O carnaval carioca sofre mais uma baixa para a Covid-19. O carnavalesco Luiz Fernando do Carmo, o Laíla, que estava internado desde último fim de semana no Hospital Israelita Albert Sabin, no Maracanã, Zona Norte do Rio, morreu na manhã desta sexta-feira. O falecimento foi confirmado pela esposa dele, Marli da Silva Ribeiro. Por volta de 11h30, ele teve uma parada cardíaca, segundo familiares.
Laíla, de 78 anos, era uma das figuras mais importantes da folia carioca, com passagens por escolas como Beija-Flor, Vila Isabel, Unidos da Tijuca e União da Ilha, entre outras. Mas, segundo a mulher morreu triste porque ultimamente estava afastado do carnaval. A família ainda não tem informações sobre o sepultamento.
Laíla chegou a tomar a segunda dose da vacina contra o novo coronavírus há cerca de um mês, o que permite a proteção completa oferecida pelo imunizante. Além da viúva, ele deixa um casal de filhos.
— Tudo tem sua hora. Pena ele ter ido num momento de muita tristeza, porque estava afastado do carnaval, não só por não ter tido os desfiles (por conta da pandemia), mas pela falta de convites — lamentou a viúva.
Laíla começou sua carreira no Salgueiro e em 1975 foi para a Beija-Flor acompanhado pelo carnavalesco Joaosinho Trinta. Mas chegou a trabalhar também na Unidos da Tijuca, Vila Isabel e Grande Rio. Ele voltou para a escola de Nilópolis em 1995, quando ajudou a agremiação a conquistar oito títulos, incluindo o tricampeonato em 2003, 2004 e 2005 e um bicampeonato em 2007 e 2008.
Foi diretor de carnaval da Beija-Flor até 2018. A última escola em que esteve foi a União da Ilha, da qual saiu após o rebaixamento da agremiação no desfile de 2020. Foi um carnaval cercado por disputas internas que resultou na primeira queda de uma escola comandada por ele para o grupo de acesso. Apesar disso, Laíla ainda registra o título de ser o segundo maior vencedor da folia carioca. Ele só perde para Joãosinho Trinta, que tem nove conquistas.
A Beija-Flor de Nilópolis, escola onde Laíla atuou por cerca de três décadas, lamentou a perda e decretou luto oficial:
“A perda de Laíla coloca em luto oficial, por tempo indeterminado, toda a família Beija-Flor (aqui representada pelo presidente de honra Anísio Abraão David e o presidente Almir Reis), ao mesmo tempo em que mobiliza toda a comunidade carnavalesca, já tão impactada com outras partidas significativas em meio à pandemia.Conhecido pela genialidade e a personalidade forte, Laíla carregou consigo o mérito de ter transformado os desfiles da Beija-Flor em um “rolo compressor” capaz de cruzar a Avenida sem perder décimos em praticamente todos os quesitos, principalmente os “de chão” (Harmonia e Evolução, intimamente ligados ao canto e a dança). Também merecem destaque o luxo e a suntuosidade das alegorias e fantasias que deixaram o barracão da Beija-Flor rumo ao estrelato diante de milhares de foliões”, diz a nota da escola.
Laíla teve três passagens diferentes pela escola de Nílópolis: entre 1975 e 1980, 1987 e 1992 e, por fim, 1994 e 2018. No período mais recente e duradouro, o laço se manteve por 23 anos e somou oito vitórias da Deusa da Passarela com Laíla comandando a Comissão de Carnaval.
Diretor de marketing da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) e filho do patrono da Beija-Flor Anísio Abraão David, Gabriel David disse que a relação de Laíla com a escola e sua família sempre foi tão próxima que ele nem se lembra quando foi a primeira vez que o viu na vida. A última que ele se recorda: foi na eleição para escolha da nova diretoria da liga, em março. Na sua opinião, revolucionou o conceito de desfile das escolas de samba e foi uma perda irreparável para o carnaval:
— Foi a perda de uma pessoa histórica para o samba, como um todo. Uma pessoa que ajudou a Beija-Flor a ser o que ela é. Para a gente é a perda de um amigo, de uma pessoa muito próxima, de alguém por quem a gente tem um carinho absurdo e eterno. Esse momento é difícil não só para a Beija-Flor. Todo mundo que gosta de carnaval está triste. É a perda de uma pessoa histórica para a Beija-Flor, sem dúvida. Nem me lembro a primeira vez que vi o Laíla pela primeira vez. Eu era criança ainda e convivi minha vida inteira com ele. A última vez que a gente esteve junto foi na eleição da liga e conversamos muito. Tive oportunidade de aprender muito com ele. Era como se fosse um tio para mim. Laíla revolucionou o conceito dos desfiles. Poucos artistas tinham uma visão tão ampla do desfile como ele. Muito do que ele criou foi replicado inclusive por outras escolas.
O intérprete Neguinho da Beija-Flor lembrou que Laíla acompanhou a carreira dele desde o começo, bem antes de ele ir para a escola de Nilópolis, tendo sido produtos dos seus primeiros discos. Lembrou ainda a personalidade forte do amigo de mais de cinco décadas, capaz de criar desafetos, mas destacou o seu profissionalismo e importância para o carnaval.
— Laíla acompanhou minha carreira muito antes de eu ir para a Beija-Flor, ainda no Cordão da Bola Preta, em 1971. Foi produtor dos meus primeiros discos na (gravadora) Top Tape. Primeiro Zuzuza, depois ele. Foi o melhor diretor de carnaval e melhor diretor de harmonia de todos os tempos. O carnaval perde o melhor profissional na área em que ele atuava, de todos os tempos. Era um amigo de mais de 50 anos. Um homem de personalidade forte. Não concordava, às vezes, com determinada maneira como ele conduzia as coisas, mas era um excelente profissional e amigo. Vou ser grato a ele eternamente por ter sido uma pessoa importante na minha carreira — destacou.
A porta-bandeira da azul e branco de Nilópolis, Selminha Sorriso, lembrou de um diretor de carnaval rigoroso, mas ao mesmo tempo terno e que se desmanchava diante do sorriso de uma criança:
— Só tenhpo de agradecer o que aprendi. Não era fácil trabalhar com ele. Ele era uma pessoa muito exigente. Comandava a tropa com rigor, no entanto, buscando de cada um de nós o meçlhor, a superação pessoal. Foi a pessoa que me levou para a escola, a mim e ao Claudinho (mestre-sala). Ele nos incentivava a fazer o melhor e eu só tenho que agradecer muito. No começo eu não entendia muito bem, porque ele estava cobrando tanto e um dia ele disse: “o pai entende quando precisa cobrar do filho para que o filho cresça, para que ele seja o melhor, para que ele faça o seu melhor”. Ele nunca nos deixou acomodar, nunca nos deixou nos sentirmos fragilizados.Tirava da gente a força que a gente desconhecia. Só tenho a agrader àquele baixinho com cara de bravo, mas que tinha um coração do tamanho do mundo e não podia ver criança, que arrancava o maior sorrisão dele — revelou Selminha.
O Carnavalesco Fran Sérgio contou que a amizade com Laíla durava quase 30 anos. Os dois começaram a trabalhar juntos em 1995, na Beija-Flor de Nilópolis. De lá os dois saíram juntos para a Unidos da Tijuca, em 2019, e depois para a União da Ilha, em 2020. Ainda em 2019, os dois fizeram o desfile da paulistana Águia de Ouro. Ele disse que perdeu um mestre:
— Comecei a trabalhar com ele na Beija-Flor, em 1995. Ele já tinha estado lá antes e estava retornando. Eu estava lá como desenhista. Ali a gente se conheceu e ele começou a me ajudar muito, a me ensinar muito com toda a sua vivência de carnaval. Era um grande mestre, um monstro sagrado do carnaval. Tentava ensinar todo mundo com a experiência dele. Tinha uma personalidade forte, exigia muito. Para trabalhar com ele tinha que provar que era bom. Mas isso também era bom. Estava muito animado, a fim de fazer mais carnaval. Aí veio essa Covid. A morte dele é uma perda irreparável, do grande mestre, do professor e de um grande amigo, uma pessoa que sempre me ajudou, me incentivou e me influenciou. Vai deixar muita saudade.
Contemporânea de Laííla, a carnavalesca Rosa Magalhães, ainda tomada pela emoção, foi econômica nos comentários:
— Estou muito triste. Meu amigo se foi — limitou-se a dizer.
Carnavalesco da nova geração, Leandro Vieira, da Mangueira e do Império Serrano, também prestou o seu tributo:
— O Laíla foi um cara que personificou como nenhum outro os diversos saberes do carnaval numa só pessoa. Era, como se diz, um sabe tudo. Era carnavalesco, diretor de harmonia, ritmo, de comunidade, de samba enredo e de desfile na avenida. Laíla personifica como poucos a ancestralidade dessa festa. Entre ele e o desfile das Escolas de samba há uma ligação umbilical que não se desfaz. Laíla é a escola de ontem e a escola de hoje. E, dificilmente, a escola que virá no “amanhã” não terá as matrizes que ele arrumou e projetou tão bem.
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