Janela aberta ou anacronismo?

Sempre que se anuncia um novo festival de música algumas questões fundamentais vêm à tona. Não seria um anacronismo tentar reeditar uma fórmula que fez muito sucesso nos anos 60, foi minguando nos 70 e teve alguns espasmos nos anos 80? Será que os grandes festivais deram oportunidade a uma grande geração de autores e cantores ou será que não foi esta geração, de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Edu Lobo, Milton Nascimento, que deu oportunidade a estes festivais? Com o festival da TV Cultura em andamento, com o mesmo produtor Solano Ribeiro à frente, e o anúncio de um festival da Bandeirantes vindo aí, a velha discussão ganha corpo. Quem se lembra dos vencedores dos últimos festivais? Ainda seriam eles uma janela aberta para novos compositores?

— O processo não deveria ter sido interrompido. Mas, na época, surgiu uma situação política complicada. Nos anos 80, o problema foi econômico. É preciso entender que é um recomeço, o início de um processo. O primeiro festival serve para apontar uma direção, mas deve haver uma seqüência. — defende-se Solano Ribeiro.

Segundo o produtor, é impossível fazer qualquer tipo de comparação com os festivais dos anos 60 e 70:

— No festival de 1967, tivemos audiência de 97%. Mas só tínhamos quatro canais de televisão. Agora, queremos ser apenas um nicho no meio da diversidade.

Para Gutemberg Guarabyra, autor de “Margarida”, campeã do II Festival da Canção, de 1967, a disputa começava antes mesmo das inscrições das músicas:

— A principal característica dos que deram certo, o da Record e o FIC, da Globo, era a sintonia com o que acontecia. Na Record, toda a estação estava ligada à música, com programas como “Essa noite se improvisa é” e “O fino da Bossa”, que mantinham a turma sempre unida. O Chico Buarque comentou comigo essa questão, descreveu o da Record como sendo um campeonato disputado o ano inteiro, cuja fase final era o festival.

Jurado de muitas disputas e autor do livro “A era dos festivais”, o jornalista Zuza Homem de Mello não acredita mais em festivais de nível nacional:

— Eles eram a bandeira dos universitários contra o regime militar tendo como arma as canções. Foram tão poderosos que os militares resolveram interferir. Para mim, o festival organizado pela Rede Globo em 2000, dirigido pelo próprio Solano, foi a mostra de que este formato a nível nacional não é mais viável — diz. — Isso não quer dizer que um festival destinado a descobrir canções e autores não tenha seu valor. Mas é preciso qualidade.

Para Joyce, função é apenas de abrir portas

A cantora Joyce, que estreou no II Festival Internacional da Canção, em 1967, com a música “Me disseram”, e foi finalista do MPB 80, com “Clareana”, acha que, adaptado ao momento atual, um festival tem a mesma função de sempre.

— Tive vivências diferentes. Em 67 eu estava começando e foi bom como primeira exposição. Em 80 tive uma consagração popular com uma canção despretensiosa. A função de qualquer festival é a exposição do artista novo. A dos primeiros também era essa, mas em outro contexto.

O cantor Oswaldo Montenegro lembra que, antes de vencer o MPB 80 com a polêmica “Agonia”, de Mongol, já era conhecido por “Bandolins”, terceira colocada no Festival da Tupi, no ano anterior.

— Tinha lançado um disco pela Warner que não vendeu nada e não tinha dinheiro nem para comer. Com a música, deixei de ser e me sentir inviável — lembra. — É difícil para um artista jovem mostrar a cara. Mas TV é hábito e festival deixou de ser hábito. Para isso precisa de repetições.

Terceira colocada no III FIC, em 1968, defendendo com os Golden Boys “Andança”, de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, Beth Carvalho diz que falta apelo popular:

— Naquela época, disputávamos no Maracanãzinho, com grande participação do público. Com a presença da televisão, os festivais paravam o Brasil. Mas é preciso continuidade. Vejo muita gente boa por aí, mas falta um empurrão. Toda a minha geração foi fruto, sim, de festivais.

Jornal O Globo

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