O jabá e o Mensalão

 

 

 

O jabá pode virar mensalão. A constatação vem do ministro da Cultura, Gilberto Gil, cético quanto à punição dessas duas práticas. “É por debaixo da mesa. Há várias maneiras legitimáveis de estabelecer a remuneração do rádio. Muitas das estações já chamam o jabá de verba de divulgação, de promoção. Como você pode proibir que, espontaneamente, alguém remunere alguém para tocar? Você pode proibir uma loja de vender vários discos? Isso é livre comércio”, afirmou em entrevista coletiva, no Rio de Janeiro, ao lançar o CD Gil luminoso – voz e violão.

 

O ministro questiona a eficácia da criminalização do jabá, proposta pelo deputado federal Fernando Ferro (PT-PE) em projeto que tramita na Câmara dos Deputados. “Jabá é comercialização disfarçada. Será que, em vez de criminalizar, não seria o caso de oficializar?”. Para ele, será difícil controlar esse processo, “pois há muitas formas de burlar a fiscalização”. Gil lembrou que propôs a regulação de conteúdo da programação de rádio e TV, sem sucesso. “Cadê a tal agência reguladora? A Anatel regula as questões técnicas. Quem regula a programação? Democratização de acesso, espaço para os novos, tudo é assunto para a regulação”, afirmou. E completou: “Quem defende o controle deveria ter pensado melhor antes de abominar a idéia de haver uma agência reguladora de conteúdo – discussão que nós já tivemos e a maioria rejeitou”.

 

O ministro também pôs em dúvida a punição dos envolvidos no escândalo do mensalão. “O meio justo está na igual possibilidade dos extremos – isso é China, isso é Confúcio, isso é sabedoria antiga na prática. Uma sociedade complexa precisa de lei e regulação, que estabelece o que pode ou não. Depois do mensalão, não se discutiu uma nova legislação eleitoral? Cadê? Estou esperando”, desafiou.

 

PIRATARIA

A favor da flexibilização do sistema de direitos autorais, ele comentou o crescimento da pirataria. “Muitos artistas, que pregam o ideal socialista, querem cobrar de uma escola de meninos pobres da favela que tocam sua música da mesma maneira que cobram de uma Rede Globo, por exemplo. Sou a favor de rediscutir o conceito de ‘todos os direitos reservados’. O sistema Creative Commons permite a reprodução sem custos para determinados usos”, observou.

 

Os temas políticos e econômicos ocupam cada vez mais a atenção de Gil, que mesmo no empenho em lançar seu novo disco, Gil luminoso – voz e violão, não deixa de refletir sobre sua dupla militância. E pelo jeito, com uma queda maior para a vida pública: “Essa visão da música como profissão… De uma certa forma, eu, da música, estou exonerado. Não me sinto mais obrigado a atender essa dimensão profissional do músico, como fazia antes. Sou, eventualmente, esporadicamente, profissional de música”, analisa, no momento em que dá ao público um de seus trabalhos mais inspirados.

 

Um músico sem compromisso. A não ser consigo mesmo, suas vontades e necessidades. Gilberto Gil não se sente mais obrigado a compor, gravar e fazer shows para atender, como antigamente, gravadoras, lojistas, rádios, e consumidores. Ao lançar o CD Gil luminoso – voz e violão, confessou que está se permitindo, após os 60 anos, não acompanhar as últimas novidades internacionais, nem se pautar pela obrigatoriedade de calendários rígidos para atuar como músico.

 

O disco foi licenciado para a gravadora Biscoito Fino. O álbum foi lançado originalmente como parte do livro Gil luminoso, do poeta, artista plástico, escritor e compositor Bené Fonteles. Admitindo que compôs duas músicas para Roberto Carlos, Era nova e Se eu quiser falar com Deus, sem que o Rei decidisse gravá-las, Gil deu a entender que fez O compositor me disse, uma das faixas do CD recém-lançado, para que Elis Regina a interpretasse a palo seco, sem maiores recursos instrumentais. Deixou transparecer que o arranjo de César Camargo para a gravação de Elis não seguiu a orientação. Mas elogia a Pimentinha como uma de suas maiores intérpretes. Citou Zizi Possi como a outra voz preferida, quando se esperava confissão de amor a Gal Costa.

 

Super-Homem, a canção tem uma história curiosa, revelada pelo autor. “Estava na casa de Caetano, um dia antes de ir aos Estados Unidos gravar o disco Realce. Ele foi ver o filme Super-Homem e voltou animado. Com sua memória prodigiosa, contou todo o enredo. O que mais me chamou a atenção foi a cena em que o Superman faz a Terra girar ao contrário, para salvar a mocinha. Assim que Caetano parou de contar, peguei o papel e fiz a música. Mas só terminei nos Estados Unidos, depois de ver o filme meio pela metade, pois meu inglês não é tão bom para entender todos os diálogos.”

 

Com repertório de peças finas do artesanato gilbertiano, Gil luminoso – voz e violão é disco para iniciados na obra do baiano musical. Aqui, o instrumentista habilidoso passeia por suas melodias com rigor inspirado. E ajuda a revelar detalhes e oferecer novos ângulos de obras-primas como Metáfora (dedicado ao poeta Haroldo de Campos), Retiros espirituais, Aqui e agora, O seu amor (feita para o show Os doces bárbaros, que em breve será lançado em DVD) e temas que formam ilhas em discos de sua fase mais pop, como A raça humana e Tempo rei.

 

Continua a expectativa sobre o aguardado disco de samba que Gil promete há quatro anos, que pode sair em 2007. “Já está com 70% do repertório pronto”, confessa, para logo depois admitir que o prazo pode ser mudado. Sem traumas, em clima que chamou de “espírito zen-mundismo”, que lhe permite meditar pela Avenida Paulista ou se emocionar vendo uma criança brincar na inauguração de um Ponto de Cultura criado por sua pasta. “Muita gente reclama quando deixo de fazer discos. Isso é vício produtivista. É um vício consumista – precisamos de um disco do Gil pra gente consumir”, conclui.

 

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