O sonho está novamente ameaçado: depois de apenas seis meses de retomada, o Projeto Pixinguinha, que leva a música brasileira aos quatro cantos do Brasil e esteve parado de 1997 a 2004, só está garantido até o fim de junho. As duas caravanas que percorreriam cidades como Belo Horizonte, Vitória, Aracaju e Fortaleza na primeira quinzena de julho foram suspensas, pelo motivo habitual: a verba do Ministério da Cultura (MinC) não foi depositada. Com isso, artistas como as cantoras Leila Maria e Cida Moreira e o grupo Tira Poeira perdem a chance de se apresentar em oito cidades onde não costumam ir, com entrada franca, além de jogar pela janela os 15 dias em que haviam se comprometido com o projeto, uma empreitada da Funarte. — Perdi vários trabalhos importantes, como a chance de produzir o disco do cantor Pedro Miranda — diz o violonista e arranjador Luiz Filipe de Lima, contratado para dirigir a caravana 2 do mês de julho, que tinha Cida Moreira, Henrique Cazes e Sérgio Souto. — É um pesadelo. A cantora Ana de Hollanda, diretora da Funarte e responsável pelo projeto, conta que esperou até a última hora pela chegada do dinheiro. — Todas as caravanas de 2005, de abril a junho, foram financiadas pela Petrobras — conta ela. — Eles depositaram cerca de R$ 2,4 milhões. Mas esse dinheiro acabou, a próxima parcela vem no fim de julho e o Ministério da Cultura não depositou um centavo. Vou tentar manter todas as que estão programadas até novembro e repor de alguma forma essas duas. Ao todo, o Projeto Pixinguinha está orçado em R$ 8 milhões, divididos entre o MinC e a Petrobras. O ministério ainda contribui com trabalho e logística, a as secretarias de Cultura das cidades visitadas são parceiras. — Desde a primeira vez em que o dinheiro do governo não entrou, comecei a batalhar, conversando com pessoas de todas os escalões do ministério, como o ministro Gilberto Gil, e até de fora dele — conta Ana. — Todos me diziam que não me preocupasse, que o depósito seria feito. É muito triste, porque o projeto é lindo, é um grande sucesso. Eventualmente ele passa por cidades carentes de shows, como Cajazeiras, no interior da Paraíba, e a cidade inteira pára. De que outra maneira a pernambucana Lia de Itamaracá, que canta ciranda, poderia chegar ao Sul do Brasil? Na noite de anteontem, Ana era uma das mais emocionadas após o show de Lia na sala Funarte Sidney Miller, que encerrava uma das caravanas de junho ao lado do baiano Roberto Mendes e do pernambucano Antúlio Madureira. Artistas e profissionais envolvidos na produção do show abraçavam-se como se fosse o último show de 2005. Ninguém confirma, mas um boato no Ministério da Cultura diz que a verba do Projeto Pixinguinha está sendo usada na caravana de artistas brasileiros que vão à França. Segundo o secretário executivo do ministério, Juca Ferreira, todas as atividades da Cultura estão prestes a ser paralisadas. — Nosso orçamento foi contingenciado em 57% — diz. — Estamos negociando com os ministérios da área econômica, esperando uma resposta a qualquer momento. Com RS$ 213 milhões no lugar dos R$ 503 milhões inicialmente aprovados, só conseguimos pagar as despesas fixas e ações como o ano do Brasil na França, para impedir que paguemos um mico histórico. Do jeito que está, a existência do ministério não se justifica. Já empenhamos 92% do orçamento de 2005. O que está acontecendo com o Pixinguinha vai estender-se a tudo o que fazemos. Ana de Hollanda tem uma reunião marcada para hoje na Petrobras, onde vai tentar conseguir um adiantamento do patrocínio da empresa. A cantora Leila Maria é mais uma a lamentar o adiamento: — É lamentável que, justamente quando temos à frente do Minc um compositor do quilate de Gilberto Gil, nós, que estamos construindo nossas carreiras, tenhamos que passar por isto — disse ela. Segundo seu empresário, Edinho Gomes, Leila cancelou diversos compromissos, como shows em Santa Catarina e uma série de apresentações no Teatro Rival, por causa do Projeto Pixinguinha. — Ainda nos pediram dois dias a mais, para ensaiar e participar de um ensaio aberto na Rádio Nacional — lembra Gomes. — Estava tudo assinado, e agora temos que arcar com o prejuízo. Luiz Filipe de Lima prevê mais dificuldades mesmo que as caravanas sejam repostas. — Todos os envolvidos abriram espaços em suas agendas para participar — lembra ele. — Quando é que vão conseguir 15 dias da vida de todo mundo novamente? Eu não sei o que estarei fazendo em dezembro, por exemplo. E não posso recusar trabalho pensando em um projeto que pode não acontecer. Ele não se esquece, no entanto, de isentar a Funarte. — Sabemos o quanto a Ana de Hollanda e os funcionários de lá são sérios e empenhados no projeto — diz ele. — Vamos ver o que conseguimos negociar. O retorno do Pixinguinha foi anunciado com estardalhaço pelo ministro Gil em maio de 2004. Após acertar a parceria com a Petrobras, o Ministério da Cultura programou, antes de mais nada, os shows dos artistas que tinham ficado na mão na época em que o projeto foi cancelado, em 1997, como Jards Macalé e Ná Ozetti. Espera-se que Leila Maria, Cida Moreira e o Tira Poeira não tenham que esperar tanto.
Jornal O Globo Bernardo Araujo