PRESÉPIOS

 

 

 

 

 

Tanto na cidade como na roça é hábito montar o presépio, onde procuram reproduzir com animais, figuras, casinhas, pequenas conchas, arvorezinhas, grama, etc… a cena bucólica da manjedoura de Belém. “Quem armar um ano terá que armá-lo sete anos seguidos, senão acontecerá uma desgraça“. “O marido armará primeiramente sete anos, depois a mulher poderá armar por sete anos“; é pois a crendice popular que contribui em parte, para perpetuar esse costume, certamente em vias de desaparecimento. É a transição da cultura rural.

Em Cunha há dois tipos distintos de presépio. Há o tradicional, que os cunhenses chamam de presépio armado à nossa velha maneira, e há outra que chamam presépios dos mineiros (é sabido que em Cunha há um grande número de filhos do estado de Minas Gerais).

A moda mineira é a seguinte: sobre a mesa colocam uma toalha branca rendada, e arrumam ali as figuras. Uma pequena casa de madeira, coberta de sapé, imitanto uma manjedoura, é a peça maior. Na manjedoura, o Deus Menino deitado no berço de palha; ao derredor deste, Maria e José. Esparramam sobre a toalha alvinitente os animaizinhos. Há espelhos à guisa de lagoa, onde nadam patos de celulóide. Há um pires com níqueis e velhos castiçais ou lamparinas.

A “nossa velha maneira” como dizem os cunhenses é a seguinte: sobre uma mesa ou estrado, colocam blocos de terra com capim. Fazem uma arcada com quatro ramos de bambu, formando um zimbório de vegetal. Colocam pedras, fazendo uma pequena gruta, uma pequena choupana de madeira representando a manjedoura. A barba-de-pau, parasita ranunculácea, é usada em profusão. Não aparecem os pés da mesa, pois são escondidos com plantas, parasitas, formando um tufo vegetal. Do pequeno comôdo, onde fizeram a gruta e manjedoura, descem caminhos sinuosos feitos de areia colhida no rio. As vinte e uma esculturas compradas dos santeiros são colocadas cuidadosamente. Todas tem um lugar certo.

A manjedoura, que é uma casinha de quatro esteios, coberta de sapé, fica no centro. Dentro dela colocam um pequeno leito, o cocho dos animais, onde está deitado o Deus Menino. Ao seu redor, Maria e José, em posição de adoração. Com a cabeça sobre a grade que cerca a manjedoura, uma vaca e uma jumenta, como que bafejando o recém-nascido. Pouco mais além, um gambá. Atrás dos pais e do Deus Menino, o anjo da guarda. Em pé sobre o teto da manjedoura, um galo. Pendente sobre a cumeeira da manjedoura, um anjo, o Anjo Glória, que traz uma faixa na mão onde se lê: “Gloria in excelsis Deo“. Muitos não trazem nada escrito. Bem alta, uma estrela prateada, de lata, ou de cartão, pintada de purpurina argetea.

Na relva, nas proximidades da manjedoura, há um carneiro branco com fita vermelha cruzada nas costas; “a fita vermelha mostra que ele é criação de São João Batista“. As vezes há mais ovelhas espalhadas. Na porta da gruta há um caçador com uma espingarda na mão e um cachorro aos seus pés.

Mais afastado estão dois animais que foram amaldiçoados: o burro e o cabrito. Há três pastores; dois deles estão tocando instrumentos, pífano e saltério, e o terceiro traz nos ombros um carneirinho. Há uma camponesa com uma braçada de flores e frutos, nas imediações do estábulo.

Com areias alvadias representaram os caminhos coleantes. Os três reis magos estão no centro do caminho, em demanda da manjedoura. Nos primeiros dias os reis estão distantes; o rei branco está na frente seguindo o rei caboclo e por último o rei congo. Estão todos a cavalo.

Diariamente os donos do presépio mudam os reis fazendo-os aproximar-se da manjedoura. No dia 6 de janeiro são retirados os reis de cima de suas alimárias e colocados ajoelhados diante do Deus Menino.

Estando bem perto o rei congo, depois o rei caboclo e por último, o rei branco. Depois do dia de reis, repõem os reis nos seus animais, retirando-se por outro caminho, de volta para seus reinos. Também a partir desta data retiram o pequeno berço onde o Deus Menino está deitado, colocando uma imagem de um menino que tem na mão direita uma esfera azul que representa o mundo. “Ele é o rei do mundo“.

Há um pequena vasilha, pires ou latinha, onde queimam, ao entardecer, incenso puro ou misturado com pó de café.

Nunca se esquecem de colocar uma lamparina, candeia, copo lavrado ou castiçal com vela, que acendem após o pôr-do-sol permanecendo acesa a noite toda. “O presépio tem que pousar iluminado, porque quando nasce uma criança é preciso ter uma luz acesa na casa até ser batizada“. “O Deus Menino também requer uma luz; ele é pagão, não pode dormir no escuro, pois a bruxa pode vir e chupar o sangue, como acontece às crianças não batizadas quando dormem no escuro“. “Não deve ficar no escuro porque ele é a luz do mundo“, dizem outros.

Logo que escurece, uma candeia é acesa. Durante todo o tempo em que estiver armado, o presépio permanecerá iluminado pela luz bruxuleante de um pavio.

Pela luz da lamparina, que passa através das frinchas das janelas e portas, é fácil localizar, na escuridão da noite, as casas onde há presépio. No dia desarmar um presépio, as pessoas vizinhas, que por quaisquer motivos não puderam armá-lo em sua casa, vem com seus oratórios para assistir a cerimônia que é bastante simples, reza e distribuição de café. O capelão do bairro dirige a reza. Retiram as figuras; umas são guardadas no oratório, outras em caixas. A areia voltará para o rio. A terra e todas as plantas agora murchas, são atiradas na corrente do rio, ou queimadas… talvez reminiscência do culto do fogo. “Não presta pisar em cima do que serviu no oratório, por isso vai pro rio, pois a água é sempre abençoada“. “Se fizerem fogueira de São João, poderão guardar os restos vegetais do presépio para queimarem naquele dia“. “Havendo trovoada ou chuva forte, nos dias em que estiver armado o presépio, é bom tirar um ramo dele é queimar no fogo da cozinha, que se amainarão“.

A data certa para desarmar o presépio é a 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora de Candeias, também chamado o dia da Purificação. É o prazo último para desarmar os presépios. A partir desse dia, no seu lugar, costumam colocar a Fuga para o Egito, em figura ou escultura de madeira ou barro, aí permanecendo até as vésperas do Entrudo. Usa-se colocar apenas uma vela acesa.

Caso o presépio tenha sido desarmado antes do dia do Nossa Senhora de Candeias, nele colocam uma lapinha para que ela não amaldiçoe a casa.

É no dia de Nossa Senhora das Candeias que o padre benze as velas. Servem para ser acesas nos dias de trovoadas ou chuva brava. São colocadas também nas mãos dos moribundos que, morrendo com uma vela na mão, alumiam o caminho da morte…

… Grande é o respeito que têm ao presépio. Pela manhã ou à tardinha quando voltam do trabalho, os roceiros descobrem-se e ficam olhando reverentemente, pela janela, o presépio, recitando suas orações.

Quando chegam a uma casa onde há presépio, beijam-no ao entrar e rezam; quando se retiram, fazem o mesmo.

À noite, um por um da família, antes de ir se deitar, vem beijar o presépio e faz o sinal da cruz. O mesmo acontece com as visitas que, ao se retirarem, despedem-se primeiramente do presépio, depois do dono da casa.

(ARAÚJO, Alceu Mayanard, v. 1)

 

Nota:

No interior paulista, o presépio característico, ao qual se pode chamar de presépio caipira, além da manjedoura, tem vinte e uma figuras:

– Deus Menino
– José e Maria
– Anjo Glória (com a faixa de inscrição)
– Anjo da Guarda
– Gaspar, Melchior, Baltazar (os três reis magos)
– Pastor (com a ovelha nos ombros)
– Músico (pastor tocando pífano)
– Outro músico (pastor tocando saltério ou sanfona)
– Camponesa (com flores e frutos na cesta)
– Caçador (com o cão ao seu lado)
– O profeta Simeão (apoiado no bastão)
– Galo do céu
– Carneirinho de São João
– Vaca
– Jumenta
– Gambá
– Cabrita
– Mula

Às vezes aparecem figuras compostas de dois elementos: o pastor e a ovelha, o caçador e o cão, porém o piraquara a considera uma figura apenas.

 

Fonte: Jangada Brasil.

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