Rotas Musicais de um País

A inspiração não podia ser menos nobre. Foi a partir dos relatos de Mário de Andrade em seu diário O Turista Aprendiz, resumo da série de viagens da missão folclórica do escritor pelo Norte e Nordeste do Brasil, em 1938, que o grupo de músicos A Barca criou o projeto Turista Aprendiz, que percorreu por 50 dias, entre dezembro e fevereiro, 10 mil quilômetros de Belém do Pará a São Paulo.
A idéia dos oito músicos era estabelecer um contato permanente e trocar experiências musicais com comunidades tradicionais e populares de 22 cidades, num total de 9 Estados.

‘Pegamos do Mário a idéia de responsabilidade social do artista, além da busca da identidade cultural do Brasil’, comenta Renata Amaral, contrabaixista do grupo. O projeto saiu do papel após o ingresso no programa Petrobrás Cultural de 2004, que rendeu verba de R$ 420 mil, o suficiente para realizar a viagem. O Turista Aprendiz foi aprovado pela Lei Rouanet e agora busca a captação final de R$ 108 mil.

Esses recursos são necessários para a confecção final e acabamento do projeto, que renderá uma caixa com um libreto sobre a viagem, um DVD e três CDs – dois com gravações das comunidades e um com faixas do grupo. O trabalho de pesquisa e documentação rendeu 6 mil fotos, 120 horas de áudio e 180 horas de vídeo.

Uma equipe de 14 pessoas, além de bagagens e aparelhos, partiu de São Paulo de avião e, chegando em Belém, embarcou em um ônibus-estúdio-palco, percorrendo as comunidades de volta até a capital paulista.

‘Fazíamos o que dava: apresentações no meio da rua, em teatros, escolas, fora as oficinas’, explica Lincoln Antonio, pianista da Barca. Toda comunidade era assessorada por um coordenador local, responsável pela pré-produção.

‘Poderia ter dado muita coisa errada. Por causa da má qualidade das estradas e porque não tínhamos seguro, por exemplo. Viemos nas condições mais básicas possíveis’, lembra Renata.

Apesar disso, a viagem transcorreu sem maiores problemas. ‘Só tivemos problemas com o ônibus em Guaratinguetá, a 40 minutos de casa. Acho que ele não queria nos largar’, brinca.

RETORNO

Além da finalização da caixa, o grupo, formado em 1998, pretende levar às comunidades todo material bruto gerado. ‘Tudo que for gravado em imagem e som volta para eles. Isso é importante para a divulgação do trabalho deles’, pontua Lincoln. Da tiragem do projeto, 40% será destinado aos acervos locais.

As sonoridades trabalhadas foram as mais variadas possíveis. Carimbó, coco, reisado, rojão, baião de princesas, jongo, músicas indígenas, instrumentais, dramáticas e religiosas. Do catolicismo popular veio o congado e o canto do Divino Espírito Santo, e das vertentes afro-religiosas, o tambor de mina e o candomblé. ‘Nosso projeto serviu para estreitar a distância da rica cultura dessas comunidades’, comenta o Lincoln.

O trabalho do grupo não ficará limitado ao Turista Aprendiz. Após a captação de recursos, a finalização dos trabalhos e o lançamento do projeto, que ocorrerá no início de novembro, eles pretendem realizar novos projetos com o material da viagem, entre eles, 10 programas de rádio, 6 episódios de série e 12 clipes, a serem exibidos em parcerias com emissoras públicas como TV Cultura e TVE-Rio. Existe também um projeto de circulação dos trabalhos, com exposições, fotos e uma turnê com artistas das comunidades.

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