Paisagem da fé

 

 

Na Semana Nacional dos Museus, que acontece entre os dias 15 e 21, boas novas para as instituições de preservação da memória no estado. Além da programação extensa em vários espaços, o aguardado projeto federal que pretende dar maior visibilidade ao conjunto arquitetônico de Congonhas, considerado pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade, está perto de começar a sair do papel. Ao contrário de especulações sobre problemas no andamento da iniciativa, que poderiam impedir sua concretização, as obras serão iniciadas nos próximos meses. Na quinta-feira passada, as alterações no projeto original exigidas pela arquidiocese foram apresentadas aos responsáveis e, de agora em diante, deverão passar pela aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para posterior licitação. A complexidade cerca a iniciativa.

Todo o conjunto barroco em Congonhas que será alvo da intervenção foi originalmente criado e mantido até os dias atuais em nome da fé. Quando o português Feliciano Mendes chegou ao lugar à procura de ouro, vitimado por uma enfermidade até então incurável, fez uma promessa ao Senhor de Bom Jesus de Matosinhos. Caso obtivesse a cura, construiria um santuário inspirado no original. Assim foi feito. Com isso, ele inaugurou uma das maiores peregrinações religiosas do País, que se mantém até hoje. “O próprio santuário é um ex-voto, exemplo de uma tradição que começou no século 18 e se manteve ao longo do tempo, possibilitando uma compreensão das crenças, doenças de época, desejos e visões de mundo”, explica Jurema Machado, coordenadora de Cultura da Unesco, órgão responsável pelo projeto, que pretende ser centro de interpretação de todo acervo ligado à fé ali existente.

Além dos ex-votos, que ficarão numa área dedicada aos acervos históricos, o novo museu, a ser construído onde atualmente existe o salão de missas e a Rádio Congonhas, será dividido em partes interligadas no entorno do Hotel Colonial. No espaço da fé, haverá uma área para celebrações, com capacidade para 800 lugares (atualmente são 500), atendimento a romeiros e salão de confissões. “Ficará em um nível inferior à rua, para devolver a visão da romaria e das montanhas ao conjunto”, explica Gustavo Penna, arquiteto que comanda a equipe escolhida para elaboração do projeto. Em outra parte, vão estar centros de referência de estudo do barroco e da pedra-sabão. Além da área dedicada ao estudo, preservação e valorização do conjunto, estão previstas obras de infra-estrutura para receber turistas. “A idéia é criar oportunidade para que o turista saia do santuário, entre no museu e compreenda a importância mundial de todo este conjunto. É como se colocássemos uma lupa sobre aquilo que é maravilhoso”, compara Jurema Machado.

Comunidade
A falta de diálogo com a comunidade, no primeiro momento, dificultou o andamento da iniciativa. Chegou-se inclusive a especular sobre a transferência do museu para outra cidade, bem como sobre a retirada dos profetas do adro em frente à basílica, para serem instalados no novo local. Em relação ao mal-entendido com a população, o arquiteto Gustavo Penna está tranqüilo e aposta no diálogo para recuperar a confiança: “Quanto mais o espaço agregar valores presentes no coração das pessoas, mais ficará identificado com aquela história”, salienta. O prefeito de Congonhas, Anderson Cabino, reconhece os problemas. “Foi um pecado não ter tornado mais claro à população o sentido do projeto. Deveríamos ter explicado melhor e houve um grupo de pessoas que se posicionou contra. Notamos que era falta de esclarecimento”, comenta.

A demora no início das obras, anunciadas para janeiro, segundo Anderson Cabido, foi motivada pelas adequações das demandas da arquidiocese. “O museu vai ficar localizado numa região onde, em setembro, há um fluxo de romeiros que chega a 200 mil pessoas”, salienta. A proposta é integrar a vocação religiosa ao turismo. “O que estamos fazendo é uma homenagem à religiosidade das pessoas. Será algo bonito, confortável e agradável aos olhos”. Com relação à possível transferência dos profetas de Aleijadinho, que sofrem depredação constante, o prefeito diz que o assunto não está sendo discutido no momento. “O projeto do museu é independente da discussão acerca da transferência das estátuas. A princípio, o museu abrigará réplicas”, conclui.

Espaços da memória
A quarta edição da Semana Nacional dos Museus pretende movimentar as instituições de preservação da memória e patrimônio de todo Brasil com uma programação eclética (veja quadro). Em Minas não será diferente. Entre os próximos dias 15 a 21, palestras, exposições, visitas guiadas, espetáculos, shows e projeções de filmes irão dar um novo alento aos diversos espaços. Nesta edição, estão agendados mais de 1,2 mil eventos distribuídos em 438 instituições. No estado, os destaques ficam por conta das atividades no Museu Casa Alphonsus de Guimaraens, no Museu Casa Guignard, no Museu Casa Guimarães Rosa e no Museu Mineiro, que irá receber exposições de Mabe Bethônico e Liliane Dardot.

Atualidade, dinamismo e capacidade para dialogar de forma criativa são os eixos que irão orientar a semana, principalmente nas cidades históricas mineiras. Em Mariana, haverá apresentação do coral Alegretto, responsável à preservação do canto Latim e, na vizinha Ouro Preto, haverá abertura da mostra itinerante Um lugar para Guignard. Na exposição, os visitantes serão convidados a acompanhar e revisitar os diversos roteiros e pontos da antiga Vila Rica, utilizados como inspiração pelo pintor em sua obra. Por outro lado, em Cordisburgo, as atividades irão se concentrar na vida e obra de Guimarães Rosa.

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