Apesar de a maior parte do acervo estar guardada na sede da Cinemateca, localizada na zona sul da cidade, os trabalhadores avaliam que o material da Vila Leopoldina tinha igual relevância e importância.
Uma rede de ex-funcionários da Cinemateca Brasileira afirmou, em manifesto divulgado hoje (30), que o incêndio no galpão da instituição da Vila Leopoldina, em São Paulo, na noite de ontem, foi “um crime anunciado” que resultou na perda de inúmeras obras e documentos da história do cinema brasileiro.
“Há mais de um ano denunciamos publicamente a possibilidade de incêndio nas dependências da Cinemateca pela ausência de quaisquer trabalhadores de documentação, preservação e difusão”, diz o documento. Os trabalhadores avaliam que muitas perdas poderiam ter sido evitadas se os trabalhadores estivessem contratados e participado da rotina da instituição.
Inventário
O grupo fez um primeiro inventário do acervo armazenado no depósito incendiado que pode ter sido destruído ou danificado pelo incêndio que atingiu o galpão na última quinta-feira. Apesar de a maior parte do acervo estar guardada na sede da Cinemateca, localizada na zona sul da cidade, os trabalhadores avaliam que o material da Vila Leopoldina tinha igual relevância e importância.
Do acervo documental, o levantamento inclui grande parte dos arquivos de órgãos extintos do audiovisual, como parte do Arquivo Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes S.A. (1969 – 1990), parte do Arquivo do Instituto Nacional do Cinema – INC (1966 – 1975) e Concine – Conselho Nacional de Cinema (1976 – 1990), além de documentos de arquivo ainda em processo de incorporação. Parte do acervo de documentos oriundos do arquivo Tempo Glauber, do Rio de Janeiro, inclusive duplicatas da biblioteca de Glauber Rocha e documentos da própria instituição.
Em relação ao acervo audiovisual, a potencial perda inclui parte do acervo da distribuidora Pandora Filmes, de cópias de filmes brasileiros e estrangeiros em 35mm; matrizes e cópias de cinejornais únicos, trailers, publicidade, filmes documentais, filmes de ficção, filmes domésticos, além de elementos complementares de matrizes de longas-metragens, todos estes potencialmente únicos; parte do acervo da ECA/USP – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo da produção discente em 16mm e 35mm; parte do acervo de vídeo do jornalista Goulart de Andrade.
Do acervo de equipamentos e mobiliário de cinema, fotografia e processamento laboratorial, os trabalhadores afirmam que, além do seu valor museológico, muitos desses objetos eram fundamentais para consertos de equipamentos em uso corrente. Eles explicam que, para exibir ou duplicar materiais em película ou vídeo, é necessário maquinário já obsoleto e sem reposição no mercado.
A Secretaria Especial de Cultura ainda não deu retorno à imprensa do posicionamento sobre as possíveis perdas apontadas no manifesto dos trabalhadores. Em nota divulgada logo após o incêndio, a Secretaria disse que “todo o sistema de climatização do espaço passou por manutenção há cerca de um mês como parte do esforço do governo federal para manter o acervo da instituição”.
MPF e responsabilidades
O principal questionamento ao Ministério Público Federal (MPF) foi sobre a responsabilidade pelo descaso, já que ele acompanha todas as dificuldades da instituição. No entanto, o MPF que havia acionado o Governo Federal sobre o problema tangenciou o assunto, informando que os prejuízos ainda estão sendo constatados e que a prioridade, no momento, é prevenir uma nova tragédia.
“No atual momento devem ser priorizados o salvamento do material restante e a prevenção de nova tragédia. Só depois de finalmente implantada uma nova entidade gestora para a Cinemateca se deverá pensar na apuração de responsabilidades individuais, embora a Polícia Federal já esteja, cautelarmente, cuidando da perícia criminal no local, para ser investigada a causa do incêndio”, divulgou o órgão nesta tarde (30).
Em 15 de julho do ano passado, o MPF ajuizou ação civil pública com requerimento de medidas liminares emergenciais para a Cinemateca, então negadas pela Justiça Federal de primeira instância. No mês seguinte, a procuradoria entrou com recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região e, em dezembro do mesmo ano, parte das medidas emergenciais solicitadas foi deferida, em atendimento ao recurso. Segundo o MPF, diante disso, a União diminuiu sua postura litigiosa sobre o tema e se colocou mais disponível à conciliação.
Na ação, o MPF sustenta que houve um problema de má transição na gestão da Cinemateca, de 2019 para 2020, quando se encerrou o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), sem que a União desse continuidade aos trabalhos técnicos internos da instituição. “Tal transição está sendo finalmente implementada pela União, dentro de procedimento judicial de conciliação, com prazos e diretrizes estabelecidos por consenso e coordenados pelo juiz da causa”, acrescentou o órgão.
O acervo da Cinemateca já resistiu a cinco incêndios e uma inundação. No ano passado, um temporal alagou o galpão e parte do acervo foi comprometido. Em 2016, um outro galpão da Cinemateca Brasileira, ao lado da sede da Vila Mariana, foi atingida por um incêndio que destruiu cerca de 500 obras.
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