Musa da Retomada do Cinema Brasileiro

Carla Camurati

 

A atriz e diretora Carla Camurati, 44 anos, nunca se incomodou de ter recebido o título de musa da retomada do cinema brasileiro quando, exatos dez anos atrás, Carlota Joaquina, princesa do Brazil, seu longa-metragem de estréia, atraiu inéditos 1,4 milhão de espectadores, transformando-se em marco da ressurreição da atividade no país. – Ser chamada de musa não me aborrece de forma alguma. Eu só não visto a personagem. Entendo o que as pessoas queriam dizer com isso, porque o Carlota fez parte desse movimento do cinema nacional, que foi muito forte. Eu apenas não tinha consciência disso na época – entende a cineasta, que desde sábado assumiu a função de presidente do júri do Festival de Cinema Brasileiro de Miami, em cartaz até o próximo sábado. Muito do fenômeno Carlota Joaquina, comédia histórica que escarnece dos membros da família real portuguesa quando aqui chegaram no início do século 19, foi fruto do esforço pessoal de Carla, que distribuiu o filme ela mesma de cidade em cidade. O processo se repetiu com os dois trabalhos seguintes da diretora, La serva padrona (1998, 80 mil espectadores) e Copacabana (2001, 230 mil pagantes). Hoje, diz ter-se livrado do ciúme das crias e entregou a distribuição de seu quarto filme, O mistério de Irma Vap, em fase de pós-produção, para a Lumière e a Europa Filmes. A produção inspirada na peça de sucesso protagonizada por Ney Latorraca e Marco Nanini entre os anos 80 e 90 está prevista para chegar aos cinemas em novembro. – Gostei de distribuir os meus filmes porque aprendi mais sobre o país e os diferentes tipos de espectadores. Confesso que eu era ciumenta em relação a eles. Se eu errasse, a culpa seria minha, não precisaria responsabilizar ninguém. Além disso, eram filmes pequenos, que precisavam ser distribuídos com mais cuidado, compromisso que as empresas maiores não querem assumir. Achei legal ter um parceiro para o Irma Vap porque o filme tem um potencial diferente dos anteriores – esclarece. Latorraca e Nanini repetem em O mistério de Irma Vap os personagens que encarnaram na montagem teatral dirigida por Marília Pêra, que ficou 11 anos em cartaz – a peça estreou em 1986 e excursionou por todo o país a partir de então. Orçado em R$ 6 milhões (a maior produção da cineasta) e rodado em locações no Rio e em São Paulo, o filme tem uma óbvia vocação para um circuito mais amplo, popular. Carla diz que não quer criar falsas expectativas, cair na armadilha criada por uma certa corrente puxada por produtores que visa os recordes de público, o grande mercado. – Nesses dez anos, muita coisa mudou no cinema brasileiro. Acho que seria impossível hoje, para mim, fazer um filme como o Carlota ou como o Serva padrona. Os parâmetros e as expectativas mudaram. Acho importante termos filmes de grande bilheteria como Cazuza e Carandiru. Mas também é importante que tenhamos filmes pequenos como A pessoa é para o que nasce e Bendito fruto. Eles são registros do país. Quem for assisti-los verá coisas muito particulares, tirarão lições de vida que um filme maior não poderia oferecer – compara Carla, que mereceu um perfil para a coleção Aplauso assinada por Carlos Alberto de Mattos, a ser lançado lançada no dia 27 no Arteplex. – As mudanças são naturais dentro de um processo como esse, que visa à consolidação de uma atividade. Mas é também uma questão delicada porque, ao mesmo tempo, tais mudanças podem acabar destruindo aspectos importantes desse processo. A diretora, que conseguiu fazer Carlota Joaquina com meros R$ 630 mil, acha um erro tentar dirigir o poder de fogo da retomada em sucessos de bilheteria, concentrar os incentivos fiscais na mão de poucos produtores. Vê com bons olhos a iniciativa do governo em descentralizar a produção e pulverizar recursos oriundos dos incentivos fiscais, incentivando as produções regionais. – A atual política de cinema tem buscado ampliar as possibilidades de produzir em todos os estados do Brasil e não somente no eixo Rio-São Paulo. Naturalmente, alguns desses filmes acabam saindo menores em função das condições locais de talento e realização, como acontece com os programas de televisão. Mas não vejo isso como um problema – assegura. Em 1995, quando Carlota Joaquina chegou aos cinemas, foram lançados 12 filmes brasileiros. A taxa de ocupação do produto local nas salas era de 3,7%. Em 2003, chegou-se ao festejado índice de 21,4% de ocupação. Quando a taxa voltou a cair ano passado para 14,3%, voltou-se a falar em ameaça de crise. Não raro, ouviram-se acusações de que o retrocesso estava relacionado à baixa qualidade dos filmes brasileiros lançados no período. – Acho uma sacanagem esse tipo de reação. As pessoas estão dando tiro no próprio pé. As atividades são cíclicas, têm seus altos e baixos, e não são um fenômeno particular nosso. A crise acontece em várias parte do mundo, até aqui nos Estados Unidos. Eles também sofreram queda na freqüência nos cinemas ano passado – acredita a musa.

 

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