Vinícius de Moraes (1913-1980)
Marcus Vinícius de Melo Moraes nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1913. Bacharel em Letras, formou-se também em Direito no mesmo ano em que estreou como escritor: 1933. Cinco anos mais tarde, foi para Oxford, na condição de bolsista mas a explosão da guerra, em 1939, forçou a volta ao Brasil. Ingressou na carreira diplomática em 1943 e em 1946 foi para Los Angeles, como vice-cônsul. Em 1953 compôs seu primeiro samba: era o inicio da atividade que iria absorvê-lo. Alguns anos depois, convidou Tom Jobim para fazer a música do espetáculo Orfeu da Conceição, peça de sua autoria, que viraria depois o filme Orfeu negro, premiado com a Palma de Ouro no festival de Cannes.
Inaugurado dia 22 de outubro de 2003, pela Família de Vinícius de Moraes, página muito bem acabada e completa. Definitiva, sobre a vida e a obra do grande “Poetinha” carioca, aquele que se definia como “O Branco mais preto do Brasil na linha direta de Xangô. Saravá!.” Confira o belo trabalho através deste link.
Vinícius já estava no terceiro de seus dez casamentos quando saiu o disco Canção do amor demais, com músicas dele e de Jobim; nesse disco ouvia-se, pela primeira vez, a batida da bossa-nova no violão de João Gilberto, acompanhando a – cantora Elizete Cardoso na música “Chega de saudade”, marco inicial do movimento. “Garota de Ipanema”, de 1962, é a música brasileira mais
gravada no mundo até hoje. Desligado do Itamarati, dedicou o resto de sua vida à música, ao cinema e a shows, tornando-se um dos mais populares compositores do Brasil.
Morreu no Rio de Janeiro, em 1980.
Em sua obra, o poeta expressa, com intensa angústia, a constante oposição entre matéria e espírito, da qual resulta a sensação de pecado. A existência terrena configura-se para ele como o caos, o abismo. Procura no misticismo a solução para esse embate. Esta é a visão de mundo predominante em O caminho para a distância.
Nesse contexto, o amor – pelo fato de vincular o homem ao mundo terreno – tem conotação negativa, de início. No livro seguinte, Forma e exegese, no entanto, o amor começa a assumir o papel de força que permitiria unir o material e o espiritual, sobretudo na figura da mulher idealizada. O poeta começa a desligar-se do plano místico e procura, na realidade do cotidiano, a saída para suas angústias.
Em Ariana, a mulher – longo poema publicado como livro – e Novos poemas, despontam os primeiros sinais de sensualismo e erotismo que mais tarde caracterizarão sua obra.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
seu dorso frio é campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Cinco elegias é a obra que marca a transição definitiva do misticismo para a realidade do dia-a-dia, nova fonte de inspiração de Vinícius. O mundo circundante oferece agora ao poeta não só a temática, mas a possibilidade de superação dos conflitos da primeira etapa de sua poesia. É o que se observa em Poemas, sonetos e baladas.
A linguagem se modifica, tornando-se mais coloquial, direta, ao mesmo tempo, o poeta recupera a linguagem clássica nos sonetos, considerados em conjunto como a melhor parte de sua poesia.
Na tempestuosa madrugada de 19 de outubro de 1913, nascia o garoto Vinicius. A grafia está correta. Seu pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, um apaixonado pelo latim, dera a ele este nome. Naquela noite nascia na Gávea, o futuro garoto de Ipanema.
Escreveu seu primeiro poema de amor aos 9 anos, inspirado em uma colega de escola que reencontraria 56 anos depois. Seus amores eram sua inspiração. Oficialmente, teve nove mulheres: Tati (com quem teve Susana e Pedro), Regina Pederneiras, Lila Bôscoli (mãe de Georgina e Luciana), Maria Lúcia Proença (seu amor maior, musa inspiradora de Para viver um grande amor), Nelita, Cristina Gurjão (mãe de Maria), a baiana Gesse Gessy, a argentina Marta Ibañez e, por último, Gilda Mattoso. Mulherengo? Não, “mulherólogo”, como ele costumava se definir.
Tati, a primeira, única com quem casou no civil, é a inspiradora dos famosos versos “Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja imortal enquanto dure”. Deixou-a para viver com Regina Pederneiras. O romance durou um ano, depois do que ele voltou com Tati para deixá-la, definitivamente, em 1956 e casar com Lila, então com 19 anos, irmã de Ronaldo Bôscoli. Foi nessa época que o poeta conheceu Tom Jobim e o convidou para musicar sua peça Orfeu da Conceição. Desta parceria, surgiriam músicas símbolos da Bossa Nova como Chega de Saudade e Garota de Ipanema, feita para Helô Pinheiro, então uma garotinha de 15 anos que passava sempre pelo bar onde os dois bebiam. No ano seguinte, 1957, se casaria com Lucinha Proença depois de oito meses de amor escondido, afinal, ambos eram casados. A paixão durou até 1963. Foi pelos jornais que Lucinha, já separada, soube da ida de Vinícius para a Europa “com seu novo amor”, Nelita, 30 anos mais jovem. Minha namorada, outro grande sucesso, foi inspirado nela.
Em 1966, seria a vez de Cristina Gurjão, 26 anos mais jovem e com três filhos. Com Vinícius teve mais uma, Maria, em 1968. Quando estava no quinto mês de gravidez, Vinícius conheceu aquela viria a ser sua próxima esposa, Gesse Gessy. No segundo semestre de 69 começa sua parceria com Toquinho. No dia de seu aniversário de 57 anos, em 1970, em sua casa em Itapuã, Vinícius transformaria Gesse Gessy, então com 31 anos, em sua sétima esposa. Gesse seria diferente das outras e comandaria a vida de Vinícius com bem entendesse. Em 1975, já separado dela, ele se declara apaixonado por Marta Ibañez, uma poeta argentina. No ano seguinte se casariam. Ele tinha quase 40 anos mais que ela.
Em 1972, a estudante de Letras Gilda Mattoso conseguiu um autógrafo do astro Vinícius após um show para estudantes da UFF, em Niterói (RJ). Quatro anos depois o amor se concretizaria. O poeta , já sessentão; ela, com 23 anos.
Na noite de 8 de julho de 1980, acertando detalhes das canções do LP Arca de Noé com Toquinho, Vinícius, já cansado, disse que iria tomar um banho. Toquinho foi dormir. Pela manhã foi acordado pela empregada que encontrara Vinícius na banheira com dificuldades para respirar. Toquinho correu para o banheiro, seguido de Gilda. Não houve tempo para socorrê-lo. Vinícius de Moares morria na manhã de 9 de julho. No enterro, abraçada a Elis Regina, Gilda lembrava da noite anterior, quando em uma entrevista, perguntaram ao poeta: “Você está com medo da morte?”. E Vinícius, placidamente, respondeu: “Não, meu filho. Eu não estou com medo da morte. Estou é com saudades da vida”.
Soneto de fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Na trajetória de Vinícius, a linguagem grandiloqüente dos primeiros poemas vai aos poucos cedendo lugar à expressão mais acessível, mais próxima do cotidiano, mais comunicativa. Adicione-se a isso a inclinação musical do poeta e o resultado é previsível: a música popular torna-se o veículo de comunicação privilegiado. Primeiro, a bossa-nova inicial com letras intimistas e de “fossa”. Depois, os afro-sambas – resultantes da parceria com Baden Powell – recuperando raízes culturais do Brasil. Finalmente, as múltiplas parcerias e variedades de temas.
Serenata do adeus
(Letra e música de Vinícius de Moraes)
Ai, a lua que no céu surgiu
Não é a mesma que te viu
Nascer dos braços meus…
cai a noite sobre o nosso amor
E agora só restou do amor
Uma palavra: adeus…
Ai, vontade de ficar
Mas tendo de ir embora…
Ai, que amor é se ir morrendo
Pela vida afora
É refletir na lágrima
O momento breve
De uma estrela pura
cuja luz morreu…
Ò mulher, estrela a refulgir
Pane, mas antes de partir
Rasga o meu coração…
crava as garras no meu peito em dor
E esvai em sangue todo o amor
Toda a desilusão…
Ah, vontade de ficar
Mas tendo de ir embora…
Ai, que amar é se ir morrendo
Pela vida afora
É refletir na lágrima
O momento breve
De uma estrela pura
cuja luz morreu
Numa noite escura
Triste como eu…
Obra
Poesia: O caminho para a distância (1933); Forma e exegese (1935); Ariana, a mulher (1936); Novos poemas (1938); Cinco elegias (1943); Poemas, sonetos e baladas (1946); Livro de sonetos (1957); Novos poemas II (1959); O mergulhador (1965); A arca de Noé (1970).
Prosa: O amor dos homens (1960); Para viver um grande amor (1962) e Para uma menina com uma flor (1966) – crônicas.
Teatro: Orfeu da Conceição (1955); Pobre menina rica (1962) – em parceria com Carlos Lyra.
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Ausência – Vinícius de Moraes
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz perenizada.