Chega ao Brasil o tão esperado lançamento cinematográfico O Jovem Karl Marx (Le jeune Karl Marx), dirigido pelo haitiano Raoul Peck, co-escrito com o francês Pascal Bonitzer. Sua primeira exibição foi em fevereiro deste ano no 67º Berlin International Film Festival, e recebe suas primeiras críticas do colunista Peter Bradshaw do jornal britânico The Guardian, que avalia em quatro das cinco estrelas.
Por Renan Kell*
Foto: Divulgação
Os três pilares que sustentam a película estão no movimento entre a vida, a obra de Marx, Engels e Jenny e o momento histórico que vai desde o fechamento do jornal A Gazeta Renana (1842) até as formulações finais do Manifesto Comunista (1848). O enredo da película data também os anos embrionários do nascimento da Liga dos Comunistas na Europa, e a atuação de August Diehl (Karl Marx) e Stefan Konarske (Friedrich Engels) nos permite um mergulho sem volta na vida, na obra e na cumplicidade de Marx e Engels. A câmera de Peck dispara em direção as contradições enfrentadas pelos filósofos, tanto no que tange a vida singular de cada um, quanto as polêmicas teóricas tendo como interlocutores o francês “pai” do anarquismo, Pierre Proudhon, interpretado por Olivier Gourmet, e também com o filósofo anarquista russo Mikhail Bakunin (Ivan Franek).
A evidência, o esforço e a centralidade que se propõe o diretor em desenhar o enredo buscando a constituição da nova filosofia, a filosofia da classe trabalhadora materializada no Manifesto Comunista e consequentemente na revolução que implodiu por toda Europa em 1848, vai desde as cenas iniciais até a finalização do longa-metragem. A sensibilidade e a justeza do diretor em caracterizar Jenny Marx (Vicky Krieps) constatando sua força, maturidade, responsabilidade e sua contribuição na teoria marxista não pode passar despercebida. O diretor evidencia Jenny diferentemente da costumeira caracterização que a filmografia hegemônica burguesa desenha o gênero feminino, como tendo um papel passivo nas decisões centrais.
A trama expõe que a constituição da nova filosofia da incipiente classe social operária proposta por Marx e Engels entra em choque, tanto com as propostas idealistas dos hegelianos de esquerda, quanto com as propostas reformistas que vê o salário e o dinheiro como o mal a ser combatido. Marx influenciado por Engels nos estudos de economistas clássicos como Adam Smith e David Ricardo, expõe uma crítica ontológica no âmago do próprio sistema capitalista, sendo estas vinculadas diretamente à categoria do trabalho e consequentemente à constituição da mercadoria (relações de produção). A lealdade do diretor Peck em moldar as críticas que Marx faz a Pierre Proudhon desvinculando uma crítica à individualidade do filósofo e preservando a integridade nas contribuições tão valiosas que perpassa a obra do filósofo francês.
“Ao longo do filme é possível compreender os esforços de Marx e Engels em desferir a crítica ao “velho mundo” e à filosofia ultrapassada, onde aparece excertos de obras como Sobre a Questão Judaica (Crítica da crítica, crítica), Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, A Miséria da Filosofia”
Um dos aspectos escritos nas entrelinhas do enredo se encontra na abordagem de caracterizar a genialidade do homem em sua intrínseca vinculação com a natureza (desmistificando). O evidenciar do estranhamento que constitui o imaginário dos marxistas dogmáticos, e a errônea “religião” que foi atribuída ao nome de Marx e Engels, cai por terra em seu regurgitar pelas ruas de Paris, em sua constituição enquanto homem de seu tempo, e não como um Messias que trouxe a salvação à Terra. O que afirmamos está longe de uma caracterização moral das falhas do homem, cabe-nos atribuir-lhe características reais e concretas e caracterizar sua constituição enquanto partícipe e atuante no cerne da composição do ser social, muito mais do que conferir-lhes atributos cristãos dualista endemoninhado ou santificando-o.
O limite de um longa-metragem se faz presente em O Jovem Marx e não poderíamos deixar de salientar que seria necessárias horas e mais horas para constituir uma obra cinematográfica que abarcasse todos os pormenores tanto na vida, quanto na obra de Marx e Engels. Porém os roteiristas e o olhar atento do diretor nos permite compreender o nascimento da filosofia da classe trabalhadora, e como ela se constitui através de mãos humanas e não santificadas ou endemoninhadas como querem alguns. A amizade de Marx e Engels assim como a sublime importância de Jenny nos ensina que é possível a constituição de relações combativas interconectadas umbilicalmente com a constituição mais humana entre as relações, rejeitando ferozmente a tão valorizada individualidade burguesa e possibilitando uma comunhão real e concreta entre a classe trabalhadora pois como afirma Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista: “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes”.
*Renan Kell é estudante de Ciências Sociais da Unesp-Marília e membro do Núcleo de Estudos de Ontologia Marxiana (Neom-Unesp) e ex-membro do Coletivo Cine Ocupa também na universidade.
Fonte: Caros Amigos
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