O Pau-brasil

 

O pau-brasilNão consta que outra árvore tenha tido a honra que coube ao pau-brasil, qual seja, a de dar seu nome a um dos maiores países do mundo.

A palavra brasil, para João Ribeiro (Colmeia. São Paulo, 1923, p.234-239), foi o primeiro galicismo que perpetramos e esse já na pia batismal.

Diz o notável gramático e filólogo que o vocábulo era conhecido na Idade Média e designvada certa madeira de tintura de cor rubra.

Por intermédio dos italianos, que faziam o comércio do Oriente, chegou o nome verzi, berzi, verzinho, ou bercino a dar o braissil, braisill ou brésil dos franceses.

Marco Polo usa a expressão birço ou byrço para designar a madeira e a cor.

Traz Bernardino José de Souza no seu livro O pau-brasil na história nacional, um excerto de A. C. Teixeira de Aragão, da Academia Real das Ciências de Lisboa, que passo a transcrever:

“O conhecimento do pau-brasil parece remontar ao século IX pelos itinerários dos árabes El-Hacem e Abuzie, publicados por Renandot nas Antigas relações com as Índias e onde se designa com o nome persa Bakham que êle traduziu em latim Bresilium. O pau-brasil é muito parecido nas qualidades com uma planta de Samatra, donde se extrai também tinta da mesma cor. Tanto esta droga como o pau-brasil eram importados para a Europa pelos árabes, vindos do Oriente pelo mar Vermelho, e por terra atravessando o Egito. O pau-brasil tinha grande consumo, servindo principalmente para tingir de encarnado as lãs, algodões, sedas. Diz Muratori que nas alfândegas de Ferrara, 1139, e nas de Módena, em 1316, aparecem notícias da droga para tingir os tecidos de encarnado, chamada na Itália Brezil, Brecilis, Bracire, Brasilly, Brazilis e Brazili… O pau-brasil começou a ser importado em Espanha nos anos de 1221 a 1243…”

Bernardino José de Souza transcreve, a seguir, as palavras do sábio conde Ficalho, que vêm no precioso livro de Garcia Orta, Colóquios dos simples e drogas da Índia:

“O brazil, de que Orta fala apenas de passagem, merece no entanto uma nota especial. Era a madeira de uma árvore da família das Leguminosas, Caesalpina Sappan, Linn., madeira empregada na tinturaria, e conhecida no comércio europeu, desde os antigos tempos da Idade Média, pelos nomes de brazil, brézil, em italiano verzino, os quais julgaram derivados de brasa ou braise pela cor vermelha da madeira.

É bem sabido, como uma madeira ou diversas madeiras, semilhantes a esta, tendo os mesmos usos, e procedendo de várias espécies do mesmo gênero Caesalpina, se encontraram nas terras da América, visitadas pelos portugueses logo no começo do século XVI. E é também conhecida a frase, em que Barros lamenta que o nome Santa Cruz — primitivamente Vera Cruz — se mudasse por influência do diabo no de um ‘pau que tinge panos’. Deixaremos porém, esta frase e as reflexões que poderia suscitar o nome Brasil, dado às terras de Santa Cruz, Começando a vir o pau-brasil em maior quantidacle da América, passou o nome especialmente para a mercadoria nova; e o antigo brazil da Índia e outras partes da Ásia voltou a ser geralmente designado pelo nome asiático de sappan, ou sapang no arquipélago Malaio, o qual parece prender-se ao sânscrito patanga, ou ao máláyalam shappan, que significa vermelho.

“O brazil asiático havia sido conhecido dos portugueses e designado por este nome antes do descobrimento da América; e no Roteiro da viagem de Vasco da Gama se lê que em Tenacar — provavelmente Tenasserin — se encontrava ‘muito brasyll, o qual faz muito fino vermelho’. Depois de a mercadoria da Ásia ser geralmente suplantada no comércio pela de procedência americana, ainda continuou no entanto, aquela a ser conhecida por algum tempo. O brazil de que fala Orta, é provavelmente o asiático, confundido ocasionalmente pelo seu amigo mercador com o sândalo vermelho. E do Lyvro dos pesos se vê também, como, no meado do XVI século, o brazil era uma mercadoria bem conhecida, tanto em Hormuz como em Malaca…”

Camões (Lusíadas, X, 140) alude à preciosa madeira:

“Mas cá onde mais se alarga ali tereis
Parte tambem co’o pau vermelho nota,
De Santa Cruz o nome lhe poreis…”

Igualmente aparece o nome de nossa pátria num dos Autos de Gil Vicente:

“Com ilhas mil
Deixae a terra do Brasil.
(Auto da fama)

Vários nomes davam os indígenas ao pau-brasil: Ibirapitanga, corruptela de ybirá (pau, árvore, madeira) e pitanga (vermelho). Ibirapiranga, ibirapitã e ipirapuitã.

Araboutan é o nome que aparece nos livros franceses dos séculos XVI e XVII como designação dada pelos índios ao pau-brasil.

Consta que os selvagens tingiam as penas de seus enfeites com a tintura extraída da célebre árvore. Aprenderam, assim, os civilizados, dos índios o emprêgo da madeira cor de brasa.

Métraux, em sua Civilisation matérielle, informa que os tupinambás para se enfeitarem untavam o corpo todo de resina ou de mel e nele colocavam fina penugem tirada do pescoço de certos pássaros. Apreciavam, particularmente, as galinhas brancas, cujas penas cortavam muito miúdas e tingiam de vermelho, fazendo-as cozinhar com pau-brasil.

O pau-brasil é uma árvore — diz Lamarck que o descreveu em 1789 — que fica hastante grossa e muito grande. Sua casca acinzentada se acha armada de espinhos curtos e esparsos. Os ramos estiram-se largamente, as folhas são bipinadas e a flores, amarelas, nascem em racimos e têm uma metade do labelo de tonalidade vermelha. O fruto é uma vagem chata, escura, com espinhos. O cerne compacto mostra bela cor vermelha de brasa.

A espécie foi estudada pela primeira vez em 1648, por Piso e Marcgrav, na Historia naturalis Braslliae, na parte Historia plantarum.

Por curioso quero transcrever aqui o capítulo 13 da História de uma viagem feita à terra do Brasil, por Jean de Lery, na tradução de Monteiro Lobato. Nele se faz referência à madeira que emprestou seu nome ao nosso país.

“Ao falar das árvores deste país — escreve Jean de Lery — devo começar pela mais conhecida entre nós, esse pau-brasil de que a terra, por influência nossa, tomou o nome e é tão apreciado graças à tinta que dele se extrai. Os selvagens o chamam arabutan. Notamos que é árvore que engalha como o carvalho das nossas florestas, havendo algumas tão grossas que três homens não lhes alcançariam o tronco.

A respeito de árvores grossas o autor da História geral das Índias Ocidentais narra que nessas regiões foram vistas duas, cujos troncos apresentavam extraordinária grossura: uma media de oito braça de roda, e outro, acima de dezesseis; na primeira — tão alta que nenhuma pedrada lhe alcançava o cimo, um cacique, por segurança, armara sua choça, do que muito riam os espanhóis, vendo-o lá pousado qual uma cegonha. Refere ainda que no país de Nicarágua existe uma árvore chamada ceiba, que engrossa a ponto de não poderem abraçá-la quinze homens.

Voltando ao pau-brasil direi que é planta que não dá frutos e tem as folhas como as do buxo, embora mais claras.

Por causa da sua dureza, e conseqüente dificuldade em derrubá-la e carregá-la num país detituído de animais de tiro, o serviço se faz por meio de muitos homens; e se os estrangeiros não fossem ajudados pelos índios não poderiam em um ano carregar um navio médio.

Os selvagens, em troca de algumas vestes, chapéus, facas e bugiarias, com os macharlos, cunhas e mais ferramentas fornecidas pelos europeus cortam, serram, atoram, desbastam e racham o pau-brasil, e depois o transportam nos ombros nus, às vezes de três léguas de distância, por montes e sítios escabrosos, até junto ao mar onde os navios os recebem.

Isto o fazem depois que os europeus começaram a freqüentar o país, pois antes, conforme ouvi dos velhos, não tinham outro meio de abater uma árvore senão lhe deitando fogo ao pé.

Aqui na Europa muitos julgam que os toros redondos. encontrados nos armazéns de comércio, são da grossura natural: mas não é assim, visto como é árvore em geral muito grossa, sendo necessário que os índios desbastem e arredondem as toradas a fim de facilitar o transporte e manejo no navio.

Como já fizemos muita fogueira com o pau-brasil, pude observar que não é madeira úmida, mas naturalmelite seca, queimando com pouco fumo. Um dos nossos companheiros, indo lavar camisas, deitou na lixívia cinzas dessa madeira, resultando que em vez de alvejadas se tornaram elas de um vermelho tão indelével que tivemos de usá-las assim.

Os nossos tupinambás muito se admiram do trabalho a que se dão os europeus para a posse do arabutan. Uma vez um velho índio perguntou-me: — Que significa isto de virdes vós outros, peros e mairs, buscar tão longe lenha para vos aquecer? Não a tendes por lá em vossa terra?

Respondi que tínhamos lenha, e muita, mas não daquele pau, e que não o queimávamos, como ele supunha, mas dêle extraíamos tinta para tingir.

Retrucou o velho:

— E por ventura precisais de tanto pau-brasil?

— Sim, respondi, pois em nosso país existem negociantes que têm mais panos, facas, tesouras, espelhos e mais cousas do que vós aqui podeis supor, e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.

— Ah! tu me contas maravilhas! disse o velho; e acrescentou, depois de bem alcançar o que eu dissera:

— Mas esse homem tão rico não morre?

— Sim, morre como os outros.

— E quando morre para quem fica o que é dele?

— Para seus filhos, se os tem, e na falta, para os irmãos ou parentes próximos.

— Na verdade, continuou o velho, que era nada tolo, agora vejo que vós, mairs, sois uns grandes loucos, pois que atravessais o mar com grandes incômodos, como dizeis, e trabalhais tanto a fim de amontoardes riquezas para os filhos e parentes! A terra que vos alimentou não é suficiente para alimentá-los a eles? Nós aqui também temos filhos, a quem amamos, mas como estamos certos de que após nossa morte a terra que nos nutriu os nutrirá também, cá descansamos sem o mínimo cuidado.

Este discurso, que ouvi de um pobre selvagem americano, duma nação que reputamos bárbara, mostra como eles zombam com desdém dos que, com fito de lucro e perigo de vida, atravessam os mares em busca do pau-brasil: e por mais broncos que sejam eles, atribuindo maior importância à natureza e fertilidade da terra do que nós atribuímos ao poder e providências divinas, insurgem-se contra esses rapinantes chamados cristãos, que abundam na Europa tanto quanto escasseiam na América…”

É justamente célebre o livro de André Thevet, Singularidades da França Antártica a que outros chamam de América. O escritor e viajante francês, no capítulo 59 da obra em questão faz referência ao pau-brasil. Vejamos o que ele diz:

“Temos como certo que foi Américo Vespúcio quem descobriu esse vasto continente, cercado por dois oceanos, embora não tivesse visitado toda a região, mas a sua melhor parte.

Depois vieram os portugueses, os quais, não satisfeitos com as suas conquistas, esforçaram-se cada vez mais, por encontrar novos países, — tudo com o fim de apoderar-se das riquezas ou coisas singulares, das quais lhes davam notícias os naturais. Visitando, pois, a América, tal como fizeram os troianos no território cartaginês, — conheceram os portugueses certos objetos de plumas que logo foram introduzidos no tráfico. E, procurando informar-se de como os indígenas pintavam essas plumas (comumente tintas de vermelho), mostram-lhes estes a árvore do pau-brasil.

É o pau-brasil, que na língua selvagem tem o nome de araboutan, árvore de muito bela aparência: a casca é toda acinzentada, mas a madeira interna vermelha, sobretudo o cerne que é dos mais excelentes,, motivo pelo qual aumenta sempre a sua procura.

Desde então os portugueses carregam cada vez mais uma crescente quantidade de pau-brasil. Esse tráfico ainda hoje continua e é feito também pelos franceses, depois que estes vieram a conhecer tal mercadoria.

Verdade é, todavia, que os portugueses não suportam, de bom grado, a concorrência dos franceses, que lá traficam em vários lugares, sob o argumento, aliás verdadeiro, de que são os proprietários dessa região, uma vez que foram eles os primeiros que a descobriram e dela tomaram posse.

A árvore do pau-brasil (retornando ao assunto) é dotada de folhas semelhantes às do buxo e, como as do buxo, miúdas, embora espessas e abundantes. Não produz nenhuma goma, como algumas outras, nem, tampouco, frutos. Outrora ainda era mais estimada do que atualmente, sobretudo no Levante: acreditou-se a princípio que essa madeira é a mesma de nome dalmagin, referida no livro primeiro dos Reis, a que a rainha de Sabá levou a Salomão.

O grande capitão Onesicrito trouxe, de sua viagem à ilha de Taprobana, situada no Oceano Índico, ao Levante, enorme quantidade dessa madeira, assim como outras coisas muito esquisitas — o que foi muito apreciado por Alexandre, seu chefe.

O pau-brasil do litoral do Rio de Janeiro, de Morpion e do Cabo Frio é melhor do que o das costas da região dos Canibais e do Maranhão, Quando os europeus, franceses ou espanhóis vão a esses lugares carregar o pau-brasil, os próprios naturais o cortam e decepam, trazendo, algumas vezes, de matas distantes três ou quatro léguas, até o local onde se encontram os navios. E é fácil imaginar com que trabalho fazem isso, só pelo gosto de coneguirem uma pobre camisa ou qualquer atavio de pouco valor…”

Hoje, infelizmente, é o pau-brasil bastante raro.

Ilustres personagens já sugeriram, sem melhor resultado, que em todas as grandes praças públicas, das principais cidades do país, fossem plantados alguns pés de pau-brasil, a exemplo do que se vê em Belo Horizonte, na praça Afonso Arinos, onde existe um magnífico exemplar dessa Leguminosa, plantada, no Dia da Árvore (13 de setembro de 1951) como Árvore da Amizade, pelo Rotary Clube daquela cidade.

Porque a verdade, a dolorosa verdade, é que quase ninguém, hoje em dia, conhece a árvore que deu seu nome à nossa pátria.

(Spalding, Tassilo Orfeu. “Quatro estudos: o pau-brasil, o pinheiro, a bananeira e a figueira”. Boletim da Comissão Catarinense de Folclore. Florianópolis, ano 6, nº 20-21, setembro-dezembro de 1954, p.42-59)

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