UBE empossa nova diretoria defendendo resgate da democracia

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Aconteceu na noite de terça-feira (28), na capital paulista, a posse da nova diretora da União Brasileira de Escritores, que deve ficar à frente da entidade durante os próximos dois anos. Reproduzimos a íntegra dos discursos dos escritores Aldo Rebelo e Durval Noronha Goyos Junior.

 

Cezar Xavier

Os escritores Durval Noronha Goyos Junior e Aldo Rebelo defenderam o resgate da democracia durante a posse da nova diretoria da UBE. O escritor e a nação – Aldo Rebelo

 

A posse da nova diretoria da União Brasileira de Escritores se reveste de grande e particular importância ao permitir a celebração do escritor, do seu ofício – a literatura -, e do seu instrumento de trabalho: a língua nacional.

 

Faço a saudação inicial aos integrantes da diretoria eleita na figura do presidente reeleito, escritor e advogado Durval Noronha, ilustre brasileiro, defensor das coisas do Brasil e da cultura nacional.

Cumprimento ainda os integrantes do Conselho eleito na pessoa do destacado brasileiro Levi Ferrari, patriota zeloso dos interesses do Brasil.

 

A língua, para além dos fatores endógenos que determinam sua evolução, é também um fenômeno geopolítico capaz de moldar e construir a identidade das nações, principalmente pela literatura.

Shakespeare para a Inglaterra e a língua inglesa; Dante, que antecipou Garibaldi em alguns séculos na criação da Itália contemporânea; Cervantes, o idioma de Castela e a Espanha moderna; Camões, Portugal e a língua portuguesa; Pushkin na literatura russa, são alguns dos casos em que escritores ultrapassam as fronteiras da cultura e da literatura para forjar a identidade e o sentido de permanência das nacionalidades.

 

No Brasil, Gonçalves Dias, Castro Alves, José de Alencar e Machado de Assis emanciparam o Brasil em poesia e romance, decretando a maioridade de nossa literatura.

 

A literatura nacional, aqui compreendida no seu sentido mais amplo de expressão escrita de toda a atividade cultural da nação, constitui espaço decisivo para a construção espiritual da nacionalidade.

Aqui cabe destacar ainda, que nos tempos sombrios que atravessamos, de predomínio de culturas materialmente mais fortes e dotadas de meios superiores de influência sobre as demais culturas, os escritores nacionais como que reafirmam a cada obra editada, senão com a própria existência, a presença da literatura nacional, da cultura nacional e, portanto, da Nação.

 

Repousa, portanto, nos ombros da UBE, de seus dirigentes e dos escritores brasileiros a dupla responsabilidade; de defender e proteger a literatura nacional, e por esta via, a própria soberania da Pátria.

 

Que a UBE e os escritores brasileiros renovem na noite de hoje as melhores tradições libertárias e patrióticas de nossos intelectuais. Que a inspiração de Monteiro Lobato, Cecília Meireles, Graciliano Ramos, Gilberto Freire e tantos outros que iluminaram essa trajetória se faça sempre presente entre nós.”

 

Ao cumprimento das leis e à conduta ética – Durval Noronha Goyos Junior

 

A participação efetiva do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados e em defesa dos valores caros à Humanidade, representou um divisor de águas no tocante à democratização do País e um avanço marcado pela paulatina redução da exclusão social, da dominação desmedida e feroz das classes dominantes sobre a cidadania. Ao mesmo tempo em que nossas instituições de direito interno evoluíam, o Brasil cooperava para a construção de uma ordem jurídica internacional, que almejava um equilíbrio baseado no regime de regras. Esta gradativa evolução tornou menos abrupta a desigualdade social e representou a transposição da maior barreira em nosso processo da busca do bem comum.

 

Neste sentido, a conquista histórica mais relevante da sociedade brasileira foi o Estado Democrático de Direito, consagrado na Constituição de 1988, reinvindicação histórica da Nação e fruto de um processo de lutas que resultaram na efetivação de direitos civis, sociais e políticos. Nestes quase trinta anos em que o Brasil conheceu a democracia, vivenciamos uma fase de conquistas coletivas, um princípio de estabilidade institucional, progresso econômico e desenvolvimento social, a construção de uma sociedade menos desigual e a realização de garantias fundamentais, que consagraram o Estado de Direito dentre nós.

 

Hoje, no entanto, estas grandes conquistas encontram-se vilipendiadas, degradadas e ameaçadas por condutas criminosas banalizadas pelos diversos agentes individuais e sociais, o que, coletivamente, comprometem os direitos duramente conquistados pelo povo. Presenciamos a institucionalização do delito por largos contingentes populacionais, estimulados pela manipulação arbitrária e o desrespeito da lei por aqueles que deveriam zelar por sua efetivação, manutenção e defesa. A busca de uma percepção egoísta e equivocada de uma noção idiossincrática de justiça a qualquer custo vem comprometendo severamente a conduta ética e a própria democracia, com a banalização da insubordinação sistêmica às leis e do exercício arbitrário das próprias razões.

 

Embora a busca pela concretização da justiça permeie os desígnios da sociedade, sua concretização é função delegada unicamente ao Estado. Acresce que a própria institucionalização do Estado Democrático de Direito exige a eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos e sua submissão ao império da lei, bem como dos direitos fundamentais, norteadores do ideal de justiça constitucional. Sendo assim, a legitimação da burla à lei e o exercício arbitrário das próprias razões são verdadeiras antinomias da justiça.

 

O combate à corrupção e a transparência na condução da república são componentes da construção e fortalecimento da democracia, e jamais devem ser utilizados para atender a interesses políticos e pessoais alheios à defesa do interesse público e contrários aos preceitos constitucionais. O grande sábio Voltaire chamou de “fúria sinistra” a somatória das formalidades da lei aos horrores da política[2]. Diante do grave quadro político do país, das ameaças às regras democráticas e à conduta ética, pela continuidade do Estado Democrático de Direito, é preciso respeito às leis, perseverança na defesa dos direitos individuais, sociais e coletivos, respeito ao voto popular e rejeição pela sociedade de quaisquer formas de retrocesso.

 

Em primeiro lugar, cabe a todos observar nossos bons valores éticos e buscar sempre o bem comum e o interesse nacional, naquilo que já foi conhecido como patriotismo, sentimento hoje frequentemente olvidado nestes tempos de esterofilia. O Estado Democrático de Direito está fragilizado, e este é o também um resultado direto da precariedade do nível educacional e cultural da maioria da população brasileira. O baixo nível educacional compromete qualitativamente a democracia na medida em que não permite a formação de cidadãos com capacidade analítica, crítica e transformadora perante o cenário social e político do País, relegando-lhes à condição de meros e alienados expectadores.

Torna-se assim a cidadania presa fácil dos interesses escusos tanto internos quanto externos.

 

A educação de qualidade não deve ser tratada como um privilégio, mas sim, como um direito inafastável, sem a qual não há democracia. Não se pode afastar das ideias de democracia, ética e cidadania o elemento educação, instrumento de transformação social. Deste modo, mais do que nunca, é imprescindível o aprimoramento e reafirmação das políticas públicas voltadas à educação, porquanto dever irrenunciável do Estado. A educação igualitária e de qualidade é a única forma de garantir a formação das habilidades viabilizadoras da participação influente, construtiva e transformadora do povo na sociedade, e o exercício da cidadania consciente de atos e decisões, e deve constar de um projeto de nação e estar acima dos governos.

 

A participação cidadã, neste momento histórico, é primordial na construção e reafirmação do interesse público e dos princípios éticos orientadores do Estado Democrático legitimamente constituído. Ademais, para superar a crise, além do combate a corrupção, com respeito ao devido processo legal, os agentes e instituições do Estado devem cumprir sua missão constitucional, limitando-se a atuar de acordo com sua competência, e todos, sem exceção, devem agir com rigoroso respeito às leis e à conduta ética, e empenhar esforços pelo aprimoramento do nível educacional dos brasileiros, em nome do fortalecimento da democracia e dos direitos de cidadania.

Nestes termos, diante deste difícil cenário atual de caos, a UBE conclama o País ao cumprimento das leis, à promoção de uma educação universal de qualidade, à adoção da conduta ética por todos, à análise crítica e à luta pela reafirmação da nossa democracia, por um Brasil justo, forte e soberano.

Durval de Noronha Goyos Junior é advogado e presidente da União Brasileira de Escritores (UBE).

[2] Voltaire, O preço da justiça, Martins Fontes, São Paulo, 2006, página 82.

 

Fonte: Fundação Maurício Grabois

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