Artigo – O balanço do cinema em 2010

cinema artigoNão tem para ninguém – o grande filme estrangeiro do ano foi Vincere, do italiano Marco Bellocchio. No âmbito nacional, não se pode falar de 2010 sem citar o capitão Nascimento. Aliás, o tenente-coronel Roberto Nascimento, de Tropa de Elite 2, que já levou 11 milhões de brasileiros ao cinema. Bateu o antes imbatível recorde de Dona Flor e seus Dois Maridos com seus 10,7 milhões de espectadores conseguidos em 1976.

 

Vincere e Tropa de Elite 2: como aproximá-los? Bem, isso não é necessário. A única coisa que têm em comum é serem notáveis, e por motivos diferentes. Um entra na conta de 2010 por sua excepcional qualidade artística – poucas vezes se viu na tela tamanha articulação entre vida pessoal e história política como neste relato sobre a amante de Mussolini, por ele abandonada ao tomar o poder.

 

Tropa 2 está presente não apenas por seu grande sucesso de público, como por sua correspondente repercussão social. Uma coisa não depende necessariamente da outra. Um filme como Titanic pode levar 16 milhões de pessoas às bilheterias e não mexer com nada que nos diga respeito.

 

Tropa de Elite, à sua maneira, toca em temas fundamentais como a segurança pública, desnível social, tráfico e corrupção. Um diálogo entre ficção e realidade se deu com a guerra aos traficantes do Complexo do Alemão, ocorrido com o filme já em cartaz. E, goste-se de José Padilha ou não, deve-se reconhecer que evoluiu muito de Tropa de Elite 1 para o 2.

 

Claro, houve muito mais do que Tropa de Elite 2 no cinema nacional e mais do que Vincere no internacional.

 

O sucesso do filme de Padilha é, em boa parte, responsável pelo desempenho acima da média do cinema brasileiro no ano. Ele próprio faz parte de um processo mais amplo. Com a bonança econômica, as pessoas têm mais dinheiro para o entretenimento. Vão mais ao cinema, o que já está provocando aumento do número de salas no País, atualmente com 2.500.

 

É pouco. Existe ainda muito espaço para crescer. Estas salas têm de ser preenchidas com bons filmes, ou filmes de apelo popular, e eles estão chegando, sob várias formas. Por exemplo, um fenômeno de 2010 foi o filão espírita, em especial com Chico Xavier, de Daniel Filho, e Nosso Lar, de Wagner de Assis, que, juntos, levaram 7,5 milhões de pessoas aos cinemas.

 

A reação católica, que se esperava com Aparecida, o Milagre, de Tizuka Yamazaki, não se deu. Em começo de carreira, Aparecida não promete ir longe. Na semana de estreia obteve a pífia média de 186 espectadores/sala.

 

Números à parte, 2010 assistiu a uma interessante tentativa de diálogo com o público adolescente. Filmes como Os Famosos e os Duendes da Morte, de Esmir Filho, Antes que o Mundo Acabe, de Anna Luiza Azevedo, e As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanzky, acertaram em cheio ao supor um espectador teen que espera se divertir mas também deseja ser respeitado em sua complexidade. Não arrebentaram na bilheteria. Por outro lado, a comédia jovem Muita Calma Nesta Hora, de Felipe Joffily, superou com folga o milhão de espectadores.

 

Se houve espaço para grandes sucessos e filmes em busca de segmentos específicos, mantiveram-se também as frestas para o cinema dito de autor, mais experimental e exigente. São os casos de A Alma do Osso, de Cao Guimarães, Acácio e A Falta que me Faz, ambos de Marília Rocha, O Amor Segundo B. Schiamberg, de Beto Brant. São títulos pequenos, “miúras”, como se diz, e de apelo restrito, embora indispensáveis do ponto de vista artístico. Nesse segmento desponta um título excepcional como Viajo Porque Preciso, Volto porque Te Amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz.

 

Já filmes como É Proibido Fumar, de Anna Muylaert, Os Inquilinos, de Sérgio Bianchi, Sol do Meia-Dia, de Eliane Caffé, e O Grão, de Petrus Cariry, são excelentes e buscam conciliar qualidade com legibilidade mais ampla. O fato de terem ido mal de bilheteria deveria ser matéria de estudo de mercado. Algo anda errado com o lançamento desse tipo de obra. Virtudes não lhes faltam. Falta é público.

 

Documentários nacionais também deram sua contribuição à qualidade cinematográfica do ano. Para citar apenas dois, e que têm por tema a música popular brasileira: O Homem que Engarrafava Nuvens, de Lírio Ferreira, e Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil.

 

Lírio, em linguagem poética e ritmada, redescobre o compositor Humberto Teixeira (parceiro de Luiz Gonzaga em Asa Branca e tantos outros clássicos), tendo como cicerone a filha do compositor, a atriz Denise Dummont.

 

Uma Noite em 67 nos leva aos tempos dos grandes festivais de música a um deles em particular, o da Record, que consagrou Ponteio, de Edu Lobo, interpretado por ele e por Marília Medalha. Foi também o festival da cisão entre a música “autêntica”, de raízes brasileiras, como o próprio Ponteio e Roda Viva, de Chico Buarque, e o nascente Tropicalismo, com Domingo no Parque, de Gilberto Gil, e Alegria Alegria, de Caetano Veloso. Cisão artística e cisão política, na véspera do AI-5 – os festivais e este, em particular, expressavam nas músicas e na plateia aquilo que queriam calar na sociedade. O filme melhora a cada vez que é revisto.

 

Assim como o cinema nacional, também o internacional teve seus arrasa-quarteirões e seus miúras. Bons filmes da Argentina continuaram a chegar, como são os casos de Dois Irmãos, de Daniel Burman, O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella, e Abutres, de Pablo Trapero.

 

O cinéfilo brasileiro teve também o privilégio de ver dois novos Woody Allen – Tudo Pode Dar Certo e Você Vai Conhecer o Homem de Sua Vida. Detratores podem dizer que de novo eles nada têm, apenas mais do mesmo, Allen reciclado ainda uma vez. Dizia-se o mesmo a cada novo filme de Fellini e a cada novo disco de Frank Sinatra. Novidadeiros se esquecem de que grandes artistas se reinventam no mesmo.

 

O ano cinematográfico viu também a chegada de filmes dos grandes mestres como Belle Toujours, de Manoel de Oliveira, O Escritor Fantasma, de Roman Polanski, Ilha do Medo, de Martin Scorsese, e Tetro, de Francis Ford Coppola. Nenhum deles decepcionou, embora fosse grande a tentação de comparar essas produções atuais com as que fizeram no passado. Esse tipo de saudosismo crítico costuma idealizar o passado e empalidecer o presente.

 

Menção particular a Film Socialisme, diagnóstico impiedoso de uma Europa em ebulição, dirigido por um octogenário Jean-Luc Godard com a força e a ousadia de um menino. Godard continua, em seus filmes reflexivos, a trabalhar na forma e a pensar o mundo de maneira original. Nada mais avançado, esteticamente, bateu nas telas do cinema este ano.

 

Entre o cinema-pipoca que se pretende sério, os destaques ficam para A Origem, de Christopher Nolan, e Rede Social, de David Fincher – que devem bombar no Oscar. O primeiro parte de uma ficção interessante, uma aventura no interior da mente e dos sonhos. Quanto mais se pensa nele, mais ele se esvazia, até virar um pastel de vento.

 

Rede Social parece mais persistente na memória. Talvez por referir-se a fenômeno contemporâneo da internet, a rede de relacionamentos Facebook, com seu meio bilhão de usuários e valendo US$ 25 bilhões no mercado. Cifras. Mas o que parece mesmo decidir o jogo a seu favor é o personagem que intriga, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), nerd genial, emocionalmente tapado.

 

Vidas sem sentido, cultura universitária americana elevada a padrão universal, bilhões de dólares extraídos do nada pelo capitalismo virtual – tudo isso produz um inquietante estudo sobre o vazio, cômico e aterrorizante. Mais fascinante ainda porque é um estudo sem tese e sem demonstração nítida, elaborado como que à revelia do diretor. Um círculo desprovido de centro. Fincher chegou a dizer que Zuckerberg seria um Charles Foster Kane do nosso tempo. Pobre tempo, somos forçados a concordar.

 

Por Luiz Zanin, em seu blog

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