Cruzando Fronteiras

Cruzar fronteiras tem sido marca da produção contemporânea em artes visuais, mas nenhuma mostra como a inSite, realizada nos Estados Unidos e no México, apresenta isso tão ao pé da letra. Organizada a cada três anos, desde 1994, em caráter binacional, a exposição tem sido marcada por levar artistas a criarem obras especialmente para as cidades fronteiriças de San Diego e Tijuana, após fazerem pesquisas no local.

Em sua quarta edição, a ser inaugurada na próxima sexta, inSite-05 terá uma novidade: além de “Intervenções” com obras em espaços públicos das duas cidades (leia texto nesta página), como é de costume, a trienal terá ainda uma mostra dividida entre o Museu de Arte de San Diego e o Centro Cultural de Tijuana, com o título “Farsites” (lugares distantes), sob a responsabilidade do brasileiro Adriano Pedrosa, um dos co-curadores da próxima Bienal de São Paulo.

Em sua exposição, com 53 artistas, Pedrosa selecionou 11 brasileiros e dez mexicanos. “No contexto latino-americano, os países com as produções de arte contemporânea mais fortes são o Brasil e o México”, conta Pedrosa.

Embora não foque na região de fronteira para organizar a mostra, já que isso é a proposta de “Intervenções”, com curadoria de Osvaldo Sánchez, que selecionou mais três brasileiros, Pedrosa dá a “Farsites” uma típica temática latino-americana: as soluções informais no espaço urbano. Leia a seguir como o curador estruturou sua mostra.

– Qual o papel de “Farsites” no contexto de inSite-05?
Adriano Pedrosa – “Farsites” representa um importante passo no desenvolvimento da estrutura do inSite. É a primeira vez que se organiza uma exposição de museu, e como o inSite é um projeto binacional que lida com a questão das fronteiras em diversos sentidos, a exposição acontece nas duas principais instituições de San Diego e de Tijuana. Nesse contexto, o papel de “Farsites” é o de complementar “Intervenções”, que consiste em obras comissionadas a artistas nos espaços públicos da fronteira e das duas cidades. A exposição funcionará como uma espécie de catalisador, pois os projetos públicos estão dispersos na região, e em “Farsites” estão reunidos em dois edifícios.

– “Farsites” aborda situações de crise no ambiente urbano, possivelmente uma crítica ao modelo moderno de cidade, e a seleção de artistas privilegiou nomes do Terceiro Mundo. Em que medida esses artistas apontam para a falência do projeto moderno?
Pedrosa – Um dos motivos condutores mais fortes de “Farsites” é o “informal”: as soluções alternativas, provisórias, “low tech”, as “gambiarras”, que é o titulo de uma série de fotografias de Cao Guimarães incluída na mostra, encontradas tanto na cidade quanto na casa. Este é um fenômeno muito mais freqüente no Terceiro Mundo, onde os setores público e privado não têm recursos suficientes para exercer o controle “moderno” da cidade e do cidadão.

De algum modo, as respostas de muitos artistas em “Farsites” questionam esses lemas modernos urbanos: a eficiência, a organização, a clareza e a transparência de sistemas, fluxos e controles na cidade e no cotidiano.

– A questão urbana é uma temática na produção nacional?
Pedrosa – Não diria tanto que a questão urbana seja uma temática prevalecente na produção nacional, mas o que identifico como “crise” ou “sintoma” no projeto (a gambiarra, por exemplo) penso que sim. Há de fato uma prevalência de artistas latino-americanos, sobretudo porque as questões que estão sendo tratadas são mais candentes ou emergenciais nessa região.

 – Como se deu a seleção de trabalhos?
Pedrosa – Enquanto exposição de museu que é, a mostra reúne sobretudo obras já existentes, embora haja algumas feitas especialmente para a mostra ou pouco mostradas.

– Nesse sentido, qual é função de uma bienal/trienal no circuito das artes: apresentar novos trabalhos ou dar visibilidade aos já existentes?
Pedrosa – Há diferentes modelos e respostas à questão, como também à questão sobre a inclusão de novos artistas e artistas emergentes em oposição a artistas maduros ou em meio de carreira. Tradicionalmente, as bienais de arte se esforçam para produzir novas obras para a mostra, embora eu não conheça nenhuma que o faça em sua totalidade -o componente “Intervenções” do inSite, nesse sentido, é uma grande exceção. Eu acredito que deva existir uma mescla de tudo isso, novas obras e novos nomes, artistas maduros e artistas emergentes. A questão é particularmente delicada quando se trata de uma mostra com um enquadramento teórico/temático muito preciso, como é o caso de “Farsites”, e que não é o caso da maioria das bienais, pois é muito difícil construir uma exposição desse tipo sem contar com obras já existentes para costurar a articulação curatorial.

 

 

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