Na tarde de sábado (7) foram realizados atos em defesa da Cinemateca Brasileira em cinco capitais. A data marca um ano desde que o governo federal destituiu a direção da instituição e a abandonou por completo. No dia 29 de julho, um incêndio destruiu um dos galpões da Cinemateca, levando consigo, grande parte de seu acervo
Os protestos foram organizados pela Frente Ampla em Defesa da Cinemateca (ABPA, ABRACI, Coletivo Cinemateca Acesa, AVM e trabalhadores da Cinemateca Brasileira e pela Associação Paulista de Cineastas), e aconteceram entre 14h e 17h de sábado.
Além da manifestação ocorrida na cidade de São Paulo, em frente à sede da Cinemateca, outras manifestações aconteceram no Rio de Janeiro, na frente do Museu de Arte Moderna; em Curitiba, em frente à Cinemateca de Curitiba; em Porto Alegre, na frente à Cinemateca Capitólio e em Brasília, em frente ao Palácio do Planalto.
Especialistas afirmam que o incêndio do último doa 29 provocou perdas irreparáveis, como em documentos de décadas dos órgãos públicos federais de audiovisual – como a Embrafilme e o Instituto Nacional do Cinema–, filmes de professores e alunos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, centenas de rolos de 35 mm do acervo da Pandora Filmes e duplicatas de matrizes de filmes que estão na sede principal. O galpão também abrigava documentos do arquivo Tempo Glauber, que reúne diários, anotações pessoais e cartazes originais do cineasta baiano Glauber Rocha.
Dentre esses materiais, foram quatro toneladas de documentos de todo o histórico de fomento ao cinema no Brasil queimados, além de rolos de filmes originais e cópias, objetos museológicos, equipamentos de uso constante.
Crise prolongada
A Cinemateca vive uma crise que se arrasta desde 2013, quando uma auditoria paralisou os repasses de verba à Sociedade Amigos da Cinemateca, que fazia a gestão conjunta do órgão.
Em 2016, um incêndio consumiu parte de seu acervo em um armazenamento externo de nitrato. Foram mais de mil rolos de filmes perdidos. Segundo a instituição, o fogo destruiu 731 originais dos 44 mil títulos guardados na Cinemateca.
Em 2018, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto assumiu a gestão. A organização social entregou as chaves da Cinemateca ao governo federal em 2020, após cortes de verbas e a não renovação do contrato, em 2019. Os funcionários foram demitidos e, desde então, a instituição está sob responsabilidade da União.
No início do ano, em caráter emergencial, a Sociedade Amigos da Cinemateca havia sido escolhida pelo governo para gerir a Cinemateca. O governo Bolsonaro, porém, não assinou convênio com a entidade gestora, conforme tinha anunciado.
Reivindicações
Um dia depois do incêndio, a Secretaria Especial da Cultura, chefiada por Mário Frias, publicou um edital para contratação de entidade gestora da Cinemateca Brasileira, que prevê um contrato de cinco anos com uma entidade privada sem fins lucrativos.
Na pauta das reivindicações dos manifestantes, está a implementação imediata de um Plano de Trabalho Emergencial, que permitirá que funcionários sejam contratados e que a Cinemateca, fechada desde 7 de agosto de 2020, seja reaberta. A contratação emergencial de parte dos funcionários permitirá que o acervo, também sem monitoramento há mais de um ano, seja novamente cuidado e monitorado.
Além disso, as entidades e coletivos também pedem a revisão do Edital de Chamamento Público (que havia sido anunciado há um ano), publicado no Diário Oficial há alguns dia. O chamamento para a seleção da OS (Organização Social) que irá administrar a Cinemateca pelos próximos cinco anos, é considerada inadequado pela Apaci, pela ABPA e pelos funcionários da Cinemateca.
O orçamento disponibilizado para manutenção da Cinemateca também é criticado. Hoje R$ 10 milhões anuais são destinados, mas a quantia é insuficiente para o custeio da instituição, que gira em torno de R$ 22 milhões.
A gestão também é criticada, pois a OS escolhida terá de captar na iniciativa privada cerca de 40%, ou R$ 4milhões, do valor que o governo disponibilizar, o que até no modelo de gestão por Organizações Socais não é a função dela, que é apenas administrativa.
Na busca por auto-financiamento, o edital também propõe que os produtores paguem para ter seus filmes depositados na Cinemateca, o que também foge ao escopo da instituição, que é o de ser uma instituição pública governamental responsável pela conservação do patrimônio cultural brasileiro no seu campo de atuação.
“O relatório de publicização é razoável em alguns trechos, mas no chamamento, é dito que o maior peso da pontuação vai para quem apresentar a melhor possibilidade de rentabilização dos espaços. Esta não é a finalidade de uma instituição de memória. É um contrassenso”, afirma Débora Butruce. Em carta oficial, de julho, a ABPA fez estas observações. “Qual OS tem experiência em preservação e tem este fôlego financeiro para completar ou levantar o montante para completar o orçamento? Nós da área não conseguimos vislumbrar quem poderia ser e como isso pode ser”, afirmou a historiadora e pesquisadora Eloá Chouzal, que integra o Cinemateca Acesa e organiza os atos deste sábado.
“Se o que conta menos pontos no edital é a expertise em preservação, a gente fica com medo do que vai acontecer. Quem é que vai assumir a Cinemateca no contrato de cinco anos? O mais importante é cobrar do governo as atitudes corretas de responsabilidade. Se a Cinemateca, que é um bem público, é administrado pela União, esta tem obrigação constitucional de cuidar bem deste bem público porque ele é do Brasil. Esta questão de um incêndio da Cinemateca queimar é criminoso. Isso tem de ser cobrado. Esta tragédia a gente está anunciando desde que a Acerp saiu e os trabalhadores deixaram de trabalhar. O lema é “sem trabalhadores não se preserva um acervo”. A cinemateca corre risco real e iminente de se perder. Isso é responsabilidade do governo”, observa a historiadora.
“O futuro da Cinemateca corre perigo. O edital recém-publicado pelo governo promete mais cinco anos de precariedade para essa instituição. Há uma falta de compreensão sobre o que significa preservar o nosso acervo audiovisual. Memória é identidade”, afirma o cineasta Roberto Gervitz, coordenador do grupo SOS Cinemateca-APACI.
Fonte: Hora do Povo
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