A nova lei orçamentária, aprovada pelo Congresso Nacional há uma semana, prevê um orçamento em torno de R$ 720 milhões para o Ministério da Cultura em 2006. É o maior da história, embora represente cerca de apenas 0,5% do total de receitas da União. No ano passado, o incentivo fiscal utilizado pela cultura foi de R$ 670 milhões, também um recorde histórico.
Com as mudanças na Lei Rouanet, o Ministério persegue hoje uma meta ainda mais ambiciosa do que aquela que o ministro Gilberto Gil estabeleceu quando assumiu, a de ter 1% do orçamento para a cultura – agora, baseado em estudos e projeções, o MinC pede R$ 3,2 bilhões, ou 2% do orçamento, buscando precaver-se do inevitável contingenciamento que o atinge todo ano. Juca Ferreira, secretário-executivo do Ministério, falou ao Estado sobre a nova frente de debate que se cria com a reforma da legislação.
O investimento das estatais sempre foi o grosso dos investimentos da Lei Rouanet. Essa triangulação de recursos precisa ser feita? Não se pode pegar o dinheiro todo e investir diretamente em projetos?
Não é possível. A Petrobrás, por exemplo, não sei se já lhe chamou a atenção, é Petrobrás S/A. Há acionistas da Petrobrás, inclusive, que são cidadãos americanos. E esses acionistas têm direito de exigir que os critérios de investimento da Petrobrás sejam institucionais, da própria instituição. Não é tão fácil assim. Exige uma negociação. Nós avançamos muito. Hoje, as estatais estão utilizando os mecanismos de política pública como principal critério de aplicação do dinheiro. Até para afirmação da empresa, já que é reveladora de uma responsabilidade social. Não há contradição entre o interesse empresarial e o interesse público, mas os dois têm de estar presentes no mecanismo da Lei Rouanet. É da natureza do mecanismo, mesmo com as estatais. Mas a gente reconhece que temos uma avenida para avançar em dois níveis: com as empresas privadas e com o contribuinte individual. Ainda é muito baixo no Brasil. A lei permite que o contribuinte canalize uma parte do seu imposto para o fomento cultural, mas por uma série de fatores ele não faz. Queremos estimular que as pessoas direcionem parte do seu imposto para o fomento à cultura. Também a iniciativa privada. Das 200 mil empresas que poderiam contribuir, apenas 2 mil contribuem, apenas 1% do total.
Você acha que é por desconhecimento das vantagens?
Há um mito aí, que circula em algumas empresas, de que isso implicaria em uma maior fiscalização da Receita sobre suas contabilidades. Mas eu acho que é basicamente falta de maturidade nessa área da responsabilidade social, da área empresarial.
E quantas pessoas físicas usam a lei no Brasil?
Pouquíssimo. Pouco mais de 3 mil pessoas no País todo, por ano. Nos Estados Unidos, a maior contribuição é a individual, para manutenção das universidades e uma série de outras atividades culturais. Na Europa também. Nós não temos essa tradição, nem da empresa privada nem do contribuinte individual.
Para a turnê do Cirque du Soleil, duas instituições financeiras, Bradesco e Visa, utilizaram R$ 8 milhões da lei de incentivo. Os ingressos custam R$ 240, ou seja, a turnê vai atingir apenas gente com um determinado poder aquisitivo. E sequer foi tornado público que o dinheiro da turnê é público, de renúncia fiscal. Como o decreto muda essa situação?
Nós estamos avançando. O decreto em dia inclui um critério importante que é a acessibilidade. Não se justifica investir dinheiro público se aquilo não gerar um incremento de acessibilidade.
Mas isso é quase uma declaração de princípios, não é uma mudança.
Se você não tem o princípio, você não cria mecanismos concretos. Todo projeto, a partir do decreto, deve apresentar o plano de acessibilidade, ou seja, como transformar aquilo numa aplicação de acessibilidade. De como o dinheiro público repercutirá no sentido de atingir segmentos que não seriam atingidos. Não se pode ter critério abstrato para definir isso. Varia de manifestação para manifestação, mas vai fazer parte de um sistema de pontuação que cada projeto terá aqui no Ministério.
O projeto da Ancinav, que o MinC defendeu, foi acusado de dirigismo cultural. Essa nova lei rá com algo que dê margem a essa acusação?
Olha, esse decreto é fruto de uma discussão exaustiva que eu acho até que ultrapassou o limite. As resistências que haviam à mudança hoje são muito pequenas. Tem uma crítica, ao contrário, pela esquerda, achando que a mudança é tímida, que poderia ser mais radical. Mas eu acho inquestionável que a mudança é no sentido da democratização, da abertura, da acessibilidade, de critérios objetivos. O fomento deixa de ser fruto do livre arbítrio e passa a ter critérios previamente definidos.