VEREDAS E UTOPIAS – Artigo – Helena Sut

Helena Sut

 

 

“Uma vez transporto o portal, o herói percorre uma paisagem onírica de formas curiosamente fluidas, ambíguas, onde dever sobreviver a uma sucessão de provas.”

Joseph Campbell

 

Debate sobre os movimentos sociais. Auditório cheio. Bandeiras dos movimentos, símbolos e mitos balançam entre faixas de partidos. A presença do público e a expectativa em cada olhar são janelas para os horizontes das esquerdas, o fortalecimento dos movimentos sociais e a reflexão necessária e dolorida da crise política que se alastra na sociedade.

Os primeiros pronunciamentos se limitam às verdades exauridas e à camuflagem da realidade com golpes e conspirações. As palavras arrebatadas contagiam grande parte do público com meias-verdades. É bom prorrogar o sono nas manhãs frias, mas despertar de repente e não encontrar um chão real pode ser temerário… Outros militantes, alicerçados na formação ideológica, tentam encontrar rumos independentes do contexto político. Talvez a reflexão silenciosa que origina ações coesas nos solos redescobertos…

Os discursos mais acalorados parecem mensagens alucinadas de pastores à beira do juízo final ou contos de fadas para crianças sonolentas que não percebem a maldade de alguns personagens distantes do bem e do mal estereotipado como, por exemplo, o pai que abandona João e Maria na floresta, o rei que se omite diante das perversidades da madrasta de Branca de Neve…

Não são apenas as caricatas bruxas que são malvadas, são todos os seres diante de seus contextos e fragilidades… Como as crianças, os adultos também têm dificuldade de perceber a realidade sem o maniqueísmo que simplifica as narrativas humanas.

Novas teorias de conspiração ganham força, infelizmente mascarando o desfile disperso de um rei nu. Talvez ninguém grite a verdade e o nobre termine o itinerário diante dos olhares apáticos de seus súditos ou, quem sabe, um bisturi extirpe o mal que gangrena a indignação no corpo do medo e da perplexidade e possamos recuperar os movimentos autênticos com um posicionamento do rei revestido.

Quando os indivíduos se entregam à devoção dos mitos é quase impossível se deparar com a existência humana. O discernimento é corrompido e os julgamentos viciados.

Fogem as palavras… Resta o olhar de vivências do trabalhador rural, o pensamento indignado do professor universitário, os traços de esforço do sindicalista… Resta a constante luta por uma sociedade justa, pela soberania nacional, pela reforma agrária, pela educação, pela dignidade dos brasileiros… A força dos movimentos sociais está além das conjunturas políticas, está na garra do povo que persiste nas veredas cotidianas enquanto queimam as utopias…

 

 

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