Em ato de protesto na noite da terça-feira, jornalistas, sociólogos, coletivos em prol da liberdade de expressão e ex-funcionários se reuniram para debater as causas do sucateamento da TV Cultura.
O encontro decidiu pela ampliação do movimento em prol da TV pública do estado de São Paulo. O objetivo principal, segundo os participantes, tem de ser a reversão do quadro de sucateamento técnico e de conteúdo, agravado na atual gestão de João Sayad, para uma programação plural e diversificada, mantendo a essência de uma televisão sim fins comerciais.
Mais de mil demissões em um curto período de tempo, extinção de programas, empobrecimento de material próprio e entrega da programação a meios de comunicação privados, como o jornal Folha de S. Paulo e a revista Veja, são alguns dos vários efeitos do processo de desmonte da TV Cultura e das emissoras públicas de rádio, num processo iniciado há alguns anos.
Apesar de a atual crise ameaçar o patrimônio paulista, não é a primeira vez que a Cultura esteve prestes a ruir, como lembrou o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Laurindo Lalo Leal Filho.
Um destes momentos aconteceu ao final do mandato do então governador Paulo Maluf, quando quase toda a diretoria foi destituída, fazendo com que sobressaísse a tendência privatizante e os interesses do governo vigente na programação da emissora.
— As crises são continuadas, observou Lalo. No entanto, ele destacou o poder da produção própria da programação infantil que já levaram a Cultura a registrar inéditos dois dígitos de audiência ante os “enlatados” vindos do exterior, trazidas pelas emissoras comerciais. “Até o Silvio Santos começou a ficar preocupado por perder uns pontinhos para a Cultura”, disse.
Entretanto, Lalo – que é, em suas próprias palavras, “antigo ex-funcionário” da Fundação Padre Anchieta – alertou sobre a iminência de um cenário pior à vista.
— Costumávamos dizer antes que a Cultura era a televisão mais lida, porque ainda que não desse muita audiência era muito retratada na mídia impressa.
Hoje, se a coisa continuar neste pé, nem lida será, porque a mídia toda está sendo cooptada, lamentou. A formação de jovens para o trabalho no serviço público de radiodifusão é, segundo ele, uma das questão que precisam ser debatidas para o fortalecimento da TV pública, o que ainda não acontecea com a intensidade que deveria.
Na opinião do jornalista Luis Nassif, a Fundação padre Anchieta, controladora da Cultura, passa por longos períodos sem processos de crítica interna, o que também, avalia, contribui para o desmonte da emissora.
— A cada gestão é nítido o desmando, ocasionado ou por briga política ou por pessoas incapacitadas em postos-chave, disse.
O jornalista, que apoia a organização de um movimento suprapartidário para barrar o desmonte da Cultura, enfatizou a “submissão” do ex-presidente da Padre Anchieta, Paulo Markun, ao governo do ex-governador José Serra (PSDB). Postura que teria, segundo ele, se repetido na relação entre o atual gestor, Sayad, e o governador Geraldo Alckmin (PSDB).
— O negócio com a Folha e a Abril é de uma total falta de cultura, ironizou Nassif. O editor da revista Fórum e presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), Renato Rovai, reforçou: “Não é à toa que Folha e Veja têm milhares de assinaturas feitas pelo governo.”
Coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti se disse “perplexa” em razão do estado de São Paulo estar na contramão de discussões de grande importância, como o marco regulatório das comunicações.
— No momento em que é preciso ter um instrumento público que garanta liberdade de expressão para a população, o espaço se fecha. Precisamos debater neste momento o que queremos da comunicação pública deste país, disse.
Líderes da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa de São Paulo presentes no ato confirmaram a realização de uma audiência pública para levar a discussão ao espaço parlamentar.
Houve tentativa de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em 2003 para discutir os recorrentes problemas da emissora, mas foi barrada e engavetada pela liderança do partido de situação.
O deputado Simão Pedro (PT), presidente da comissão e também membro do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, lembrou que a política de desmonte da Cultura se assenta no orçamento concedido pelo governo.
— Enquanto o governo direciona cada vez menos recursos, o orçamento vindo do setor privado cresce, o que cria o déficit que se tem hoje”, disse. Resultado disso, segundo o deputado, é que a “corda arrebenta para o lado mais fraco, ou seja, os trabalhadores, que estão sendo demitidos.
Uma das que perderam seu emprego é Maria Amélia Rocha Lopes, ex-diretora do programa “Manos e Minas”, voltado ao público jovem das periferias. Enquanto ela estava à frente da atração, a presidência da emissora decidiu que o programa seria “descontinuado” por não mais corresponder ao “perfil desejado”. Após campanhas com forte adesão nas redes sociais pelo retorno do programa, Sayad voltou atrás na decisão.
— Eles não contavam que a população de São Paulo tinha interesse em ver este tipo de programa, que mostrava o caldeirão cultural da periferia. Nós tínhamos convicção de que fazíamos algo de relevância, disse Maria Amélia.
Embora o “Manos e Minas” continue na grade da programação, os funcionários que se posicionaram pela volta do programa foram demitidos. “Meu testemunho é para estimular que as pessoas se disponham a fazer acontecer. Todo mundo reclama de o governo ser assim ou ser assado, mas depois que mostramos o que queríamos, tiveram que engolir a gente.”
Faça um comentário