(Conferência Nacional de Cultura)
O Brasil detém o quinto território do planeta e uma das poucas megadiversidades socioambientais do globo; possui a quinta população, cuja origem étnica a mais diversa tem longa experiência de mestiçagem cultural. Nossa economia está entre as quinze maiores e apresenta enorme potencial de desenvolvimento, embora sejamos o sexto país do mundo com a pior distribuição de renda. Um país com as complexas dimensões do Brasil, tem ao mesmo tempo enormes dificuldades a superar e grandes possibilidades de inserção emergente e protagonista em um cenário mundial em que a cultura, via globalização tecnológica, ganha contornos jamais vistos.
Vivemos num tempo em que a soberania das nações e a autonomia dos povos e de suas culturas estão diante de um impasse. O atual contexto histórico é marcado pelas novas tecnologias de informação e comunicação, e nele a cultura é “capital simbólico” cada vez mais decisivo na diplomacia, na economia e na política contemporâneas. Esse “capital” poderá ou não contribuir decisivamente para o desenvolvimento e o diálogo entre os povos, o combate à pobreza, à intolerância, à guerra, ao totalitarismo e à opressão, como ainda se vê nos dias de hoje.
É diante desse impasse e buscando novos caminhos que a UNESCO aprovou em 2005 uma Convenção Internacional sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Esta Convenção encaminha garantias aos Estados Nacionais para o estabelecimento de políticas que sustentem a continuidade de suas dinâmicas culturais, entretanto, salvaguardando-se de quaisquer ranços de xenofobia, agressão aos direitos humanos ou dirigismo cultural. A Convenção aponta que as novas tecnologias devem ampliar a circulação mundial, de bens e serviços culturais alternativos aos centros unilaterais de poder. A aprovação do texto final contou com a atuação atenta do governo do presidente Lula em todos os fóruns internacionais que a precederam, e o Ministro da Cultura Gilberto Gil marcou presença pessoal na plenária final que a aprovou.
O Brasil, diante dos princípios dessa histórica Convenção, e do crescente papel social, simbólico, político e econômico da cultura nos cenários nacional e internacional, busca novos rumos. Após longa história de política cultural marcada pela irregularidade e instabilidade, propõe-se agora a dar um salto qualitativo, alcançando nesse setor novo patamar conceitual e de gestão institucional. Uma política cultural de centralidade perante o conjunto das políticas públicas, que seja permanente, abrangente, pública, democrática, descentralizada, integrada e conectada com o mundo, será conquistada com a instituição do primeiro Plano Nacional de Cultura e de um Sistema Nacional de Cultura, com financiamento adequado.
A Nação brasileira ainda não compreende satisfatoriamente o lugar estratégico que deve ter a cultura no processo de desenvolvimento social, político e econômico do país. Nosso federalismo é ainda muito frágil e acentuado pelas desigualdades regionais, sociais e econômicas. Some-se a isso o paradoxo brasileiro de ser um país com rica e criativa diversidade cultural, mas com reduzido acesso a essa produção nacional e universal, direito que assiste a todos os cidadãos. O diagnóstico da situação das últimas décadas reflete alguns avanços na legislação, no papel e atuação do Estado e na própria visão e ação da sociedade e da comunidade política acerca da política cultural. No entanto, ainda temos muito trabalho pela frente.
O Ministério da Cultura está realizando a primeira Conferência Nacional de Cultura (foto)organizada pelo governo. Com esta iniciativa o Estado reconhece a importância da participação direta da sociedade para a formulação de políticas públicas e para a formação e consolidação de uma cultura política democrática. A Conferência é, também, um caminho aberto para destacar a transversalidade das políticas culturais, ao dar voz às entidades e movimentos que vêm se mobilizando pelo direito ao fazer cultural, à fruição e à afirmação identitária no campo da cultura e de outras políticas públicas, com ênfase no vínculo com a educação e a comunicação, em todas as regiões do país.
Após a conclusão da Conferência, e contando com seus subsídios e o apoio do Conselho Nacional de Política Cultural, o Ministério da Cultura elaborará, como determina a Constituição Federal em seu artigo 215, o projeto de lei detalhando o Plano Nacional de Cultura, a ser encaminhado ao Congresso Nacional em 2006. Este será um passo determinante na consolidação de uma política pública de cultura no Brasil, com a institucionalização legal não somente do Plano, mas também do Sistema Nacional de Cultura, instrumento operacional dessa nova concepção de gestão pública da cultura. Nesse final de 2005, o SNC já contabiliza a adesão voluntária de 20 Estados e cerca de 1000 municípios brasileiros. Estas são ações que certamente fertilizarão o terreno onde se semeiam tantas esperanças e sonhos por um Brasil que alcance um desenvolvimento de qualidade para todo o seu povo, no qual a cultura seja cada vez mais uma dimensão central de sua economia, diversidade e cidadania.
Marcio Meira