Dá para imaginar um projeto sócio-educativo que produza conteúdo para celulares, usando arte popular brasileira, e que entre em competição com as grandes empresas nacionais e internacionais que comercializam imagens para fundo de tela (wallpapers) e sons para toques de celular (ringtones)? Por mais utópico que pareça, esse projeto existe e se chama Pipa Móvel.
Numa época em que a moda é baixar músicas que estão nas paradas de sucesso como ringtones e de fotos pessoais como wallpapers, esse trabalho pioneiro busca uma forma de romper a idolatria dos brasileiros às coisas estrangeiras e incentiva-los a valorizarem nossa cultura, nossos trabalhos, enfim, nossas raízes.
O Pipa Móvel, uma parceria entre a Cidade do Conhecimento, entidade da Universidade de São Paulo, a ONG EducaPipa e empresas como Takenet, Accenda e Compera- todas do ramo de desenvolvimento de Tecnologia da Informação- visa produzir uma reengenharia das cadeias produtivas que favoreça a geração de empregos, renda e investimentos na cidade de Pipa, um vilarejo escondido no litoral sul do Rio Grande do Norte. Um pequeno distrito de Tibau do Sul rodeado de falécias e praias, um local com muito sol e águas cristalinas. Além do toque de celular do coco de zambê, uma espécie de embolada tradicional da região, há também ofertas de imagens produzidas por artistas locais, como pinturas, afrescos religiosos, desenhos feitos por crianças, fotografias de artesanato, da fauna e da flora de Pipa.
Metade do lucro obtido com o Pipa Móvel fica para a operadora de celular, 25% para a Cidade do Conhecimento, umas das agregadoras do trabalho, 15% para os artistas à título de direitos autorais e 10% vai para a ONG EducaPipa que investe em novos projetos para a comunidade local. Podem baixar o conteúdo da rede os clientes das operadoras: Vivo, Oi, Telemig Celular, Amazônia Celular, Sercomtel e CTBC, e eles estão disponíveis no portal Lokomix- da empresa Takenet, outra agregadora do Pipa Móvel. O preço cobrado varia de R$ 2,50 a R$ 5,00 por download . Todas as operadoras baixam wallpapers e ringtones neste portal, com exceção da Oi, cuja agregadora é a empresa Compera, através do portal Topz, e o preço é de R$ 2,99.
“Manifestações culturais como o coco de zambê correm o risco de morrer, se não forem estimulados. Além disso, damos à música uma visão utilitária: motivamos a pessoa à atender ao telefone”, afirmou o músico Itamar Vidal em oficina ministrada durante um evento em São Paulo da Cidade do Conhecimento, ocorrido em novembro do ano passado no Memorial da América Latina. O próprio músico, na ocasião, fez a transposição dos tambores para o celular em formato MIDI, ao vivo e a cores, o que impressionou a platéia presente.
A empresa Accenda é a responsável pela consultoria de negócios e posicionamento de Tecnologia da Informação e segundo o seu diretor financeiro Paulo Henrique Pereira a idéia é de que os turistas além das lembranças e fotografias, levem para casa um souvenir móvel. “Para a empresa o projeto está começando agora e ainda não possibilitou um retorno financeiro significativo para a população de Pipa, mas o Pipa Móvel é uma ação pioneira e tem potencial para se espalhar pelo Brasil e pelo mundo”, diz Paulo Henrique. “A intenção é competir em pé de igualdade com grandes produtores de conteúdo”, complementa ele. Para a Compera, segundo o assessor de comunicação Fabrício Bloisi, a empresa aposta na expansão mundial da comercialização desses conteúdos, “acreditamos muito e apostamos em conteúdos nacionais. Existem áreas onde a competitividade do Brasil é limitada em comparação com indústrias internacionais, mas em outras não, como conteúdos para celular, TV, música e cultura em geral”.
A cidade de Pipa é um distrito turístico e toda divulgação das coisas boas e as maravilhas existentes no local acarretam benefícios à própria comunidade, porque movimenta o comércio. Porém a iniciativa propõe que os habitantes desse paraíso ecológico participem diretamente do desenvolvimento sustentável da região, oferecendo atividades não-predatórias aos visitantes. Evita-se assim a degradação do vilarejo e os desastres ambientais tão comuns nos dias de hoje.
“A educação e a cultura gerando recursos financeiros ao povo”, é como define o projeto a diretora da ONG EducaPipa, Norma Fagundes, em entrevista ao ArteCidadania. De acordo com ela, a importância do Pipa Móvel vai muito além da comercialização da cultura regional via celular. Para Norma, a própria comunidade, principalmente os jovens, motivam-se, interessam-se pelo resgate das tradições e do “casamento” dele com as novas mídias. “A criatividade não tem limite. É preciso sempre acreditar na capacidade de fazer e nos vôos de criatividade do ser humano, só assim penso na verdadeira educação”, entusiasma-se Norma.
A proposta de divulgar trabalhos locais brasileiros usando como meio o celular, causou estranheza em muitos, que a taxaram de excêntrica, mas como elucidou o diretor da Cidade do Conhecimento, Gilson Schwartz, “escolhemos os formatos digitais porque eles geram renda. O celular é uma tecnologia proprietária, fechada e tarifada. É o canal propício à geração de receitas que são compartilhadas com os artistas e as organizações sociais”. Fabrício Bloisi, assessor da Compera, recorda ainda que o projeto traz benefícios para os próprios artistas: “ Estamos falando de conteúdos regionais para comunidades carentes e com artistas que não teriam oportunidade de vender seus trabalhos de outras formas”. Para ele, esta é uma iniciativa com cunho social que deve crescer e beneficiar comunidades fora dos centros comerciais reduzindo as distâncias e as barreiras entre a produção e a distribuição deste conteúdo e seu consumo.
Mas o Pipa Móvel não é apenas um meio de comercializar fundo de telas e toques para celular com obras locais, é também uma forma das pessoas valorizarem trabalhos artísticos brasileiros e isso é um gesto de cidadania. Schwartz reforça: “comprar os conteúdos dos artistas de Pipa ao invés de apenas votarem maciçamente no Big Brother Brasil ou concorrer na Seleção do Faustão, que gera milhões em receita à Rede Globo é uma forma das pessoas perceberem que dá para ter uma ação de responsabilidade cidadã pelo celular”.
Num país onde a leitura estagnou, mas a presença de celular explodiu, eles seguiram a tendência. A telefonia celular abre oportunidades para a produção e distribuição de conhecimento, cultura e educação, em especial tecnológica e cultura digital.Tudo começou a partir de estudos e seminários realizados no curso de pós-graduação Economia da Informação e Novas Mídias, ministrado por Gilson Schwartz. Percebeu-se que a utilização de celular crescia mais que de internet e após uma pesquisa das características desse mercado, iniciou-se o diálogo com as empresas que nele atuam. A proposta da Cidade do Conhecimento uniu-se à vontade da EducaPipa em dividir e divulgar a riqueza de sons e as belezas das imagens com mais pessoas, e assim nasceu o Pipa Móvel. Mas o projeto não pára por aí, outras cidades e empresas, de olho nas perspectivas positivas desse negócio inédito, já estudam a sua viabilização, elas querem levar esse pioneirismo para suas estratégias de vendas. Como esclarece Schwartz, “criamos um novo modelo de negócios digitais com forte componente de responsabilidade social. Tentamos mostrar caminhos e espero que não apenas esta, mas outras inovações do nosso ‘colaboratório’ ganhem mais espaço neste país.” Para Norma Fagundes, por ser, o Pipa Móvel, a união da questão social com o desenvolvimento tecnológico, este exemplo deve ser seguido, “precisamos acompanhar o desenvolvimento e trabalhar com as novas linguagens. Nós temos que seguir o curso da História”.
Para a comunidade é um incentivo e ela está empolgada com a possibilidade de saber que seus trabalhos poderão correr o mundo. É exatamente isso que os envolvidos nesse trabalho pretendem: entrar e conquistar também o mercado internacional. O diretor da Cidade do Conhecimento conta como isso será possível: “Estamos trabalhando para distribuir o conteúdo nos mercados europeus, asiáticos e norte-americano, por meio de parcerias imbuídas de forte compromisso social, educacional e ambiental de seus processos de tecnologia”.
O papel da Cidade do Conhecimento- criada há cinco anos no instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – no Pipa Móvel é o de que na proporção que o projeto gere renda e ocupação aos nativos, seja promovida a emancipação digital de indivíduos e organizações. Já a EducaPipa quer, com o retorno financeiro obtido, reverte-lo em novos cursos para a comunidade. Além da Rede Pipa (telecentros que atendem de 300 a 400 crianças e adolescentes por mês), a ONG ainda oferece aulas de drama, grafite, pesca oceânica, educação ambiental e, é claro, coco de zambê.
“Se fala muito em sustentabilidade nos projetos de inclusão digital, mas esta só é alcançada quando se emancipa a comunidade, gerando emprego e renda”, diz o diretor da Cidade do Conhecimento Gilson Schwartz ao ArteCidadania. “Queremos que os consumidores optem por um consumo cidadão, inteligente e sustentável. Na medida que o Pipa Móvel consegue gerar renda, o produtor das obras também ampliará o seu leque de consumo, não só de bens e serviços digitais, mas de outros bens tangíveis como alimentação, saúde, moradia e lazer”, salienta ainda.
A ampliação desse projeto e de outros que surgirão possibilitará que os talentos folclóricos, regionais e a riqueza paisagística de tantas cidades brasileiras ganhem a mobilidade de um postal e permitam o estabelecimento de relações mais duradouras entre o povo e sua raiz, formando assim uma sociedade ampla de interessados no desenvolvimento sustentável das belezas naturais do Brasil. Os integrantes destas cidades aprendem a capturar, digitalizar e editar sons e imagens tradicionais.
Atualmente, ocorre em nosso país um impacto muito grande das redes digitais sobre a produção e distribuição de informações e com isso, o compartilhamento de conhecimento. Então porque não usar esses avanços para expôr e propagar mundialmente a cultura brasileira? Talvez seja o caminho para eternizar tradições. Usando o exemplo do coco de zambê- um grupo secular da região que estava se perdendo com o tempo-, O Pipa Móvel trouxe ele de volta para a mídia por causa dos ringtones. É um resgate e, porque não dizer, uma perpetuação dessa embolada local.
Para o diretor da Cidade do Conhecimento o projeto dará certo porque ele acredita que muitos brasileiros se entusiasmam com coisas boas, coisas da nossa gente, da nossa cultura. É necessário criar pontes entre o dinheiro e responsabilidade social, entre o material e o imaterial, entre a cultura e a vida.
Para mais informações, entre no site: www.cidade.usp.br
http://www.artecidadania.org.br/site/paginas.php?setor=16&pid=1379
Viviane Batista