

 

Já se passaram mais de dois meses que as perguntas foram encaminhadas. Nenhuma resposta. Toda semana a reportagem liga cobrando. ´Ele vai responder´, diz a voz do outro lado. Sândoli caiu em partes. Ainda preside o Sindicato Paulista e o Conselho Regional. Vitória tímida, mas importantíssima para alimentar a luta por democracia dentro da entidade. Mas depois de 42 anos, ficam as perguntas:

 

– Ao que se deve permanência tão longa do Senhor a frente do Conselho Federal dos Músicos (mais de 40 anos)?

 

– Sendo o Conselho Federal dos Músicos composto de 9 membros e de igual número de suplentes, eleitos por escrutínio secreto e maioria absoluta em assembléia dos delegados dos Conselhos Regionais, o senhor não acha que a utilização da chamada diretoria provisória nos regionais (Art. 5 da Lei n° 3.857: ´São atribuições do Conselho Federal: e promover quaisquer diligências ou verificações, relativas ao funcionamento dos Conselhos Regionais dos Músicos, e adotar, quando necessárias, providencias convenientes a bem da sua eficiência e regularidade, inclusive a designação da diretoria provisória´; prejudicou a renovação efetiva do Conselho Federal, já que quanto mais conselhos regionais sob intervenção maior as chances de permanecer no comando do Órgão?

 

– Temos informação de que alguns Conselhos Regionais sofreram intervenção simplesmente por discordarem da atuação do senhor. Com a designação de diretoria provisória (sem eleição obviamente dos músicos) o que se fala é que os conselhos não indicavam delegados para a eleição do Conselho Federal, e isso teria facilitado sua permanência à frente da OMB todos esses anos. Era realmente uma estratégia? O que o senhor tem a dizer sobre isso?

 

– Considerando que um Músico Profissional de nível médio pode ser contratado entre 18 e 24 anos pra ser sargento músico dos Fuzileiros Navais e ganhar salário inicial de R$ 1.500,00 e de outro lado a Universidade Federal pode contratar músicos-técnicos de nível superior (para Sinfônica) por R$ 900,00, a OMB ou o sindicato tem algum estudo ou proposta de um piso Salarial?

 

– Se os músicos práticos representam porcentagem expressiva do quadro de associados na OMB e não têm direito a voto, se não se tem controle sobre as delegacias que funcionam em residencias particulares nas cidades do interior (caso comprovado do Rio de Janeiro), como alegar legitimidade eleitoral e política, se um percentual presumido de no mínimo 50% ou mais da classe não pode votar. E os votos do interior vem de delegados ´indicados´ e sem o menor controle?

 

– Porque convidada a participar da câmara setorial do Ministério da Cultura em julho de 2005 onde estiveram presentes representantes do ECAD, ABPD, ABMI, ABEM, ABM, Sindicato do Rio, e 12 representantes de Fóruns dos estados além de representantes do MinC e do MTE, a OMB não encaminhou representante na reunião que discutiu a regulamentação e trabalho do Músico Brasileiro? Não reconhece o Ministério da Cultura e o Ministério do Trabalho e Emprego como órgãos oficiais de implementação de políticas públicas na área da música?

 

– Onde foi empregado a porcentagem devida à OMB do dinheiro dos contratos dos shows de artistas estrangeiros que se apresentaram por aqui nesses mais de quarenta anos do(s) seu(s) mandato(s)?

 

– No ano passado o antecipamento das eleições gerou uma grande polêmica. Para que elas fossem antecipadas não seria necessário a alteração do código eleitoral pelo conselho?

 

Fonte: Agência Carta Maior

 

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Carlos Gustavo Yoda

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