Rebeliões da Primeira República – História

 

Motins militares, rebeliões armadas, guerras civis e levantes populares são constantes em toda a Primeira República. Na fase de consolidação do novo regime explodem motins e levantes populares em vários pontos do país. A oposição congrega desde liberais radicais, que exigem maior democratização do Estado, até monarquistas – presentes na Revolta da Armada e na Revolução Federalista. Consolidado o regime, as rebeliões surgem das disputas entre as oligarquias regionais pelo controle do poder. Há levantes de setores populares marginalizados e fanatizados, como na Guerra dos Canudos e na do Contestado, ou, ainda, contra a violação de direitos civis e humanos, como a Revolta da Vacina. Nos anos 20, o movimento tenentista põe em cheque a própria estrutura do poder montada pelas oligarquias.

Revolta da Armada

A cúpula da Marinha rebela-se em 6 de setembro de 1893 e exige a deposição de Floriano Peixoto. A revolta é liderada pelo contra-almirante Custódio José de Melo e tem o apoio do almirante monarquista Luís Felipe Saldanha da Gama. Em 9 de fevereiro de 1894 as tropas rebeldes desembarcam em Niterói e tentam cercar a Capital. São derrotadas pelas forças legalistas. Saldanha da Gama e mais 525 revoltosos buscam asilo nos navios portugueses Mindelo e Afonso de Albuquerque, atracados na baía de Guanabara. O incidente provoca o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal, reatadas apenas em 16 de março de 1895, já no governo de Prudente de Morais.

Revolução federalista

Em 15 de dezembro de 1893, durante o governo de Floriano Peixoto, eclode uma guerra civil no Rio Grande do Sul. É provocada pelo autoritarismo e excesso de centralização do presidente do Estado, Júlio de Castilhos, um republicano histórico que tem o apoio de Floriano e governa com mão-de-ferro.

Maragatos e pica-paus – Os aliados de Castilhos são chamados de “pica-paus” ou “chimangos”, herdeiros políticos dos liberais moderados, como o senador Pinheiro Machado que, desde o Império, comanda a política no Rio Grande do Sul. A oposição, os maragatos, é formada pelos federalistas adeptos do sistema parlamentar. São liderados por Gaspar da Silveira Martins, um ex-monarquista, por Gumercindo Saraiva e pelo general João Nunes da Silva Tavares. Os revoltosos têm o apoio da Marinha, rebelada contra Floriano e o movimento tem nítido caráter antigovernista. Os enfrentamentos armados duram dois anos. Em 10 de julho de 1895, no governo de Prudente de Morais, é feito um acordo de paz: o governo central garante o poder a Júlio de Castilhos e o Congresso anistia os participantes do movimento revolucionário.

Guerra de Canudos

Em 1893, no final do governo Floriano Peixoto, surge no sertão da Bahia um movimento messiânico, na época considerado monarquista, que se transforma em uma guerra civil. É liderado por um beato, figura comum no sertão nordestino na segunda metade do século XVIII. Os beatos aparecem em torno das várias casas de caridade fundadas pelo padre José Maria Ibiapina e administradas por ordens leigas. Antônio Vicente Mendes Maciel, o beato Antônio Conselheiro, começa a formar seu grupo de adeptos na casa de caridade de Bom Conselho, no sertão de Pernambuco. Mais tarde, funda a cidade de Belo Monte, no Arraial de Canudos, palco de um dos conflitos sociais mais sangrentos da Primeira República.

Antônio Conselheiro (1830-1897) é o apelido de Antônio Vicente Mendes Maciel, beato que dirige o Arraial e a Guerra de Canudos. Nasce em Quixeramobim, Ceará, e fica conhecido em 1893, quando entra em choque com as autoridades de Bom Conselho, Pernambuco. O motivo é a autorização do governo federal para que os municípios cobrem impostos. Conselheiro faz sermões contra a República e diz que o novo regime piora as condições de vida da população pobre – daí sua fama de monarquista. Com seu grupo, arranca e queima os editais que anunciam a cobrança de impostos. Daí em diante, mantém conflitos constantes com as autoridades civis e religiosas. Proibido pela Igreja de fazer pregações e perseguido pela polícia, Antônio Conselheiro e seus seguidores internam-se no sertão. Fundam no Arraial de Canudos um misto de comunidade primitiva e acampamento militar. A fama de que o arraial é santo espalha-se, atraindo milhares de devotos. Conselheiro dirige a guerra contra as forças legalistas até sua morte, em 1897.

Arraial de Canudos – À margem do rio Vaza-barris, no sertão baiano, o Arraial de Canudos reúne quase 30 mil habitantes. Os romeiros plantam e criam rebanhos para consumo próprio e comércio com as cidades vizinhas. A comunidade prospera e começa a inquietar os grandes proprietários rurais da região e a Igreja. Para se defender, os fiéis de Antônio Conselheiro organizam-se em grupos armados. Entre novembro de 1896 e março de 1897, tropas federais fazem três investidas contra o arraial e são derrotadas. O fracasso assusta o governo e uma nova expedição é organizada em meados de 1897 com 8 mil soldados, algumas metralhadoras e dois canhões, sob o comando do general Artur Oscar Andrade Guimarães. Os combates começam em 25 de junho de 1897 e prolongam-se até 1º de outubro. As tropas do governo ocupam o povoado e matam Antônio Conselheiro. A luta continua até 5 de outubro, quando morrem os quatro últimos combatentes.

Revolta da Vacina

As políticas de saneamento e de reforma urbana promovidas no governo de Rodrigues Alves e conduzidas com violência revoltam a população pobre do Rio de Janeiro. Cortiços e casas populares são derrubados para permitir o alargamento das ruas e a construção de avenidas. A população é expulsa de suas casas e os aluguéis sobem absurdamente. A campanha de saneamento também é violenta: as casas da população pobre são invadidas e vasculhadas, os utensílios em condições precárias são inutilizados. A revolta explode em 9 de outubro de 1904, quando é aprovada a lei que torna a vacinação obrigatória. Repartições públicas são depredadas, lojas saqueadas e bondes incendiados. A população levanta barricadas em diversas ruas do Rio. A oposição procura usar a revolta para derrubar o governo: dia 13 de outubro a Escola Militar rebela-se. A reação do governo é imediata. Controla a rebelião popular e, no dia 16, forças legalistas ocupam a Escola Militar.

Osvaldo Gonçalves Cruz (1872-1917), cientista, médico e sanitarista, é o pioneiro da medicina experimental no Brasil. Em 1896 faz estágio no Instituto Pasteur, em Paris. Volta ao Brasil três anos depois e organiza o combate ao surto de peste bubônica registrado em Santos, São Paulo, e em outras cidades portuárias. Participa da fundação do Instituto Soroterápico, no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, mais tarde Instituto Osvaldo Cruz e, atualmente, um órgão da Fundação Osvaldo Cruz. Escolhido pelo governo para o cargo de diretor-geral da Saúde Pública, em 26 de março de 1903, planeja e coordena a campanha pela erradicação da febre amarela e da varíola do Rio de Janeiro. Organiza as brigadas “mata-mosquitos” e é o principal pivô da chamada Revolta da Vacina e da rebelião da Escola Militar contra a lei da vacinação obrigatória. Osvaldo Cruz reforma o código sanitário do país e remodela os órgãos de saúde. Dirige a campanha pela erradicação da febre amarela em Belém do Pará e na zona da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, divisa do Acre com a Bolívia, e na calha do rio Amazonas. Deixa a direção da Saúde Pública em 1909 e, em 26 de junho de 1913, ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 18 de agosto de 1916 assume a Prefeitura de Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e dirige um plano de reurbanização da cidade. Doente, não conclui o mandato. Morre em 1917.

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Revolta da Chibata

Em 22 de novembro de 1910, no início do governo Hermes da Fonseca, estoura a Revolta da Chibata no Rio de Janeiro. O estopim é o castigo de 250 chibatadas imposto ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes. Os couraçados São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Deodoro, ancorados na baía da Guanabara, se amotinam sob o comando do marinheiro João Cândido. O comandante do navio Minas Gerais, Batista Neves, e outros oficiais são mortos. Os revoltosos apontam os canhões dos navios para o Palácio do Catete, sede do governo, e fazem suas exigências: fim dos castigos corporais na Marinha e melhor alimentação. Ameaçado, o governo aceita as reivindicações dos marinheiros. Rui Barbosa, senador da República, apresenta no Congresso um projeto com esses pontos e mais a anistia para os revoltosos, desde que estes deponham as armas. Os marinheiros cumprem sua parte. O governo, no entanto, volta atrás e manda prender João Cândido e seus companheiros. Dois anos depois, eles são julgados e absolvidos.

Guerra do Contestado

Revolta de camponeses do planalto catarinense, a Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, chega a envolver cerca de 50 mil pessoas. A região do Contestado, rica em erva-mate e madeira, é uma área de litígio entre os Estados do Paraná e Santa Catarina. Tal como no Nordeste brasileiro, desenvolve-se ali um fanatismo religioso alimentado pelos “monges”, os beatos locais. Os conflitos começam quando duas empresas norte-americanas, a Brazil Railway, construtora de estradas de ferro, e a Southern Brazil Lumber & Colonization, exploradora de madeira, se instalam na região, trazem para o Contestado uma mão-de-obra marginal e barata e começam a expulsar os posseiros e a especular com a terra. Em 1912 o “monge” José Maria torna-se uma liderança na região. Seus seguidores são romeiros de diversas localidades, a maioria expulsa de suas terras.

Rebeldes romeiros – José Maria e seus seguidores instalam-se primeiro em Curitibanos, Santa Catarina. O monge prega o fim da República, chamando-a de “lei do diabo”. São expulsos e vão deslocando-se pelo interior de Santa Catarina e Paraná, em combates constantes com as tropas do governo. José Maria morre em 1913. Os rebeldes montam uma nova cidade santa – Santa Maria –, palco da guerra. Em setembro de 1914, sob comando do general Setembrino de Carvalho, 7 mil soldados armados com modernos equipamentos militares, inclusive aviões, marcham para a região. Santa Maria cai em 3 de março de 1915 e a resistência só é aniquilada no ano seguinte. Em outubro de 1916 os Estados envolvidos fazem um acordo, fundam na região o município de Concórdia e o Contestado é reintegrado à ordem republicana.

Conflito de Juazeiro

Padre Cícero Romão Batista, líder religioso venerado por milhares de camponeses do sertão do Cariri, é o pivô desse conflito. Aliado dos coronéis cearenses, é eleito prefeito de Juazeiro em 1911. Organiza, então, o Pacto dos Coronéis: 17 chefes políticos da região fazem uma aliança para garantir a permanência da família Acioli no poder estadual. O presidente da República, Hermes da Fonseca, reage e nomeia o coronel Franco Rabelo para dirigir o Estado. A Assembléia Legislativa cearense não aceita a indicação e elege Floro Bartolomeu, mentor político do padre Cícero, para o governo. Os dois armam os sertanejos para garantir a decisão dos deputados. Hermes da Fonseca indica o general Setembrino de Carvalho como interventor do Ceará e força a renúncia do padre. Excomungado pela Igreja no final dos anos 20, padre Cícero permanece como eminência parda da política cearense por mais de uma década e até hoje é considerado um santo pelos sertanejos.

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Movimentos tenentistas

O chamado Tenentismo nasce em 1922 entre a jovem oficialidade das Forças Armadas – capitães e tenentes – e estende-se até 1934. Tem a adesão de militares de patente superior e de civis das classes médias urbanas, insatisfeitos com um sistema que privilegia apenas as oligarquias estaduais, principalmente a do café. Propõe maior centralização do Estado, moralização dos costumes políticos e voto secreto. Os chamados tenentes não procuram incorporar as massas populares ao seu movimento. Realizam ações militares diretas, como o levante dos 18 do Forte de Copacabana, a Revolução Paulista de 1924 e a Coluna Prestes. Com a Revolução de 30, a maioria dos tenentes adere ao liberalismo político e uma minoria ingressa no Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 1934 alguns líderes incorporam-se à Ação Integralista Brasileira e outros à Aliança Nacional Libertadora (ANL).

Os 18 do Forte – Em julho de 1922, o presidente Epitácio Pessoa nomeia um civil, Pandiá Calógeras, para o Ministério da Guerra. A decisão provoca protestos dos militares. Epitácio fecha o Clube Militar e prende seu presidente. Na madrugada de 5 de julho há uma rebelião de jovens oficiais: sob o comando do capitão Euclides da Fonseca, 17 oficiais tomam o Forte de Copacabana. Enfrentam forte resistência das forças legalistas. O combate continua na rua e os oficiais dissidentes ganham o apoio de um grupo civil. A luta é desigual e termina com a morte de praticamente todos os revoltosos. Sobrevivem apenas os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes. Como resultado, é decretado estado de sítio no país, mantido durante quase todo o governo Epitácio Pessoa.

Rebelião Paulista de 1924 – Em 5 de julho de 1924, a capital paulista é tomada por militares rebeldes chefiados pelos generais Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa e pelos tenentes Joaquim e Juarez Távora e Eduardo Gomes. Os revoltosos forçam a fuga do presidente do Estado e ocupam a cidade por 22 dias. Exigem a derrubada do presidente da República Artur Bernardes, eleição de uma Assembléia Constituinte e voto secreto. Tropas federais bombardeiam São Paulo e forçam a retirada dos rebeldes. No final de julho, eles seguem em direção ao Rio Grande do Sul, para se juntar ao movimento militar que começa a ser organizado pelo líder tenentista Luís Carlos Prestes.

Coluna Prestes – Movimento militar desencadeado em outubro de 1924, no Rio Grande do Sul, liderado por Luís Carlos Prestes, do Batalhão de Engenharia de Santo Ângelo. No início são 900 rebeldes e parte deles é contida pelo governo federal. Uma Coluna consegue fugir ao cerco governista e ruma para São Paulo. Em abril de 1925 unem-se às tropas rebeldes paulistas derrotadas no ano anterior. Luís Carlos Prestes adota a idéia de uma guerra de movimento contra o governo, procurando desgastá-lo. Ocupam posições e cidades para, em seguida, abandoná-las. Mantêm, assim, a idéia de invencibilidade. Os rebeldes pregam reformas sociais e econômicas e repudiam qualquer acordo com as oligarquias.

A rota da Coluna – A Coluna Prestes reúne cerca de 1.500 homens, dura 29 meses e percorre mais de 25 mil km. Sai do Rio Grande do Sul, vai para São Paulo, entra no Paraguai e volta ao país. Atravessa Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Em fevereiro de 1927, com metade de seus componentes dizimados pela cólera e sem condições materiais de continuar, embrenha-se pela Bolívia e Paraguai. Mais tarde, Prestes aproxima-se do marxismo e transforma-se no principal líder comunista do país.

Luís Carlos Prestes (1898-1990) nasce em Porto Alegre e cursa a Escola Militar do Rio de Janeiro. Como tenente-engenheiro na Companhia Ferroviária de Deodoro é transferido para o Rio Grande do Sul, onde começa a participar de movimentos políticos tenentistas. Em 1924 dá baixa do Exército, já como capitão, e transforma-se num dos principais líderes do movimento tenentista. Em 1924 subleva o Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, interior do Rio Grande do Sul. Dirige-se à Foz do Iguaçu ao encontro dos revolucionários paulistas comandados por Miguel Costa – fato que dá início à Coluna Prestes. A prolongada marcha da Coluna pelo interior do país assume caráter lendário, e Prestes ganha o apelido de Cavaleiro da Esperança. No final de 1926 exila-se na Bolívia e aproxima-se do marxismo. Em 1931 vai para a União Soviética e retorna três anos depois para assumir a liderança da Aliança Nacional Libertadora. Em 1935, com a Intentona Comunista, Prestes é preso junto com sua mulher, a alemã Olga Benário, em adiantado estado de gravidez. Olga é entregue pelo chefe da polícia de Getúlio Vargas, Filinto Müller, ao governo nazista. A filha do casal, Anita Leocádia, nasce no mesmo campo de concentração onde Olga Benário é assassinada. Prestes sai da prisão com a anistia decretada em 1945, assume a direção do Partido Comunistae faz uma aliança com Getúlio. Elege-se senador pelo Distrito Federal, é cassado e entra para a clandestinidade em 1947, quando o governo Dutra decreta a ilegalidade do PCB. Em 1957 volta a circular com liberdade. Em 1964 é pego de surpresa pelo golpe militar. Foge apressadamente e deixa inúmeros documentos, usados mais tarde pelo governo militar para prender muitos militantes comunistas. Seus direitos políticos são cassados por dez anos. Em 1978, por divergências internas, é afastado da secretaria-geral do PCB e, depois, do próprio partido. Anistiado em 1979, retorna à vida pública em 1980 e participa da Campanha das Diretas-Já, em 1984.

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Referências bibliográficas

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  • RIBEIRO, João. História do Brasil. 19.ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1966.
  • PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Brasil contemporâneo
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