O PCdoB não desaparece* Luiz Manfredini

 

 

O PCdoB não desaparece*

Luiz Manfredini **

 

O PCdoB não se funde, o PCdoB não desaparece.

 

Palavras do nosso Presidente Renato Rabelo, que marcou a histórica luta travada pelo Partido para garantir sua legalidade, ou seja, a luta contra a cláusula de barreira, a cláusula da exclusão democrática.

 

O PCdoB não se funde, o PCdoB não desaparece.

 

Devemos registrar a guardar esta frase – mais um conceito do que mera frase – que diz muito a respeito da trajetória do nosso Partido, de seu futuro, do seu substrato teórico-ideológico, dos seus compromissos políticos.

 

Por coincidência, a nova luta pela legalidade, a luta contra a draconiana cláusula de barreira, ocorre há exatos 30 anos depois de mais uma tentativa de liquidação do Partido, daquela feita por obra da ditadura militar e sua política de eliminação física dos seus principais adversários.

 

No próximo sábado, dia 16, lembramos de mais um episódio da longa trajetória de 84 anos do nosso Partido. Episódio dramático, sangrento, que entrou para a história brasileira como a chacina da Lapa.

 

Movidos por um traidor – Jover Telles – a repressão militar cercou e invadiu uma casa na rua Pio XI, na Lapa, em São Paulo, onde o Partido acabara de reunir seu Comitê Central. Na fuzilaria, tombaram, desarmados, Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Preso já fora da casa, João Batista Drumond morreu sob tortura. Outros foram presos, entre os quais Elza Monerat, Maria Trindade, Haroldo Lima, Aldo Arantes.

 

Poucos anos antes já haviam sido assassinados Lincoln Oest, Luiz Guilhardini, Carlos Danielli, Maurício Grabois, entre outros. A repressão apontava e acertava o coração do Partido.

 

Mas o PCdoB não se funde, o PCdoB não desaparece.

 

A reação tentou fazê-lo desde que o Partido surgiu na cena política brasileira, tangendo-o à clandestinidade três meses após sua criação, em 25 de março de 1922. Mais tarde, no final dos anos 30, na cruenta repressão que se seguiu à insurreição de novembro de 1935, a ditadura do Estado Novo aprisionou praticamente toda a direção partidária e declarou o Partido como extinto. Mas pouco depois, no início aos anos 40, dirigentes não presos organizaram a Comissão Nacional de Organização Provisória, que em preparou e realizou, em 1943, a histórica Conferência da Mantiqueira. Qual Fênix rediviva das cinzas, o Partido ressurgiu. E, dois anos após, já legalizado, receberia 10% dos votos nacionais com seu candidato à Presidência Iedo Fiúza, elegendo bancada de 15 deputados federais e um senador.

 

Mas no início de 1948, novamente a reação lança o Partido para a clandestinidade. Somente a partir de 18 de maio de 1985 voltaria a ser partido legal.

 

Depois inventaram a cláusula de barreira e o Partido foi à luta. E venceu.

Mas após uma vitória, é sempre aconselhável voltar os olhos ao passado, aos que nos antecederam, de quem somos resultado.

Paraense de Óbidos, nascido em 1913, Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar foi um dos mais destacados, brilhantes e talentosos dirigentes do nosso Partido ao longo dos seus 84 anos de existência. Cedo envolveu-se na intensa política dos anos 30. Na década seguinte já estava no Rio de Janeiro, envolvido com a formação da Comissão Nacional de Organização Provisória. Participou ativamente da Conferência da Mantiqueira. Já em São Paulo, em 1947, elegeu-se deputado federal, em 1947, pelo Partido Social progressista, o PSP de Adhemar de Barros, então coligado com o PCB. Recebendo a expressiva votação de 100 mil votos, simplesmente estrondosa para a época.

Membro do Comitê Central do Partido e de sua Comissão Executiva, foi secretário de Educação e Propaganda, encarregado de supervisionar os cerca de 25 jornais mantidos pelos comunistas em todo o país. Em 1950, concluído o mandato pelo PSP, e já estando o PCB proscrito, passou à clandestinidade.

Junto com João Amazonas, Maurício Grabois, Kalil Chade, Lincoln Oeste, Carlos Danielli, Ângelo Arroyo e outros dirigentes, esteve à frente da luta interna contra o revisionismo kruchovista e sua influência no PCB no final dos anos 50 e início dos anos 60, e da conferência extraordinária de fevereiro de 1962, que reorganizou o Partido Comunista do Brasil, sob a sigla PCdoB.

Em dezembro de 1976, a doença de sua mulher Catharina – desenganada pelos médicos – obrigou-o a desistir de uma viagem à Albânia, sendo substituído na última hora por João Amazonas. Sem viajar, participou da reunião da Comissão Executiva e do Comitê Central na casa da rua Pio XI, na Lapa. Ali, no dia 16, aos 63 anos de idade, foi fuzilado pela repressão do regime militar. Seu corpo apresentava cerca de 50 perfurações de bala.

Foi enterrado no Cemitério Dom Bosco, em Perus, sob nome falso. Em 1980, a família conseguiu localizar e transladar seus restos mortais para Belém do Pará, onde estão enterrados.

Operário metalúrgico nascido 1928, em São Paulo,  Ângelo Arroyo ingressou no PCB em 1945. Foi ativista do movimento sindical paulista, tornando-se um dos líderes do Sindicato dos Metalúrgicos na década de 50.

Era um dos comandantes da guerrilha.  Em fins de janeiro de 1974, conseguiu furar o cerco de quase 20 mil militares e reencontrar os companheiros do Partido em São Paulo.

Morreu ao lado de Pedro Pomar, aos 48 anos, ambos desarmados, sob a fuzilaria da repressão.

João Baptista Franco Drummond, nasceu em 1942, em Varginha, Minas Gerais. Participou ativamente do movimento estudantil, formando-se economista pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 1966. Compôs a direção nacional de Ação Popular Marxista-Leninista, integrando-se ao PCdoB a partir de 1972, junto com a maioria da sua organização. Em 1974 tornou-se membro do Comitê Central.

Preso em 16 de dezembro de 1976, já fora da casa da Lapa, Drumond foi morto sob tortura. Mas, segundo a nota oficial do Exército, morreu atropelado por um carro próximo ao local da fuzilaria.

Mas, a despeito dessas tragédias, PCdoB não se funde, o PCdoB não desaparece

A homenagem aos nossos mártires não tem sentido saudosista. Fazemo-lo, é evidente, por afeto, por um extenso e fundo afeto aos camaradas e às camaradas que aportaram à luta nos ásperos tempos seu sofrimento sob a clandestinidade, prisão e a tortura e, quantas vezes, suas próprias vidas.

Para além disso, no entanto, desejamos com a teimosia da memória retirar do passado lições e emblemas que melhor certifiquem a natureza ímpar e íntegra dessa instituição chamada Partido Comunista.

Quando o Partido freqüenta diariamente as páginas dos jornais e revistas, os noticiários da televisão; quando um dos seus mais destacados dirigentes assume a Presidência da Câmara dos Deputados, terceiro cargo mais importante do Estado brasileiro; quando quadros partidários são nomeados ministros; quando elegemos deputados e, agora, um senador; quando assumimos responsabilidades nas diversas esferas de governo, compartilhando a gestão da crise do capitalismo, talvez muitos pensem que o PCdoB ajustou-se aos limites da democracia burguesa, disputa espaços no seu âmbito e talvez já não seja tão incisivo em sua defesa do socialismo.

Enganam-se os que eventualmente pensam assim a nosso respeito. Apesar do que possam indicar as aparências, o PCdoB – ninguém duvide – é partido essencialmente revolucionário, e exerce sua lucidez e sua competência política na atualidade brasileira, sem recusar nenhum flanco da batalha, nenhuma arma, nenhuma circunstância porque assim melhor caminha, e caminha mais solidamente rumo à estratégia que persegue, a estratégia da construção do socialismo em nosso País.

Há, portanto, um elo permanente, uma coerência íntegra que permeia toda a trajetória do PCdoB, interligando fluxos e refluxo, da insurreição às campanhas cívicas, da guerrilha à disputa eleitoral.

Em qualquer circunstância – como herdeiros de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drumond, de Carlos Danielli, Lincoln Oest, Luiz Guilhardini, Maurício Grabois, Diógenes Arruda, Rogério Lustosa, João Amazonas e tantos outros – devemos robustecer sempre e sempre transmitir às novas gerações de militantes e quadros, a idéia central de que aquilo que fazemos hoje é a expressão concreta, contemporânea do que nos exige a revolução que defendemos.

Aos revolucionários que exercem a tática movidos pela estratégia, cabe vincar sempre essa perspectiva transformadora que ultrapassa os tediosos – embora necessários – encaminhamentos da conjuntura, sem que isso os lance à estreiteza política ou ao doutrinarismo.

Eis, camaradas, nossa homenagem mais sincera e mais revolucionária aos mártires do nosso Partido e da luta socialista no Brasil.

 

* Discurso pronunciado em 09/12/06, em nome da direção do PCdoB do Paraná, durante inauguração da sala Pedro Pomar, na sede do Comitê Estadual, em Curitiba.

** Jornalista e escritor.

 

 

 

 

 

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