Os Dois lados do Disco.

Chico Buarque é o mais novo reforço do time dos independentes, juntando-se a nomes como Maria Bethânia, Gal Costa, Djavan, Milton Nascimento e Paulinho da Viola. A notícia de que o cantor lançará um disco pela gravadora Biscoito Fino, veiculada na última sexta-feira, reforça a tendência crescente entre os artistas de evitar as companhias multinacionais, enfraquecidas pela crise da indústria fonográfica. Com inscrições iniciadas anteontem, a premiação do festival Oi Tem Peixe na Rede aquece a discussão sobre a melhor maneira de um iniciante construir sua carreira. Idealizado por Bruno Levinson – organizador do bem-sucedido festival de novos talentos Humaitá Pra Peixe -, o evento permitirá ao vencedor a gravação de um disco pela major Sony-BMG. Mas ainda vale a pena o sonho de ingressar numa multinacional? Executivos do mercado, produtores e novos artistas divergem sobre o tema.

– Acho recalque alguém dizer que não quer entrar numa gravadora, que poderá financiar a gravação do CD e distribuí-lo no Brasil inteiro
– diz Levinson, indicando que as eliminatórias do Oi Tem Peixe na Rede serão realizadas no site www.oi.com.br.

– Não acredito que exista um iniciante que prefira permanecer no circuito independente. Mas é claro que o artista não pode delegar seu sonho para uma empresa: ele tem que trabalhar – acrescenta, enfático.

Produtor de nomes como Rappa, Otto e da banda iniciante Zeferina Bomba, Carlos Eduardo Miranda coordena o site www.tramavirtual.com.br, iniciativa pioneira no país que coloca no ar gratuitamente mais de 37 mil composições cadastradas de artistas independentes. Ainda que elogie a competência da comissão julgadora do Oi Tem Peixe na Rede – composta, entre outros, por Dado Villa-Lobos, o produtor Mauricio Valladares e pelo próprio Levinson -, Miranda lamenta a premiação.

– Uma banda que se preza não sonha em entrar numa multinacional, porque isso é quase um castigo: o cara é triturado por uma máquina e vítima de estratégias de marketing. Portanto, esse festival não deve atrair artistas autênticos. O prêmio é ruim. Valeria mais ajudar o mercado independente do que funcionar como um filtro para uma gravadora.

Quando Miranda fala em castigo, refere-se, provavelmente, a dezenas de novatos que tiveram de adaptar sua sonoridade à exigida pelas majors, tendo de aceitar, por exemplo, a participação de um produtor mais ‘antenado’ com o mercado. Quando não apresentam resultados, esses músicos em início de carreira costumam ir para a geladeira. Além disso, seus discos podem sumir das prateleiras, já que as gravadoras é que são donas do fonograma.

Luis Carlinhos é ex-vocalista da banda Dread Lion, cujo disco de estréia foi lançado pela Sony Music nos anos 90, quando ainda se apostava em vendas mirabolantes. As estimativas não foram cumpridas e o grupo deixou a companhia, como aconteceu com bandas como Devotos, Coração Tribal, Lampirônicos, Squaws e Relespública em diversas gravadoras. Luis tenta explicar o fenômeno:

– Percebi muitas deficiências: o marketing pensa que todos devem vender milhares de cópias, e o público alvo da nossa banda não foi estudado. Por conta dessa visão imediatista, vi discos gravados que sequer foram lançados.

Diretor artístico há 12 anos da Universal Music, Max Pierre reclama que quando um disco não dá certo as pessoas sempre responsabilizam a companhia:

– Quase sempre a culpa de um projeto mal-sucedido recai sobre os ombros da gravadora, e isso não é justo. Até porque o maior prejuízo fica somente do lado de cá. Temos alguns exemplos de artistas novos que, saídos de selos pequenos, tiveram suas carreiras alavancadas, como Babado Novo, Rapazolla, Jeito Moleque, Marjorie Estiano e Helião & Negra Li.

Alexandre Schiavo, presidente da Sony-BMG, está feliz da vida com o Tem Peixe na Rede. Para ele, o ‘o grande atrativo do projeto é que novos talentos serão descobertos’. Ele considera positivo o crescimento do setor independente, já que as majors não podem mais impulsionar sozinhas a indústria musical, devido aos altos custos de produção e promoção:

– Existem vários selos independentes executando ótimos projetos. E a gravadora não deve ser vista como o único meio de trabalho para um iniciante. Procuramos dividir com nossos artistas os riscos, o sucesso e até mesmo o fracasso, e aprender com eles. As companhias serão mais leves e eficientes se entenderem que não precisam carregar todo o mercado de música.

Atraídos pelo crescimento de gravadoras independentes como Deck Disc, Trama, Indie Records e Biscoito Fino, medalhões e iniciantes estão cada vez mais distantes das majors, Universal Music, EMI, Warner Music e Sony-BMG (recentemente fundidas). Há também dezenas de selos pequenos espalhados pelo país, como Monstro Discos, T-Rec, Astronauta, Tamborete, Midsummer Madness, Nikita, London Burning, Rob Digital, Fina Flor, Lua Discos, Kuarup, MCD, Azul Music, Albatroz, Candeeiro, Sum Records…

Para Paulo André, organizador do festival Abril Pro Rock e empresário da Nação Zumbi, há vantagens técnicas na permanência em um mercado independente:

– Em termos de promoção, o que uma major faz, uma banda articulada também consegue. Além disso, as majors são donas do fonograma para o resto da vida, tanto que gente como Gal Costa e Djavan está saindo desse esquema. No caso de um artista com potencial internacional, ele pode ser lançado no exterior por um selo que não tem o seu perfil. Certa vez David Byrne quis lançar um CD da Nação Zumbi nos Estados Unidos, mas a Sony não permitiu e o disco saiu num selo para latinos.

Prego, baterista do grupo gaúcho Pata de Elefante (cujo trabalho de estréia foi lançado pela Monstro), conta sua opção:

– A gente não despreza nenhuma major, mas elas estão quebrando. Podemos descobrir nosso próprio nicho e público alvo.

Com atuação significativa no circuito independente carioca, Bruno Levinson se justifica por incentivar, por meio de seu novo festival, que a multinacional permaneça sendo o maior sonho de consumo dos jovens:

– Nunca ensinei ninguém a ficar para sempre no mercado independente. Quero que as pessoas desenvolvam suas carreiras, não importa aonde. As gravadoras já conseguiram lançar muitos artistas que estão aí até hoje. Elas não são a única opção dos artistas, mas continuam a ser um dos caminhos.

 

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