Santas na superstição do povo

 

Santa Ana

Moribundo, no estado do Ceará, que trouxer ao pescoço, a oração de Nossa Senhora do Monte Serrate, deve tirá-la, para morrer descansado.

Foi-me impossível obter esta curiosa oração da qual já ouvi falar diversas vezes, escrita em nosso próprio idioma. Talvez a título de mera curiosidade, qualquer um dos meus benevolentes leitores me poderá fornecê-la.

O espanhol a possuiu e no interessantíssimo livrinho, publicado em 1910, em Santiago do Chile, denominado Oraciones, ensalmos y conjuros del pueblo chileno, pelo erudito d. Ramon A. Laval, diz, relativamente a esta oração o seguinte:

No es de estrañar que el pueblo trague todas estas paparruchas quando os librero, por hacer un negocio facil, abusando de la ignorancia y buena fé de esta jente, que se figura que todo lo impreso de creerse como verdad de fé, le sirven en folletos e infimo precio, tan grandes e mayores destinos. Por ser corto y para que se vea como se esplota la sencillez popular, voy a transcribir uno de estos folletos, de origen español, segun creo y que há tenido aqui un sin numero de ediciones.

Dice asi:

Oracion a la Virjen de Monserrate y verdadeiro ejemplar.

La siguiente que fue ballada en el Santo Sepulcro de Nuestro Señor Jesus Cristo la cual la han tenido algunos Reyes y Emperadores y muchos otros mas y el Santo Pontifíce, el cual dise que estando Santa Brijida y Santa Isabel, Reina de Hungria, despues de haber hecho una rogativa a Nuestro Señor Jesucristo, deseosos los santas de saber con evidencia cierta de su pasion santíssima, resenó fuertemente entre ellos la divina voz de Jesuscristo esplicandoles las palabras siguientes:

Sabed, mis queridos hijos, que los soldados que me prendieron fueron cien; me dieron en el rostro ciento seis bofetadas; me levantaron del suelo por la cuerda y por los cabellos veinte y tres veces; fui angustiado y atormentado ciento setenta veces; me dieron mil seiscentos setenta y seis azotes atado a la columna; cai en tierra desde el huerto de las Oliva hasta la casa de Anás siete vices; cal en el camino del Calvario cinco veces; derramé ciento diez y ocho mil doscientas gotas de sangre; me dieron veinte puñada en la cara; fui herido en el pecho e en la cabeza veinte y ocho veces; tuve setenta y dos llagos mayores que las demás; tuve mil picaduras de las espinas en la cabeza; me impelíeron a puntapiés ciento cuarenta veces; suspiré ciento nueve veces; me dieron un golpe mortal estando en la columna; tuve otros tres golpes mortales; estando estendido sobre la Cruz me escupieron setenta y tres veces; los que me seguian del pueblo fueron docientos treinta; tuve mil ciento noventa y nueve llagas cárdenas; los que me llevaron atado fueron tres; fui tirado y arrastado por la barba setenta y ocho vezes; y a cualquiera persona que rezase siete Padre Nuestros, Ave Maria y Gloria Patri por espacio de doce años, la concedo cinco gracias: 1ª  Una induljencia plenaria y remision de sus pecados; 2ª  Será libre de las penas del purgatprio; 3ª  Si murierse antes de los doce anños será lo mismo que si los hubiera cumplidos. 4ª  En la hora de su muerte bajaré del cielo a recibir su alma juntamente con la de sus pairentes; 5ª  Las personas que uviesen consigo esta copia y la imajen da mi Madre, será libre (sic) del demônio y no morirá sin confesion; en cualquiera parte que estuvieran no verán vision mais alguna, y a mas diez dias antes de su muerte bajará mi Madre Santissima a privar-les de muchos peligros y tentaciones malas que lles han de acudir; y la mujer embarazada que la cargare parirá sin peligro de muerte“.

Quanto à Santana, refere-se o povo cearense dizendo que moça que se casa no dia consagrado a ela, morre de parto.

No Chile porém se diz:

Santa Ana parió a Maria,
Santa Izabel e San Juan;
Con esta oracion bendita
Los perros han de calhar

Para se evitar desastres, fúria de inimigo, ou qualquer outro perigo, prescreve-se no estado do Rio de Janeiro, a oração a Santa Catarina, que costurada em um saquinho é trazida ao pescoço por um cordel.

É do seguinte teor, a interessante quão curiosa oração:

“Minha Santa Catarina, vós que sois clara e divina, vós fostes aquela senhora que, a 20 de março, sexta-feira da Paixão, paraste na porta de Adão e Eva encontraste 25.000 homens bravos como leões, com vossas santas palavras, vós os abrandastes, neste mesmo dia passastes na água e não vos afogastes, passastes no fogo e não vos queimastes, passastes 25 rodas de navalhas e não vos cortastes: neste mesmo dia passastes muitos trabalhos e martírios, nem vós e nem vosso santíssimo corpo tiveram perigo sem mácula alguma, assim eu vós peço minha Santa Catarina, que nos livreis e guardeis de todo o perigo de todos os desastres e de todos os nossos inimigos, se tiverem olhos não nos verão; se tiverem boca não nos falarão, se tiverem pernas não nos alcançarão, se tiverem armas não nos ofenderão, nem de fogo, nem de ferro, nem de madeira, por este santo dia de hoje ficarão os corações dos nossos inimigos todos presos, pacíficos e temerosos debaixo de meu pé esquerdo. Padre Nosso, Ave Maria, Glória ao Padre”.

Finalizada a recitação desta pitoresca oração, que deve ser proferida com muita atenção e devoção, é necessário se bater no chão, com o pé esquerdo, a fim de que possa ter eficácia como o diz o manuscrito que tive a oportunidade de perlustrar. Rezada com fé, esta oração torna — segundo os entendidos — invísivel a pessoa que a rezou!

Pessoalmente acho que esta última observação não seja tão verdadeira, pois suponho que muitos devedores relapsos, mormente numa época de crise como a que ora atravessamos, haveriam de rezá-la muitas vezes, com bastante devoção, em certas ocasiões críticas, quando procurado, com a habitual insistência, pelos cacetes credores.

No distante estado de Pernambuco diz-se que chover no dia de Santa Luzia — 13 de dezembro — é prenúncio certo de bom inverno. (Para os nortistas e nordestinos, o inverno é a estação pluvial); e tanto lá como aqui, no nosso estado, tira-se um argueiro dos olhos invoncando a sua bondade, com a recitação seguinte:

Corre, corre, cavaleiro
Pela porta de São Pedro
E dizei a Santa Luzia
Que me mande o seu lencinho
Para tirar este argueiro

A oreção seguinte, oferecida a Santa Rita, recitada e acompanhada de três Padre-Nossos e Ave-Marias, com o Gloria Patri, pedindo que lhe favoreça o casamento almejado, é, igualmente de grande eficácia, e os pernambucanos supersticiosos recomendam-na, principalmente às mocinhas que se pretendem unir pelos laços sagrados e indissolúveis do matrimônio. Ei-la:

São Bartolomeu
Casar-me quero eu
São Ludovico
Com um moço muito rico
São Nicolau
Que ele não seja mau
São Benedito
Que seja bonito
São Vicente
Que não seja impertinente
São Sebastião
Que me leve à função
Santa Felicidade
Que me faça a vontade
São Benjamim
Que tenha paixão por mim
Santo André
Que não tome rapé
São Silvino
Que tenha muito tino
São Gabriel
Que me seja fiel
Santo Aniceto
Que ande bem quieto
São Miguel
Que perdure a lua de mel
São Bento
Que não seja ciumento
Santa Margarida
Que me traga bem vestida
Santíssima Trindade
Que me dê felicidade

Consoante verificamos, esta curiosa oração nada mais é que uma repetição da mesma ladainha a que aludimos anteriormente.

Para se curar azia ou azedume do estômago, emprega-se muito, no referido estado nordestino, a seguinte rezinha:

Santa Iria
Tem três filhas
Uma fia
Outra cose
E outra cura
O mal d’azia

Quanto à Santa Bárbara, é superstição corrente aqui no estado de São Paulo, que ela, invocada, livra incontinentemente de tempestade e raio.

Esta superstição deve ser, porém, muito vulgar, pois os nossos amigos chilenos, por sua vez, dizem:

Santa Barbara doncella
Librame de esta centella
Como libraste a Jonas
En el vientre de la ballena

Ou então:

Santa Barbara doncella
Que en el cielo fuiste estrella
Libranos de esta centella
Como libraste a Jonas
Del vientre de la ballena

(Serigi, Rolando de. “Santas na superstição do povo”. O Estado de São Paulo. São Paulo, 21 de março de 1954) Rolando de Serigi

 

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