A recente polêmica sobre a Lei de Incentivo ao Esporte mostra que o debate sobre o modelo de financiamento de gestão do Estado e as políticas públicas de sua competência revela contradições mesmo entre os que supostamente tenderiam a expressar posição mais progressista. O modelo neoliberal do Estado mínimo ainda não foi vencido enquanto ideologia mesmo dentro das estruturas governamentais.
A partir desses itens, temos como pensar as políticas culturais como elementos de desenvolvimento cultural e econômico e o direito ao acesso aos bens culturais como garantia das necessidades básicas da população na construção da cidadania, assumindo papel estratégico na defesa da diversidade e das identidades culturais locais ante a globalização.
Como afirma o sociólogo mexicano Néstor García Canclini: “Talvez uma tarefa-chave das novas políticas culturais seja, tal como tentam certas performances artísticas, reunir de outras maneiras afetos, saberes e práticas. Reencontrar ou construir signos que representem, de modo crível, identidades de sujeitos que, ao mesmo tempo, querem, sabem e agem: sujeitos que respondam por ações, e não personagens que representem marcas de entidade enigmática. Esse é um núcleo dramático do presente debate cultural, ou seja, do sentido com que as opções de desenvolvimento social vêm se reelaborando”. Esse parece um bom ponto de partida para pensar as políticas de financiamento e sustentabilidade das políticas sociais e, em especial, as políticas culturais.
As áreas sociais disputam migalhas, pois, além da cultura e do esporte, educação, meio ambiente, assistência social e ciência e tecnologia também cogitam criar suas leis de incentivo.
Procura-se dividir entre aqueles que disputam as migalhas para poder manter os baixos orçamentos. O fato real é que as ações das áreas sociais não são encaradas como investimentos, mas como gastos, o que reforça essa perspectiva de desvio. Desvio da discussão sobre o conceito do Estado mínimo que está por trás da disputa por recursos de renúncia fiscal.
Ao final, o aspecto que prevalece é o do financiamento de projetos que têm viabilidade comercial, aqueles que, mesmo sem incentivos fiscais, são realizados. Os governos, ao priorizarem esses setores, deveriam prover um orçamento compatível com as ações impostas pela gestão das políticas públicas. É óbvio que não podemos prescindir do “financiamento privado”, que tem nas empresas “estatais” as principais incentivadoras, o que já determina uma tendência viciosa nesses financiamentos.
As empresas privadas investem proporcionalmente pouco nessas áreas em relação às “estatais”, e a sua contribuição deveria ir onde o Estado não conseguiu chegar, como verba complementar. A Receita Federal não incentiva a criação de uma cultura de investimento por pessoa física e, ao mesmo tempo, não direciona a arrecadação das lotéricas para compor o orçamento do esporte e o da cultura.
A busca do ministro Gilberto Gil por um orçamento de 1% do PIB para a Cultura, como sugere a Unesco aos países, e a proposta de emenda constitucional 150/2003, que tramita no Congresso para uma verba de 2%, mostram que a lógica deve mudar.
É nesse cenário que as políticas públicas sociais devem receber o devido peso, ser inseridas dentro de um direito social básico e, ao mesmo tempo, transformadas em um importante vetor do desenvolvimento econômico e de inclusão social. Política social é, portanto, área estratégica para o desenvolvimento do país.
O superávit cultural e social é o verdadeiro superávit de que o país necessita para o seu desenvolvimento, decorrente de políticas positivas para as áreas de educação, ciência e tecnologia, saúde, cultura, assistência social, meio ambiente e esporte.
Esses fatores são agentes indiscutíveis de superávit social e, conseqüentemente, de superávit fiscal no futuro. O processo precisa ser invertido rapidamente: educação, ciência e tecnologia, saúde, cultura, assistência social, meio ambiente e esporte geram recursos para o país se desenvolver com distribuição de renda.
A agenda dos setores progressistas do Brasil destaca a inclusão social, o trabalho com a diversidade e a luta contra a desigualdade. A geografia política torna-se cada vez mais clara quando tocamos nas políticas sociais.
Esse me parece ser o parâmetro de análise para redefinirmos uma visão progressista da relação Estado e sociedade. Essa nova cultura política pressupõe também uma visão abrangente da ação do Estado. Esse é o incentivo social que queremos.
*José do Nascimento Junior é antropólogo, mestre em antropologia da política e diretor de Museus e Centros Culturais do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
http://www.pt.org.br/site/secretarias_def/secretarias_int.asp?cod=6747&cod_sis=26&cat=66
José do Nascimento Junior* para a Folha de S.Paulo – 19/02/2