O Brasil em Sintonia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É tolice afirmar que a midioesfera (jornal, rádio, televisão) seja o motor da história, porém se pode facilmente constatar a conexão entre prevalência de um veículo de comunicação com determinados rumos e tendências da sociedade.

 

Embora não se aprofunde na análise sociológica, o livro “Rádio Nacional – O Brasil em Sintonia” mostra que a Rádio Nacional foi um momento jubiloso da cultura brasileira, sendo que com a transmissão radiofônica vai se configurando entre nós a indústria ideológica submetida aos interesses dos grandes grupos econômicos.

 

A expressão “indústria ideológica” é mais apropriada do que indústria cultural porque o objetivo da comunicação de massa é divulgar ideologia, e não produzir cultura.

 

Os autores desse livro, Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virginia Moreira, têm o mérito de não elidir o fato de que a consolidação da Rádio Nacional ocorreu durante o Estado Novo de 1937 a 1945, ou seja, na fase da chamada ditadura de Getúlio Vargas.

 

Nada mais significativo do que foi a Rádio Nacional à altura de 1942 do que o alto nível dos intelectuais que dela faziam parte, como Cassiano Ricardo, Roquette Pinto, Gilberto Amado, Manuel Bandeira, Venâncio Filho e Andrade Muricy. Acrescente-se, além de Almirante e Lamartine Babo, o trabalho de um músico brilhante como Radamés Gnattali, tocando piano, arranjando, recriando Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Zequinha de Abreu.

 

Somente por ter assegurado as condições de sobrevivência material e artística ao gênio musical de Radamés, a Rádio Nacional se destaca na história da cultura.

 

O ponto alto da música brasileira está entronizado à Rádio Nacional, dando força para os músicos Garoto e Fafá Lemos, o que mostra que havia ainda margem de autonomia e liberdade no sistema de comunicação de massa. Que se compare nesse aspecto com o nascimento e percurso da televisão, cuja aura cultural ou artística é quase nula.

 

O que chama a atenção nesse livro repleto de excelentes fotografias é que os trabalhadores do rádio se vestiam muito melhor e com mais que elegância do que o pessoal de televisão.

 

Curiosamente a televisão ganha corpo também sob um regime ditatorial pós-1964, mas não é a mesma coisa do que sucedeu com o rádio na época do Estado Novo. Isso significa que, do ponto da radiodifusão, Getúlio Vargas não pode ser colocado na mesma balança de um Castelo Branco ou Costa e Silva.

 

O sucesso da Rádio Nacional deixava o cacique Assis Chateaubriand morrendo de ciúmes. Conta Mário Lago uma conversa do jornalista com Juscelino: “Se Vossa Excelência der o canal de televisão à Nacional, jogo toda minha rede de rádio, imprensa e televisão contra seu governo”.

 

O que sobressai na Rádio Nacional é a seguinte ambivalência: trata-se de um produto de massa com elevado nível cultural. E mais: o período da americanização do país na cultura coexiste a uma programação nacionalista.

 

No período do presidente Dutra, depois da queda de Vargas em 45, os patrocinadores da Rádio Nacional como Produtos Fátima, Camisaria Progresso, serão substituídos pelas multinacionais a exemplo da Goodyear, Johnson & Johnson e Ponds.

 

Isso diz tudo, não obstante o programa “Repórter Esso” da Rádio Nacional ter sido bancado pela Standard Oil, a inimiga da Petrobras.

 

Já virou lugar-comum afirmar que uma mídia suplanta a outra: o jornal perde para o rádio, e este para a televisão.

 

É preciso, porém, realçar uma característica do homem brasileiro, que apreende mais o mundo pelo ouvido do que pelo olho. Daí a importância que desempenha a acústica radiofônica ainda hoje.

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