Compositor, pianista e professor, morreu na madrugada de sábado para domingo, aos 67 anos, José Antônio Rezende de Almeida Prado. Ele estava internado há uma semana em um hospital de São Paulo, após sofrer uma parada cardíaco-respiratória. Figura-chave da música brasileira, ele dialogou com as mais diferentes tendências ao longo de sua carreira, o que faz de sua obra – tanto nas fundamentais peças para piano como na produção sinfônica – uma porta de entrada para o que de mais importante se fez em termos de música no Brasil na segunda metade do século 20.
Almeida Prado nasceu em Santos, em 1943. Sua carreira, como ele mesmo definia, começou em 1952, época de “obras sem estrutura consciente” que durou até o início da década de 60. Vieram, então, os anos de estudo com Camargo Guarnieri, sob a influência da estética do nacionalismo pregado por Mário de Andrade. Após assistir a um concerto em que o pianista Gilberto Tinetti interpretara uma peça de Stockhausen, porém, ele mudaria de ares.
“Tinha 17 anos e aquilo me impressionou muito. Conversei com Guarnieri, aquela música não se encaixava no que eu vinha estudando com ele e passei, então, mesmo que de modo informal, a trabalhar sob orientação de Gilberto Mendes”, contou o compositor em uma entrevista de 2003. Em 1969, ele partiria para a França e lá encontraria e estudaria com o próprio Stockhausen, além de Olivier Messiaen, Gyorgy Ligeti e Nadia Boulanger.
A volta ao Brasil em 1973 revelaria um compositor já bastante diferente. Por um período de dez anos ele passaria a viver um momento que qualificou como “ecológico, astronômico”. “Ecológica” seria a maneira como ele mantinha os laços com o nacionalismo, não a partir do folclore como queria Mário de Andrade, mas a partir da fauna e da flora brasileiras – um exemplo desse período são os Três Episódios de Animais. “Astronômico” é o termo que revela o olhar do compositor sobre o céu do Brasil, constelações, galáxias, etc. – nestes dez anos foram escritos os seis primeiros cadernos para piano (de um total de 14 para diversas formações) das Cartas Celestes, talvez as suas obras mais conhecidas.
De 1983 a 1993, seria a vez do que chamou-se de “período do pós-modernismo”, época de “colagens, citações, revisitações” de formas utilizadas por outros compositores, em especial Chopin em seus Noturnos e Prelúdios. Era um momento de transição em direção à fase mais recente, da “síntese”, em que o compositor, da mesma forma que reutilizava os ensinamentos da vanguarda europeia, comportava a volta ao tonalismo, como na sonata para violoncelo e piano dedicada a Antonio Meneses e Sônia Rubinsky, que remonta a Brahms e Beethoven mas inova no tratamento dos timbres.
Autenticidade. Nos últimos anos, as obras de Almeida Prado reforçavam o caráter de síntese de diversas tendências. O mais importante, no entanto, foi a maneira como ele as fez dialogar em seu trabalho. Ao utilizar diversas ferramentas composicionais, adquiridas ao longo de toda a carreira, ele vinha refinando cada vez mais uma linguagem extremamente pessoal, o que fica evidente, por exemplo, nos Estudos Sobre Paris, estreada pela Osesp no ano passado, ou mesmo nas Variações Sinfônicas, escritas para o Festival de Inverno de Campos de Jordão em 2005, ano em que atuou como compositor residente do evento.
Na época, falando ao Estado, ele fez um resumo de como via o cenário atual da composição. “Não me privo mais de escrever uma melodia com início, meio e fim. Isso, obviamente, era impensável nos anos 50, 60. Mas hoje vejo que os jovens, em seus 20 anos, não têm mais essa preocupação, a busca por uma estética definida, um estilo próprio. Cabe tudo nas suas composições, do rap ao tom nacionalista, passando pelo rock. É, digamos, uma estética Macunaíma, sem caráter definido.”Por conta disso, ele defendia a busca de uma linguagem pessoal coerente como filtro, maneira de competir contra a ideia de que “tudo valia”. “É um processo delicado, muito pensado. Somos acusados vira e mexe de termos nos voltado ao passado. Não se trata disso mas, sim, de incorporar múltiplas linguagens tendo como referencial a mensagem que você, como artista, quer passar ao seu público.”
Sobre o trabalho do compositor, ele gostava de dizer: “Cito sempre esta frase, apesar de não lembrar quem a disse: a inspiração roça, não bate à porta. É isso aí mesmo. É preciso estar atento a ela e saber como utilizá-la.” Nos últimos meses, ele trabalhava em uma adaptação do livro A Febre Amorosa, de Eustáquio Gomes, e falava da possibilidade de escrever uma ópera que teria como tema os bandeirantes paulistas.
No próximo fim de semana, um concerto em sua homenagem será realizado pela Sinfônica de Santo André. Sob regência do maestro Carlos Moreno, genro do compositor e titular da orquestra, será interpretada a sua Sinfonia dos Orixás, peça-chave na literatura sinfônica brasileira, escrita nos anos 80 para a Orquestra Sinfônica de Campinas.
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