“Nefandos pecados”

A Terra tornou-se corrupta e violenta.In: Hondt, P.Figures de La Biblie, 1728

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, escandalizaram-se ao encontrar tantos índios praticantes da homossexualidade, na época chamada “nefando pecado de sodomia”. Os nativos amantes do homoerotismo eram chamados na língua tupinambá de tibiras, enquanto o padre francês André Thevet (1575) intitulou-os de berdache, termo de origem persa, generalizado pelos povos islâmicos, que passou a ser utilizado por viajantes e depois por antropólogos, para descrever os nativos homossexuais e/ou travestis de diversas partes do mundo, sobretudo os da América do Norte. Também muitas mulheres indígenas entregavam-se umas às outras em relações lésbicas: segundo os cronistas da época, havia muitas cunhãs que eram completamente “invertidas”, assumindo radicalmente o papel de gênero masculino na aparência, trabalho e lazer, preferindo a morte a serem chamadas de mulheres ou a manter relações com o sexo oposto. Eram chamadas de çacoaimbeguira, e provavelmente teriam sido elas as inspiradoras do mito das amazonas sul-americanas.

Também os negros contribuíram para o alastramento do amor unissexual na “Terra dos Papagaios”: o primeiro travesti registrado na nossa história foi o negro Francisco, da etnia manicongo, morador à Misericórdia, no centro de Salvador, denunciado em 1591 perante o visitador do Santo Ofício da Inquisição na Bahia, por recusar-se “vestir roupa de homem”. Era membro de uma “confraria” a que chamavam quimbanda, composta por temidos feiticeiros praticantes do homoerotismo, muito respeitados nos reinos do Congo e de Angola. Dois criteriosos cronistas do século XVII, o padre Cavazzi da Montecucculo e o capitão Cadornega, confirmam a associação entre os quimbanda e a prática do “vício dos gregos”.

Malgrado a presença aterradora do Tribunal da Inquisição (1536-1821), o homoerotismo também percorreu incontrolado toda a história lusitana, envolvendo quando menos três soberanos e inúmeras celebridades deste país ibérico. Foi aí merecidamente referido como “vício dos clérigos”, tantos foram os frades, cônegos, sacristãos e até membros do alto clero a praticarem o “amor que não ousava dizer o nome”. Um terço dos sodomitas presos e queimados pelo Santo Ofício pertencia à Igreja.

Luiz Mott é professor titular de Antropologia na Universidade
Federal da Bahia e autor de O sexo proibido: virgens, gays e
escravos nas garras da Inquisição.
Campinas: Papirus, 1988.


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