Onde andará Itamar Assumpção?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Itamar Assumpção

 

 

Lançamento do songbook do artista, morto em 2003, busca catalogar e manter viva sua singular obra musico-poética. Descubra onde ouvir algumas de suas pérolas

 “Pretobrás – Por que que Não Pensei Nisso Antes?” é o título do caprichado lançamento, pela editora Ediouro, em dois tomos, do songbook de Itamar Assumpção, organizado por Luiz Chagas e Mônica Tarantino. Acompanhadas de enriquecedores textos, fotos e depoimentos, em edição caprichada, são transcritas em partituras, e disponibilizadas para o público, enfim, as composições do artista.

Mas ouvi-las permanece sendo trabalho duro num mercado fonográfico, como o nosso, onde não é comum o bom hábito do catálogo. Com esforço, em sebos ou lojas especializadas aqui e ali, ainda se encontram alguns dos discos de Itamar. Com muita sorte, é capaz de se topar até mesmo com seu último e essencial disco solo, “Pretobrás”. Nele, faça flutuar os ouvidos e o espírito em 21 faixas de desconcertante inventividade, com maravilhas poéticas como “Abobrinhas Não” (“Cansei de ouvir abobrinhas/ Vou consultar escarolas”), “Vou de Vai-Vai” e “Outras Capitais”.

Mais recente, mas nem por isso mais disponível, “Isso Vai Das Repercussão” traz 7 faixas da parceria entre Itamar e o percussionista Naná Vasconcelos. Não resista a “Leonor”, melodia das mais embalantes e letra de uma poética de simplicidade encantadora (“Sou compositor, cantor, também sou autor/ Falo mais de flor que de dor, Leonor/ Mas não sou Roberto Carlos”), e repare no mini-manifesto agridoce “Na Próxima Encarnação” (“Na próxima encarnação/ Não quero saber de barra/ Replay de formiga não/ Eu quero nascer cigarra”).

Missão consideravelmente mais fácil é encontrar com Itamar Assumpção em Ney Matogrosso, um dos poucos “medalhões” a gravá-lo. No disco que realizou com Pedro Luís e a Parede, “Vagabundo”, Ney registrou “Transpiração”, linda composição de Assumpção com Alzira Espíndola. Já em seu mais recente álbum, “Canto Em Qualquer Canto”, a canção homônima é assinada por Itamar e Ná Ozzeti.

Ozetti, dona de uma de nossas mais delicadas e expressivas vozes, sempre foi intérprete fiel de Itamar Assumpção.A mesma “Canto Em Qualquer Canto” aparece gravada por ela no disco “Estopim”, em que canta outras duas parcerias suas com o artista. No álbum “Ná”, por sua vez, ele aparece em outras cinco canções gravadas por ela, com destaque para a inteligente e irresistível “Sutil” (“Pode parecer incrível/ Me deu na telha te dar meu coraçãozinho”).

Outra cantora irremediavelmente inspirada por Itamar Assumpção, tendo inclusive substituído-o, depois de seu falecimento, no show de “Isso Vai Dar Repercussão”, com Naná Vasconcelos, foi Zélia Duncan. Em “Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band”, seu último trabalho, Duncan gravou quatro composições do artista. Três delas são obras-primas.

“Tudo Ou Nada” (“Come on, Baby/ Segurar esse rojão metade cada/ Seguir o coração em disparada/ Numa estrada que só tem a contramão) pulsa com a vitalidade musical e a precisão poética de um inescapável chamamento. “Dor Elegante” (Um homem com uma dor/ É muito mais elegante/ Caminha assim de lado/ Como se chegando atrasado/ Andasse mais adiante”) tem uma explosiva alegria de viver disfarçada numa aguda melancolia da resignação. E “Milágrimas” (“Se amargo for já ter sido/ Troque já este vestido/ Troque o padrão do tecido/ Saia do sério, deixe os critérios/ Siga todos os sentidos/ Faça fazer sentido”) em dueto inesquecível com Anelis Assumpção, é beleza para uma vida inteira, transbordante de singeleza e emoção.

Ney, Na e Zélia não são os únicos nem necessariamente os melhores a terem gravado Itamar Assumpção. Mas certamente são intérpretes que fizeram justiça a uma obra de vitalidade e riqueza ímpares. Não conseguindo encontrar Itamar ele mesmo, busque-o em outros. Só não se prive, de forma alguma, do prazer de conhecê-lo.

Rafael Gomes

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