Réplica em madeira do Globo Terrestre feito em Nuremberga sob direcção de Martim Behaim, 1492.
Rio de Janeiro, Serviço de Documentação Geral da Marinha do Brasil.
Martim Behaim, natural de Nuremberga, viveu largos anos em Portugal, tendo contactado com os descobridores que iam, gradualmente, revelando os arquipélagos atlânticos e desvendando os contornos do continente africano. O mercador alemão redigiu, inclusivamente, em latim, as memórias de um dos mais activos navegadores de Quatrocentos, Diogo Gomes, que intitulou De prima inventione Guinea (Do primeiro descobrimento da Guiné).
Em 1492, os seus conterrâneos convidaram-no a sintetizar em um globo os tradicionais conhecimentos geográficos e as novidades que trouxera de Portugal. Nasceu, assim, o mais antigo globo terrestre actualmente conhecido. Nele, entre a costa euro-africana e o Extremo Oriente, vêem-se apenas ilhas, reais ou míticas, sem qualquer vislumbre do gigantesco continente hoje chamado América, do qual substancial parcela constitui o Brasil.
Descobrimento da Passagem de Sueste
Padrão de Santo Agostinho implantado por Diogo Cão no Cabo de Santa Maria, 1482.
Sociedade de Geografia de Lisboa.
Quando o Príncipe D. João assume, em 1474, a direcção da empresa dos Descobrimentos, o “Plano da Índia” transforma-se no seu objectivo maior. Concluída a guerra com Castela, através da assinatura do Tratado de Alcáçovas (1479), pôde, então, voltar-se inteiramente para a preparação das expedições destinadas a encontrar a almejada ligação com o Índico.
Após os promissores resultados obtidos por Diogo Cão (1482-1486), o Príncipe Perfeito actua, em 1487, simultaneamente, em duas frentes. Despacha, pelas vias tradicionais (o Mediterrâneo e o Próximo Oriente), Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva, que deveriam enviar-lhe minuciosas informações do Índico e da Etiópia.
Paralelamente, larga de Lisboa a expedição de Bartolomeu Dias que, quase um ano e meio depois, regressaria com a notícia da existência da passagem de Sueste que abriu a Portugal as “portas da Índia”. O domínio português sobre esta rota foi assinalado pela implantação de padrões de pedra.
Um Equívoco Histórico: O “Achamento das Índias de Castela”
Mapa-Múndi de Juan de la Cosa, 1500-1506 (pormenor).
Madrid, Museo Naval
Quando Cristóvão Colombo se estabeleceu em Portugal (1477), já D. João dirigia a empresa dos Descobrimentos. Não foi difícil ao genovês participar de viagens portuguesas às ilhas (Madeira e Porto Santo) e à costa africana (Guiné e Mina).
Os seus contactos com a Itália, em especial com a obra de Marco Polo e as teses de Toscanelli, bem como as informações obtidas no arquipélago da Madeira, fizeram com que formulasse o projecto de alcançar o Oriente pelo Atlântico Ocidental, plano que ofereceu, por volta de 1484, a D. João II (1481-1495) e que este recusou.
Apresentado a outros monarcas, o plano colombiano finalmente conseguiu, uma vez concluída a reconquista peninsular (Granada), o apoio de Isabel de Castela. Assinadas as Capitulações de Santa Fé (Abril de 1492), iniciaram-se os preparativos da viagem.
Em Agosto, largam de Palos a Santa Maria, a Pinta e a Níña. Pela via das Canárias, cruzam o Atlântico e, com 33 dias de navegação, alcançam a ilha de Guanahaní (São Salvador). Era a primeira terra do Novo Mundo descoberta por europeus e interpretada por Colombo como sendo a guarda avançada do Extremo Oriente.
Tratado de Tordesilhas
Retrato a óleo de D. João II, séc. XVII? Cópia de um retrato do séc. XV?
Toledo, Palácio Tavera-Fundação Casa de Medinacelli.
Acossado por tempestades, Colombo, no regresso, aporta aos Açores (ilhas de S. Miguel e Santa Maria) e refugia-se no Tejo, tendo, alguns dias depois, sido recebido por D. João II. No decurso da audiência, o monarca fez-lhe saber que as ilhas descobertas, de acordo com o Tratado de Alcáçovas, se situavam na área de influência portuguesa, pelo que eram de sua conquista.
Após o retorno a Castela, Colombo sugeriu aos Reis Católicos a adopção de uma nova forma de delimitação entre os territórios ultramarinos luso-castelhanos destinada a ultrapassar as pretensões do rei de Portugal, adoptando uma linha de demarcação de pólo a pólo, ao invés do paralelo das Canárias.
A consequência foi a concessão a Castela, pelo papa Alexandre VI, na segunda bula Inter caetera, falsamente datada de 4 de Maio de 1493, de todas as terras e ilhas, descobertas ou por descobrir, situadas a oeste de uma linha de pólo a pólo que passasse 100 léguas a oeste das ilhas dos Açores ou Cabo Verde.
Embora menos parcial do que outras bulas alexandrinas que faziam doações a Castela, ela estava longe de salvaguardar as pretensões de D. João II.
Entabuladas negociações directas entre as duas coroas, os plenipotenciários chegaram, em 7 de junho de 1494, na vila de Tordesilhas, a um acordo, estabelecendo uma linha de demarcação a 370 léguas a ocidente do arquipélago de Cabo Verde.
A Exploração do Atlântico Sul
Astrolábio português, 1555.
Dundee, Art Galleries and Museums.
Garantido o espaço que considerava vital, D. João II intensificou os preparativos da viagem à Índia. Embora não haja documentos que o comprovem, a rota seguida, poucos anos volvidos, por Vasco da Gama e o tipo de navios por ele utilizado (nau), apontam claramente para a realização de explorações prévias destinadas a ampliar o conhecimento do condicionalismo físico do Atlântico Sul.
O famoso vento alísio de sueste, que tanto perturbou Bartolomeu Dias, terá sido objecto da maior atenção por parte dos navegadores do Príncipe Perfeito. O mesmo pode ser dito da corrente de Benguela e das correntes equatoriais.
Simultaneamente, a necessidade de grandes travessias longe da vista de terra obrigou à procura de alternativa, no Hemisfério Sul, para o uso que os navegadores faziam da Estrela Polar a norte do Equador.
A solução resultou da observação da passagem meridiana do Sol, cuja altura, combinada com a declinação do mesmo na data da observação, permite facilmente a obtenção da latitude. Foram, para isso, calculadas as primeiras tábuas quadrienais de declinação solar e simplificado o astrolábio, alcançando a forma com que seria utilizado até ao século XVIII. Na solução destes problemas tiveram papel fundamental o judeu salmanticense Abraão Zacuto e mestres José Vizinho e Rodrigo, físicos régios.
Com um Novo Rei. A Ambicionada Chegada à Índia: Viagem de Vasco da Gama
Vasco da Gama. Quadro a óleo da Escola de Gregório Lopes.
Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga
O prematuro falecimento do Príncipe Perfeito (1495) levou ao trono seu primo, D. Manuel. O novo soberano, apesar da opinião desfavorável da maioria do Conselho Régio, decidiu prosseguir com o “Plano da Índia”. Dois anos depois, concluíram-se os preparativos e o comando da armada foi entregue a Vasco da Gama.
Partindo do Tejo a 8 de Julho, a rota do Atlântico Norte foi rapidamente cumprida e, vencidas as calmas equatoriais, a armada iniciou a larga volta que a levaria ao Cabo da Boa Esperança.
A 22 de Agosto de 1497, o autor do Diário da Viagem afirma que acharam “… muitas aves, feitas como garções, e, quando veio a noite, tiravam contra o susoeste muito rijas, como aves que iam para terra…”.
Esta terra era, naturalmente, a futura Santa Cruz, a única existente naquelas paragens.
Alcançado o Índico, a expedição, após várias escalas, atingiu o seu objectivo: a cidade de Calecute. No regresso, o Gama trouxe a notícia que os mouros dominavam o comércio das especiarias e as rotas do Oriente, dados que influiriam decisivamente na preparação da 2ª armada da Índia.
A Segunda Armada da Índia
Armada de Pedro Álvares Cabral. Memória das Armadas, c. 1568.
Academia das Ciências de Lisboa.
Após o regresso do Gama, logo D. Manuel I (1495-1521) deu início aos preparativos para o despacho da 2ª Armada da Índia.
Pretendia-se atingir objectivos de natureza geopolítica, económica e religiosa. Por essa razão, a esquadra deveria ser constituída por um elevado número de navios, sendo estes de maior porte e melhor armados. o embarque de tropas, de religiosos e de agentes comerciais era, por conseguinte, essencial.
Foram armadas nove naus de cuidadosa feitura e arqueação variando entre 250 e 180 tonéis, estivados no paiol das pipas. Seguiriam, ainda, três caravelas e um navio menor, possivelmente também caravela, destinados ao descobrimento do comércio de ouro de Sofala.
Em memorando datável de finais de 1499, Vasco da Gama é apontado como capitão-mor da armada e Bartolomeu Dias como comandante da flotilha de caravelas. Por razões desconhecidas, o Almirante da Índia foi substituído por outro nobre.
A tripulação, estimada em cerca de 1500 homens, entre gente de mar, gente de guerra, religiosos e feitores, embarcaria nos 13 navios.
O Capitão-Mor
Medalhão assente sobre um soco.
Pedro José de Figueiros, Retratos e elogios dos varões e donas que ilustram a naçao portuguesa, Lisboa, Officina de Simão Tadeu Ferreira, 1817.
A Carta Régia de 15 de Fevereiro de 1500 nomeou Pedro Álvares de Gouveia (Cabral) capitão-mor da segunda armada da Índia. Não obstante o famoso historiador brasileiro Varnhagen havê-lo referido como de família nobre, porém não afamado por feitos anteriores, é provável que somente a primeira parte da afirmação seja verídica, pois não seria lógico que alguém desprovido de renome substituísse o já famoso Gama.
Ilustre era a genealogia do novo capitão-mor, pois seu trisavô, Álvaro Gil Cabral, prestara grandes serviços ao Mestre de Avis, depois D. João I. Seu pai, Fernão Cabral, fora alcaide-mor de Belmonte e fronteiro da Beira, sendo tido em grande apreço por D. Afonso V e D. João II, e sua mãe, Isabel de Gouveia, trouxera no seu dote a alcaidaria de Castelo Rodrigo e vários senhorios.
Nascido por volta de 1467-1468, provavelmente no Castelo de Belmonte, criou-se na corte do Príncipe Perfeito, onde adquiriu o “bom saber” que Gaspar Correia lhe atribui.
Os seus merecimentos estão comprovados pela tença de 13 000 reais e pelo “hábito da Ordem de Cristo” que lhe foram atribuídos.
Lisboa no início de Quinhentos. Duarte Galvão, Crónica del Rei Dom Afonso Henriques. Cascais, Biblioteca-Museu dos Condes de Castro Guimarães.
Preparativos da Viagem
No seu regresso, trouxe o Gama informações seguras sobre as monções do Índico.
Estes elementos levaram à fixação do mês de Março como a melhor época para a partida das armadas. Além disso, o Almirante da Índia forneceu minuciosas instruções sobre a rota a ser seguida.
Segundo as melhores fontes, os comandantes dos 13 navios foram os constantes do quadro seguinte:
Tipo de NavioComandante DesignaçãoNau CapitâniaPedro Álvares Cabral?Nau Sota-capitâniaSancho de TovarEl-ReiNauSimão de Miranda de Azevedo?NauAires Gomes da Silva?NauVasco de Ataíde?NauNuno Leitão da Cunha AnunciadaNauSimão de Pina?NauLuís Pires?NauNicolau Coelho?CaravelaBartolomeu Dias?CaravelaDiogo Dias?CaravelaPêro de AtaídeS. PedroNaveta de mantimentosGaspar de Lemos ?
A Viagem
Mapa da rota da armada de Cabral até à costa do Brasil.
Em cerimónia realizada no Restelo, que se revestiu de grande pompa, o rei entregou pessoalmente ao capitão-mor, a 8 de Março de 1500, o estandarte real e a bandeira de Cristo, tendo a armada deixado o Tejo no dia seguinte.
Com base na Carta do Achamento, de Pêro Vaz de Caminha, na Relação do Piloto Anónimo e na Década Primeira da Ásia, de João de Barros, pode ser rigorosamente traçada a rota da viagem até às proximidades da costa brasileira.
Em apenas 5 dias foram percorridas as 700 milhas até às Canárias e em mais 8 dias achou-se a armada entre as ilhas de Cabo Verde. Ali ocorreu um dos muitos infortúnios que atingiu a expedição: o desaparecimento da nau de Vasco de Ataíde. Após dois dias de buscas infrutíferas, determinou Cabral o prosseguimento da viagem.
A sempre problemática travessia das calmas equatoriais foi efectuada sem transtornos e iniciada a larga volta para contornar os alísios de sueste.
Por volta de 18 de Abril, a armada deve ter alcançado a latitude da actual cidade do Salvador (13º S) e na terça-feira das oitavas de Páscoa, 21 de Abril, viram os mareantes “ervas compridas a que chamam botelho e outras a que também chamam rabo d’asno”. Nessa altura, o vento, soprando francamente de leste, não impediria tentativa de reconhecimento de terra, nem o prosseguimento normal da rota.
Descoberta da Terra da Vera Cruz
O Monte Pascoal visto do mar
A 22 de Abril, a hora de vésperas, afirma Caminha, “houvemos vista de terra a saber primeiramente de um grande monte mui alto e redondo e doutras serras mais baixas ao sul dele, e terra chá com muitos arvoredos”. Cabral denominou a maior elevação de MONTE PASCOAL e baptizou a região de TERRA DA VERA CRUZ.
Comparada esta descrição do Monte Pascoal e suas proximidades com a que faz o actual Roteiro da Costa do Brasil, chega-se à conclusão que o avistamento foi feito quando a armada buscava decididamente terra, navegando de sueste para noroeste, o que invalida um achamento casual e indicia uma busca intencional.
Foi, assim, descoberta a terra vislumbrada pela primeira armada da índia. Ao pôr do sol de 22 de Abril, como exigia a segurança de navegação, a armada fundeou a 6 léguas da costa. No dia seguinte, quinta-feira, fez-se novamente de vela a armada e com sondagens cautelosas aproximou-se até meia légua da costa, onde, pelas 10 horas, todos os navios lançaram ferro próximo a um rio (provavelmente o do Frade).
Na praia foram avistados cerca de 7 a 8 homens, primeiro sinal de que a nova terra era habitada.