Poesia do Sertão

 

 

Mais do que uma expressão artística, o cordel parece ter sido a forma como Patativa do Assaré (1909-2002) superou as extremas dificuldades da vida no sertão do Nordeste. E dificuldades não faltaram para o artista, nascido Antônio Gonçalves da Silva, na Serra de Santana, a 18 quilômetros do núcleo urbano de Assaré, distante, por sua vez, 520 quilômetros de Fortaleza. Cego de um olho aos quatro anos, teve que enfrentar a lavoura aos oito, após a morte do pai. De educação formal não teve mais do que quatro meses.

Em meio a uma vida tão difícil, ler os folhetos de cordel e ouvir os cantadores fizeram-no ver que também poderia fazer poesia. Com o apoio da mãe, vendeu uma ovelha aos 16 anos e comprou sua primeira viola. Passou então, como dizia em entrevistas, a fazer quadrinhas e a se apresentar nos sítios para distrair os serranos, moradores da região. Em 1928, um parente levou-o ao Pará, onde ganharia o apelido de Patativa, numa referência a um passarinho de belo canto. De volta à agricultura e incorporando “do Assaré” ao nome artístico, compôs quase toda a sua obra, cantada e recontada que era pelos serranos, matutos, e feirantes do Crato (CE), a cidade onde vendia sua produção e encontrava os amigos com os quais tomava sua cachaça. Falar de cordel como sinônimo de folheto de feira na obra do poeta Patativa do Assaré talvez seja simplificador demais. Compreendendo cordel como uma manifestação fabulosa do mundo e considerando Patativa um bardo, pode-se dizer que cordel foi tudo o que ele fez ao longo de 93 anos de vida, dando novo significado a um conjunto de narrativas que mistura as tradições de trovadores europeus com contribuições de índios e negros. A influência indígena, da etnia cariri, se dá na alegria, da qual as bandas, como a dos Irmãos Aniceto, do Crato, seriam o melhor exemplo. A herança africana viria dos cantos de trabalho (cocos) e das irmandades dos negros da região, com sua coroação dos Reis dos Congos.

O primeiro de seus nove livros, Inspiração nordestina (Rio de Janeiro: Borsoi Editor), de 1956, passou pelo rádio. Sua poesia era oral, assim se disseminou pelo sertão e ele ganhou o papel de intérprete, de porta-voz da comunidade. A memória prodigiosa fazia com que armazenasse o que compunha; aos noventa anos era capaz de dizer de cor, sem titubear, o mais longo de todos os seus poemas: “O Vim-Vim”, publicado no livro Cante lá que eu canto cá (Petrópolis: Vozes, 1978). Seu grande momento era o da performance, quando o corpo todo expressava o que ele dizia, e o homem de um metro e meio se agigantava, a voz se alteava e os gestos eram eloqüentes.

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