Polêmica: Noel Rosa & Wilson Batista.

Roberto Paiva/Francisco Egydio
Polêmica – 1956

     As desavenças entre compositores de música popular sempre ocorreram, resultando em grandes contribuições para a nossa arte maior. A primeira ocorreu entre Sinhô e o grupo de Pixinguinha, de 1918 em diante. Convém, porém, salientar que tais desavenças restringiam-se apenas ao campo musical, não afetando as relações de amizade entre os artistas. Foi o caso, por exemplo, de Noel Rosa e Wilson Batista, que protagonizaram o maior duelo musical da música popular brasileira. Noel Rosa, que dispensa maiores apresentações, nasceu no Rio de Janeiro em 1910 e faleceu em 4 de maio de 1937 com apenas 27 anos incompletos. Wilson Batista era da cidade de Campos, Estado do Rio de Janeiro, nascido em 3 de julho de 1913. Começou sua vida artística muito cedo vindo a se tornar um dos nossos mais respeitados compositores, assinando obras como “Pedreiro Valdemar”, “Acertei no milhar”, “Emília” e muitas outras. Faleceu em 7 de julho de 1968, há exatos 37 anos.

     A disputa musical entre esses dois grandes artistas começou no ano de 1933 quando Sílvio Caldas gravou um samba intitulado Lenço no pescoço de Wilson Batista, que fazia a apologia da malandragem. A composição fez sucesso. Só quem não gostou muito foi Noel Rosa, pois achava que ela fazia uma defesa muito veemente da vadiagem e resolveu então compor outro samba em que refutava Wilson Batista conclamando as pessoas a trabalhar e deixar a malandragem. Surgiu então “Rapaz folgado”, gravado por Aracy de Almeida.

     É evidente que Wilson Batista não gostou nada da resposta de Noel, e resolveu então compor “Mocinho da Vila”, em que faz uma dura crítica ao bairro de Vila Isabel, berço de Noel Rosa. Esta música, porém, não teve muita repercussão e a polêmica parecia terminada, não fosse o sucesso do samba “Feitiço da Vila”, de Noel Rosa e Vadico, gravado por João Petra de Barros, cuja letra fazia uma verdadeira defesa e apologia ao bairro de Vila Isabel.

     Dessa feita foi Wilson Batista quem retrucou, pois, devido ao grande sucesso obtido por “Feitiço da Vila”, compôs um samba intitulado “Conversa fiada”, desmentido Noel, e lançado em rádio por Luiz Barbosa, Mário Moraes e Léo Vilar, porém, não gravada em disco. Achando que não tinha sentido a reclamação de Wilson Batista, Noel Rosa numa atitude elegante resolveu fazer outra música homenageando outros bairros e defendendo Vila Isabel, surgindo então o célebre samba “Palpite infeliz”, gravado também por Aracy de Almeida.

     Diante de tal resposta, Wilson Batista perdeu as estribeiras e fez então um samba denominado “Frankstein da Vila” em que falava do defeito físico de Noel Rosa, que tinha o maxilar inferior atrofiado. Tal samba não foi gravado na época, visto ser por demais ofensivo. Contudo, foi divulgado nas rádios pelo conjunto Os Quatro Diabos. Não satisfeito Wilson Batista ainda fez outro samba intitulado “Terra de cego”, também não gravado.

     Para pôr fim a polêmica, que já durava três anos, Noel Rosa escreveu uma letra em cima da melodia de “Terra de cego” de Wilson Batista, dando-lhe o título de “Deixa de ser convencido”, fazendo as “pazes” e fechando com chave de ouro esta grande polêmica musical que é um dos capítulos mais belos de nossa música popular.

     Em 1956 a Odeon presta uma homenagem ao dois grandes compositores e convida  dois intérpretes que faziam muito sucesso na época, Francisco Egydio e Roberto Paiva, para juntos gravarem todas as músicas da famosa polêmica, mais o samba canção de Noel Rosa “João ninguém” – erroneamente atribuído a uma referencia a Wilson Batista. Tudo foi reunido num esquema de revezamento, como se um tivesse realmente respondendo ao outro e obedecendo a cronologia das canções. O disco fez um enorme sucesso e resgatou para o grande público as músicas que não haviam sido gravadas na ocasião e que eram desconhecidas da grande maioria das pessoas. Os arranjos obedecem fielmente os padrões da época da feitura das músicas, e o disco ainda traz na capa um belo trabalho de Antonio Nássara, um dos maiores caricaturistas brasileiros, que atuava também como compositor e que ainda assina o texto na contra-capa.

     Trata-se, portanto de um disco histórico e imprescindível para se conhecer e admirar o talento desses compositores e intérpretes, representantes da fase de ouro de nossa canção popular.

Luiz Américo Lisboa Junior

Músicas:

01 – Lenço no pescoço
     (Wilson Batista)
     Roberto Paiva
02 – Rapaz folgado
     (Noel Rosa)
     Francisco Egydio
03 – Mocinho da Vila
     (Wilson Batista)
     Roberto Paiva
04 – Palpite infeliz
     (Noel Rosa)
     Francisco Egydio
05 – Frankstein da Vila
     (Wilson Batista)
     Roberto Paiva
06 – Feitiço da Vila
     (Noel Rosa e Vadico)
     Francisco Egydio
07 – Conversa fiada
     (Wilson Batista)
     Roberto Paiva
08 – João ninguém
     (Noel Rosa)
     Francisco Egydio
09 – Terra de cego
     (Wilson Batista)
     Roberto Paiva

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