As religiões afro-brasileiras, como o candomblé, estão no imaginário popular há muito tempo. Mas de que forma elas se organizam, hoje, na maior metrópole brasileira? Como é o dia-a-dia das mães-de-santo? Essas perguntas serviram de norte para o documentário Iyalode – Damas da Sociedade, que acaba de ser finalizado. Realizado pelo cientista social José Pedro da Silva Neto, de 25 anos, pela jornalista e cineasta Maria Emília Coelho, de 26, e pela produtora Melissa Barretti, de 27, o documentário ganhou o primeiro Prêmio Palmares de Comunicação, promovido pela Fundação Palmares, do Ministério da Cultura. E também foi adquirido pela rede STV. “A versão original tinha 52 minutos, mas fizemos diferentes formatos para inscrevê-lo nos editais e prêmios”, conta a diretora Maria Emília. “Ganhamos o Prêmio da Fundação Palmares e o deixamos com 12 minutos, como previa o edital.” Após as filmagens, que levaram cerca de 30 horas, os documentaristas conseguiram o apoio da rede de TV, o que possibilitou nova edição, com os desejados 52 minutos.
O filme é resultado do empenho dos três documentaristas, que idealizaram o projeto há três anos. “Esse foi o tema da minha iniciação científica da faculdade”, diz Pedro. “Após realizar o trabalho, percebi que dava para ampliar os suportes da pesquisa e pensei no documentário.” Para isso chamou a amiga Maria Emília, que se formava em jornalismo e tinha o sonho de trabalhar com documentários, e Melissa, que já trabalhava com produção de exposições e mostras. “Vimos que a idéia era muito boa e que poderia ser a maneira de realizarmos nosso primeiro projeto profissional”, lembra Maria Emília. Foram, então, delineando o tema do documentário. “Começamos nos reuníamos depois do trabalho, à noite, sem nenhum dinheiro”, explica Melissa.
Desses encontros iniciais saiu o formato do documentário. “Na minha iniciação, pesquisei as 12 mais importantes mães-de-santo de São Paulo. Para o documentário, ficamos com as 4 mais antigas”, diz Pedro. Para finalizar a equipe, chamaram amigos que aceitavam entrar no projeto seduzidos pelo tema. “Assim, também, conseguimos a parceria com a Produtora Pólo de Imagem, por meio da Malu Batista. Sem isso, não teríamos conseguido viabilizar nada”, lembra Pedro. Desde então, saíram à caça de apoios e patrocínio de empresas. “Aí começamos a ver que era outro campo de aprendizado para nós. Há uma grande dificuldade de as empresas associarem seu nome a um produto cultural que toque na questão da religião afro-brasileira”, assegura Melissa.
Retratar o dia-a-dia dessas mães-de-santo, reforçando seus laços com a religião, mas mostrando muito mais do que o estereótipo era o ponto principal do projeto. “Elas moram na periferia de São Paulo e são mães, esposas e donas de casa”, lembra Pedro. “Ao mesmo tempo, são responsáveis pelos terreiros e carregam um cabedal de conhecimento enorme.”
Assim, o documentário retrata essas mulheres em seus terreiros, contando a história de suas vidas e de lutas. Além disso, os documentaristas promoveram um encontro inédito entre elas, na Praia de Juqueí, litoral de São Paulo. “Elas não costumam se encontrar. Foi muito rico esse momento. Elas puderam trocar experiências, cantar juntas na praia, lugar com grande significado místico para elas”, lembra Maria Emília.
Durante a busca de patrocínio ocorreu a fatalidade da morte da mãe-de-santo mais idosa de São Paulo, Mãe Manodê, do terreiro de Vila Brasilândia. Os documentaristas chegaram a temer perder a história de vida dessa importante figura do candomblé, mas acabaram ganhando a história da sucessão em um terreiro e Mãe Pulquéria, sucessora de Mãe Manodê, permitiu que eles fizessem imagens no terreiro, fechado por um ano após a morte da titular. “Foi um choque para nós. Documentário é feito de vida e isso acaba acontecendo, já que desde a idéia até a captação de recursos, muitas vezes levam-se anos”, comenta Maria Emília. “Por outro lado, ficamos muito gratos a Mãe Pulquéria, por ter nos recebido nesse momento tão delicado do terreiro e de sua vida.”
É a imagem dessas mães-de-santo guerreiras, que batalham pela religião ao mesmo tempo em que batalham pela sobrevivência nas periferias da cidade que se sobressai no documentário. A versão mais longa, de 52 minutos, será veiculada na rede STV, no segundo semestre. A versão de 12 minutos passará na rede pública de televisão, em todo o Brasil. “Esperamos, com este documentário, contribuir para desestigmatizar a imagem das religiões afro-brasileiras, como o candomblé, e mostrar que elas são praticadas por pessoas normais, que trabalham, criam seus filhos, como todos”, finaliza Pedro. A realização do documentário trouxe, também, grande aprendizado para os jovens documentaristas. “Depois dessa empreitada, acabei abrindo uma produtora”, revela Melissa. “Temos certeza de que, mesmo com todas as dificuldades, vamos continuar contando histórias de figuras tão importantes da nossa cultura, e ao mesmo tempo, tão pouco conhecidas.”