Com Rita Lee, ele “brigou” muito – no bom sentido, claro. Já Raul Seixas lhe permitia fazer muitas loucuras em sua música. A Gilberto Gil, convenceu gravar “Realce”, que seria inicialmente cedida a Zezé Motta. Da mesma maneira procedeu com Ney Matogrosso, com “Homem Com H”. Também apostou em Belchior quando o compositor ainda era desconhecido fora dos limites geográficos do Ceará. Acreditou no potencial de “Escrito nas Estrelas” com Tetê Espíndola, que ganhou o Festival Shell da Globo.
Essas são algumas das balizas na carreira de Marco Mazzola, um dos mais conceituados produtores da música brasileira que, no ano passado, completou 30 anos de trajetória. A comemoração veio agora, com o lançamento do disco duplo “MPBZ – 30 Anos de Música”, no qual ele reuniu alguns dos grandes trunfos de sua carreira.
Caso, por exemplo, de “Gita”, de Raul Seixas. “Foi uma música que mexeu muito com a criatividade. Usamos, na gravação, elementos como sinos, tímpanos, vocal de 30 vozes, grande orquestra sinfônica… Enfim, uma superprodução, elementos esses nunca executados numa gravação de música brasileira”.
Ou, ainda, de “Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim”, gravada por Ivete Sangalo, que se tornou a música mais executada em toda a história da música brasileira até hoje. Já Belchior, lhe foi apresentado por Elis Regina – a cantora e Mazzola escolheram “Como Nossos Pais” para o disco “Falso Brilhante”.
O disco traz, ainda, as faixas: “Menino Bonito” (com Rita Lee), “Realce” (Gil), “Taj Mahal” (Jorge Benjor), “Apenas Um Rapaz Latino Americano” (Belchior), “No Compasso do Criador” (com Emílio Santiago), “Maria Fumaça” (Banda Black Rio), “Tanto Amar” (com Ney Matogrosso), “Caçador de Mim” (de e com Milton Nascimento), “Deu Pra Ti” (Kleiton e Kledir), “Vitrines” (Chico Buarque), “Escrito nas Estrelas” (Tetê Espíndola), “Totalmente Demais” (Caetano Veloso), “De Volta Para o Aconchego” (Elba Ramalho), “London, London” (Paulo Ricardo), “Aquarela” (Toquinho), “Só Louco” (gravação ao vivo com Nana Caymmi e Wagner Tiso), “Lanterna dos Afogados” (Gal Costa), “Bandeira” (Zeca Baleiro), “Naquela Estação” (Adriana Calcanhotto), “Mama África” (Chico César), “Papel Marchê” (João Bosco), “Feitiço da Vila” (Martinho da Vila), “Morena Tropicana” (Alceu Valença), “Partido Alto” (MPB-4), “Nosso Estranho Amor” (Marina Lima), “Yolanda” (de Pablo Milanês, com Simone), “Dancin Days” (Frenéticas) e “Asa Branca” (com Elis Regina e Hermeto Paschoal, em registro do Festival de Jazz de Montreux).
Como bônus, entra “The Obvious Child”, com Paul Simon. Em entrevista ao HOJE EM DIA, Mazzola falou sobre sua carreira – incluindo os fracassos -, os dez anos da MZA (sua gravadora) e o mercado, entre outros tópicos. Confira, a seguir, outros trechos da entrevista.
Na verdade, o marco de 30 anos de carreira foi ano passado. Por que o projeto do disco demorou a ser concretizado?
Quando se faz um disco deste tipo, de compilação, é preciso pedir autorização à editora, à gravadora e ao artista, é um trâmite danado. No caso do Paul Simon, tive que falar com o próprio, pois a autorização já me tinha sido negada três vezes. Então, pedi a um amigo que fosse ao escritório dele, em Nova Iorque, para pegar seu e-mail. Só então consegui entrar em contato direto com ele. Já com o Manhattan Transfer, não obtive sucesso. O mesmo aconteceu com a música “Oceano”, do Djavan, pois ele tem uma briga com a Sony por problemas de compilação e ela (a gravadora) disse não. Neste caso, não consegui localizá-lo em tempo, pois ele estava no exterior. Quando voltou, eu já estava com a parte gráfica do disco pronta. Não pude colocar muitas outras músicas que queria, para o disco não ficar grande – caso, por exemplo, de “Vou de Táxi”, com a Angélica, que foi uma grande sacada. Mas optei por colocar o que marcou, o que chamou mais a atenção.
Como surgiu a idéia deste disco, neste formato?
Venho lutando há muitos anos pelo reconhecimento dessa profissão de produtor no Brasil. Por outro lado, o que acontece é que qualquer um é produtor neste país. Lá fora, as coisas são bem diferentes. Produzi o disco de um artista cubano radicado no México, chamado Amaury Gutierrez. Quando ele foi anunciado como ganhador de um Grammy, o apresentador fez questão de chamar ao palco um “novo talento produzido por Marco Mazzola”. Aí vi como a importância do produtor é grande lá fora. Eles dão um valor que aqui no Brasil não existe. Aliás, o grande público não sabe o que faz um produtor. Então, me convenci de que a única forma de chamar a atenção, neste país, seria reunir um bom material num disco para que as pessoas começassem a ter essa percepção. A intenção foi essa. Agora, estou rabiscando um livro com coisas engraçadas que aconteceram nestes 30 anos, até para que eu mesmo não esqueça. Deve ser lançado no ano que vem, quando a MZA vai fazer dez anos. Vamos fazer alguma coisa linkada com isso.
Além deste motivo nobre, o CD, claro, tem vida própria…
Inclusive me aconteceu uma coisa engraçada. Na semana passada, fui à FNAC do Barra Shopping comprar um disco, o vendedor me reconheceu e disse que meu disco estava vendendo muito, inclusive para gringos. A tiragem da loja tinha acabado e eles já tinham pedido mais. Várias rádios também estão pedindo exemplares para renovar suas discotecas, pois remasterizamos todo o material.
Verdade que seu nome foi cotado para o Guinness?
Esta história foi curiosa. A gente tentou entrar para o livro dos recordes como o produtor que mais vendeu discos no mundo. Eles pediram uma auditoria, mas desistimos quando constatamos que o Quincy Jones tinha vendido 60 milhões de cópias com apenas dois discos – entre eles, “Thriller”, do Michael Jackson. Mas não fiquei chateado.
Com quem você lamenta ainda não ter trabalhado?
Eu gosto muito de fazer a coisa jovem, mas tem dois artistas, e talvez tenha sido falta de oportunidade, com os quais nunca trabalhei, a Maria Bethânia e o Roberto Carlos. Chegamos até a ter diálogos. Porque participei de todos os movimentos, trabalhei praticamente com todos os tops. Numa tarde fiz (a música) “Dancin Days”, que foi um sucesso. Engraçado é que uma repórter veio me entrevistar e disse: “Vejo seu nome há muitos anos, achava que fosse velho, barrigudo…” (risos).
Você registrou alguns sucessos de sua carreira. Mas e fracassos, houve algum?
Acho que não dá para vencer todas as batalhas, mas tenho uma história engraçada. Quando comecei a MZA, contratei o Chico César, fizemos o “Mama África”. Em seguida, contratei o Zeca Baleiro e, na sequência, a Rita Ribeiro. Foi um movimento de artistas novos, estava tudo, graças a Deus, dando certo. Aí tive a idéia de fazer um projeto com os três juntos, mas não foi possível. O ego dos novos é diferenciado. Os tropicalistas se davam a mão, a jovem guarda, a bossa nova, idem. Mas algumas pessoas têm pensamentos diferentes. Lamento, acho que poderia ter sido algo como o fenômeno Tribalistas. Outro caso foi com o Mano Borges, artista que contratei e pensei que fosse detonar. Mas a ansiedade do artista novo é grande, por vezes estraga tudo.
Você chegou a ter rusgas mais sérias com algum artistas?
Claro que sim, mas não gosto de guardar rancor.
Com o que e com quem você tem trabalhado, hoje?
A MZA tem quatro artistas contratados: o Zeca Baleiro, o Martinho da Vila, o Bebeto – vou fazer um projeto com ele, com participação da Zélia Duncan, do Seu Jorge – e a Rita Ribeiro. Agora, pela experiência que tenho, faço consultoria para artistas novos, direciono… E dou muita palestra, agora mesmo fiz em uma Itabira, no Centro de Cultura, estava lotado. A única forma de fazer coisas novas é trazer o jovem para perto de você. No Maranhão, por exemplo, vi aquela quantidade de artistas… Mas ocorre que não há espaço. Você vê um programa como o “Fama”, que só mostra covers. Não dá pra entender, com tanta gente maravilhosa! Os jornalistas deviam se mobilizar, não é possível. Não sei se eu estou louco.
Tem algum novo talento na manga?
Estou conversando com o Marco André, um cara do Pará. Como fiz com a Marina (Lima), a primeira coisas é entrar na intimidade dele, saber até onde pode chegar, o que posso contribuir nesta história. Digamos que estou namorando ele. Também estou muito focado em recuperar o material do Rock in Rio, junto com a ArtPlan, do Roberto Medina, pois é uma história que está apagada.
Você recebe muito material de novos artistas?
Muito, mas é difícil escutar tudo. Foi quando resolvi fazer o trabalho de consultoria… (Pausa) Tem um artista da terra de vocês, o Vander Lee, que dei toda uma idéia pra ele, de fazer um disco ao vivo… Mostrei música dele pra Gal Costa, que gravou… Mas não fiz contrato. Daí, ele pegou toda a idéia e foi para outra gravadora (a Indie Records). Aquilo me deixou… Não precisava…
Como é tocar uma gravadora pequena?
O que acontece, hoje, é que as gravadoras estão inchadas. A Sony, por exemplo, herdou o cast da BMG. E aí, já tá difícil fazer uma companhia sozinho, fica essa confusão, os caras ficam desempregados… Tem toda a coisa da pirataria também, que o governo não faz nada para acabar. Mas a gente faz esquemas alternativos. Com o Zeca (Baleiro), por exemplo, fizemos viagens promocionais pelo Brasil inteiro, ele vai aos estados, dar atenção, depois faz um pocket-show… E isso capitaliza mais que uma rádio. Mas as dificuldades existem. Nós, pequenos, não temos como manter essa venda. Nossa venda é pequena, mas, dentro da medida, eu me cerco de pessoas competentes. Jabá não existe comigo. O mercado está ruim, mas, para uma gravadora que começou do nada, e agora já chega a 25 mil discos vendidos por mês, estamos num bom caminho…
Você pensou em fazer algum show comemorativo à baliza dos 30 anos?
Estou pensando em fazer ano alguma para o ano que vem, com vistas aos dez anos da MZA. Gostaria de fazer um encontro da MPB, e quero misturar a nova geração com o pessoal da antiga.
Patrícia Cassese – Hoje em Dia