Por um Teatro Libertário

 

 

 

 

 

Com um microfone na mão e uma purpurinada cartola na cabeça, a animada figura que toda tarde de sexta-feira chama a atenção de quem passa no Largo da Carioca não está interessada em introspecção ou no estudo dos dramas psicológicos do indivíduo. Há quase 50 anos militando pelo teatro nacional, o diretor Amir Haddad, 68 anos, sempre se empenhou em discutir a vida pública brasileira pela via das artes cênicas. O realismo psicológico recorrente nos palcos cariocas não interessa ao Tá na Rua, grupo que fundou há 25 anos, com o objetivo de tomar os espaços públicos da cidade com um teatro sobre e para o povo.

 

– Estou há todos esses anos lutando por uma expressão libertária no teatro, contra qualquer tipo de autoritarismo nas artes. Seja ele declarado ou oculto, seja ele vindo de um golpe militar ou da massificação. Acredito no teatro como uma alternativa para a dor. É o momento em que o cidadão, apesar da rotina dura, entra em contato com a poesia, a beleza, o movimento e a esperança. Não me interessa o particular, quero falar do coletivo – defende Haddad, um dos fundadores do Teatro Oficina, no fim da década de 60.

 

Depois de 25 anos de trabalho sem patrocínio, mesmo com reconhecimento no Brasil e no exterior, o Grupo Tá na Rua tem hoje muitos motivos para comemorar. Desde o ano passado em cartaz com o espetáculo Dar não dói, o que dói é resistir – montado com verba de R$ 90 mil do Fundo de Apoio ao Teatro (Fate), da Prefeitura -, o Tá na Rua recebeu o convite da Secretaria estadual de Cultura para participar do Ano do Brasil na França. No mês que vem, 20 integrantes da trupe embarcam para Paris para duas apresentações do espetáculo: uma no Espaço Brasil e a outra na rua, como é tradição do grupo.

 

Até lá, o carioca pode conferir a peça – uma revisão dos 40 anos da vida política brasileira e das seqüelas deixadas pela ditadura militar – no anfiteatro do Largo da Carioca, toda sexta-feira.

 

– O espetáculo dura em média três horas, dependendo do ritmo da sessão, já que improvisamos muito e o público é sempre é convidado a participar. Muita gente está de passagem e pára para assistir. Convidamos os espectadores a ocuparem as arquibancadas. Muitos não sentam, dizem que estão só de passagem, mas acabam assistindo até o fim – conta a atriz Clara Sória.

 

Além da viagem à França, o Grupo Tá na Rua – que, em 1999, se organizou para formar a ONG Instituto Tá na Rua para as Artes, Educação e Cidadania, com sede na Lapa – comemora outras conquistas. No dia 15 de agosto, uma festa no Circo Voador marcará o lançamento de dois projetos organizados pela companhia. O primeiro é a Escola Carioca do Espetáculo, parte do programa Ponto de Cultura, viabilizado pelo Ministério da Cultura, e voltado para a formação de jovens de baixa renda com interesse em ingressar no mercado de trabalho ligado à vida cultural da cidade.

 

– Queremos tanto formar jovens para funções de produção quanto atores. Começaremos dando aula para os que vivem ali, no entorno da Lapa, mas a idéia é ampliar o alcance. Temos R$ 150 mil para desenvolver o projeto durante dois anos, recebendo 50 alunos por módulo. É uma verba pequena, mas que pode dar muitos frutos – explica Haddad, que também comanda oficinas para atores na sede do grupo e promove leituras dramatizadas todos os sábados, na Casa do Tá na Rua.

 

O segundo projeto é o Memória Tá na Rua, financiado com recursos do Programa Petrobras Cultural/Memórias da Arte, que prevê a organização de fotos, textos, peças, entrevistas e vídeos acumulados pelo grupo nestes 25 anos de vida para consulta de artistas e do público. A idéia é publicar, em meados do ano que vem, CD-Rom, DVD, um livro da trajetória do grupo e fascículos literários. A organização do material será feita por Alexandre Santini e Lico Turle, integrantes do Tá na Rua, e a pesquisadora de artes cênicas Tânia Brandão.

 

– Sempre sofremos com a falta de apoio ao nosso trabalho, que tem o compromisso com a realidade brasileira, e não com a vaidade do artista. É por isso que o público dorme no teatro hoje em dia; porque ele é vaidoso e passa longe da vida em si. Pela primeira vez estamos recebendo ajuda substancial de uma empresa para aprimorar nosso trabalho – afirma o diretor, que nasceu em Minas Gerais, se criou em São Paulo e está radicado no Rio de Janeiro desde 1964.

 

O apoio financeiro pode rarear, mas não se pode dizer o mesmo das homenagens que o grupo vem recebendo ao longo deste ano. Recentemente, Amir Haddad e integrantes do Grupo Tá na Rua fizeram uma participação especial na novela Como uma onda, da Globo, formando um grupo de mendigos sem nenhuma compostura. Também foram lembrados pela Unidos do Cabral do Cachambi, escola de samba do Grupo de Acesso C que levou para a avenida o enredo Amir Haddad, da Lapa ao Cabral, carnavalizando o teatro e teatralizando o carnaval.

 

Não foi o primeiro desfile carnavalesco de Haddad e sua trupe. Em 1989, o diretor foi convidado pelo carnavalesco Joãozinho Trinta para comandar os mendigos que fizeram história na Beija-Flor, com o célebre enredo Ratos e urubus, larguem minha fantasia.

 

– Era uma época em que estávamos tentando, ao mesmo tempo, teatralizar o carnaval e carnavalizar o teatro – lembra o diretor.

 

Sempre irrequieto, Haddad afirma que sua principal missão é tentar resgatar um teatro que, segundo ele, se perdeu com a tomada do poder pelos militares e com a censura:

– Nossos espetáculos nunca estão prontos, estão sempre em construção. Nosso artista nunca tem a última palavra, é o espectador que complementa a obra. Acreditamos na força da linguagem para a construção de um teatro transformador.

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