A Bíblia, reescrita pela ciência
Pesquisas arqueológicas criam polêmica ao desmentir as versões mais aceitas dos relatos bíblicos. Escribas da corte de Josias, há 2.600 anos, deram início à compilação dos primeiros livros da Bíblia.
Episódios como a fuga do Egito, a conquista da Terra Prometida e o reinado de Davi e Salomão compõem a obra essencial do mundo ocidental. É ela que deu o fundamento religioso ao judaísmo, e assim consolidou as aspirações de um povo. Sob o nome de Antigo Testamento, é ela que também deu início a uma religião revolucionária, com base nos ensinamentos de Jesus. Muitas pessoas hoje lêem esses textos sagrados como se fossem livros de História – ou seja, relatos ao pé da letra sobre o que aconteceu em determinada época. Outras afirmam justamente o contrário, que quase nada do que está descrito na Bíblia realmente ocorreu. O texto, segundo elas, consistiria simplesmente em uma pregação feita em linguagem figurada e poética, própria de seu tempo, e sem relação com a História factual. Nas últimas três décadas, esforços de arqueólogos, historiadores e lingüistas mostram que a Bíblia está em uma situação intermediária entre essas visões extremas. E o que eles revelam sobre as escrituras sagradas é uma série de surpresas. Boa parte dessas descobertas é narrada em um livro lançado nesta semana no Brasil. A Bíblia Não Tinha Razão (Editora Girafa, 516 páginas), livro escrito pelos arqueólogos Neil Asher Silberman e Israel Finkelstein, dois dos mais respeitados pesquisadores dessa área, traz revelações surpreendentes sobre esse período histórico. Ao que tudo indica, no decorrer de poucas décadas, há cerca de 2.600 anos, um esforço conjunto de escribas, sacerdotes e profetas deu forma a uma escritura sagrada que iria mudar o mundo. Ao unir uma coleção de memórias, poesias, lendas, folclore e relatos históricos, esses homens do pequeno reino de Judá, perdido entre as montanhas próximas ao Mar Morto, deram início ao Antigo Testamento e plantaram a pedra fundamental de religiões que iriam se espalhar por toda a Terra. Entre as histórias da Bíblia, uma das mais contadas e recontadas é aquela em que Moisés, à frente do povo escolhido, desafia os poderes de um faraó egípcio, lançando-o numa viagem de 40 anos pelo deserto rumo à Terra Prometida, Canaã. Segundo o relato, os israelitas viviam no exílio no Egito, nas cidades a leste do Delta do Nilo, e tinham passagem livre para ir e voltar a sua terra natal. No entanto, com a chegada ao trono de um novo faraó, o povo foi escravizado – e só seria libertado por Moisés, um israelita criado por uma filha do faraó, que se revoltou diante do tratamento dispensado a seu povo e terminou por liderá-lo na revolta e no Êxodo. Em sua história estão descritos milagres como a sarça ardente, as dez pragas do Egito, a abertura do Mar Vermelho e o aparecimento de maná no deserto. É ele também que recebe de Deus, no Monte Por anos, os cientistas buscaram o indícios de um Moisés histórico, sem sucesso. É pouco provável que existisse um líder tão importante comandando uma revolta de proporções, e ainda criado por uma filha de faraó, sem que isso fosse registrado nos documentos oficiais ä egípcios. Se a existência da figura de Moisés, porém, é posta em dúvida, há evidências de que a presença de povos originários de Canaã no Egito, entre os séculos XVI a.C. e XIII a.C., era comum.