Pouquíssimas pessoas conhecem tão bem Angola quanto o fotógrafo pernambucano Sérgio Guerra. Responsável pela comunicação do governo angolano, há quase 15 anos ele vive na ponte-aérea Salvador-Luanda. Daí nasceu uma relação de amor profundo com o país africano, dando origem a um dos mais completos registros fotográficos das 18 províncias angolanas e de suas populações, o que resultou em cinco livros. O mais recente, Hereros, é aquele no qual Guerra aprofunda seu olhar sobre a cultura daquele país e a matéria prima para a grande e inédita exposição ‘Hereros Angola’, com cerca de 100 fotos selecionadas pelo artista plástico e curador Emanoel Araujo, que abre em 12 de maio, no Museu Afro Brasil, instituição da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo (Parque do Ibirapuera, Portão 10, telefone: 11.3320.8900 – www.museuafrobrasil.org.br . A mostra se insere na programação do Museu Afro Brasil comemorativa do Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, declarado pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
Após ter sido realizada em Luanda e Lisboa, em 2009, com ampla repercussão, a mostra Hereros Angola ganha novos contornos e dimensão maior para exibição em São Paulo. Sérgio Guerra realizou mais viagens ao deserto do Namibe, produziu novas fotos, fruto do estreitamento das relações com os Hereros. Além das fotografias, em diversos formatos, algumas plotadas em grandes formatos, a mostra inclui uma cenografia que reúne vestimentas, adereços e objetos de uso tradicional e ritualístico da etnia. Hereros – Angola traz ainda vídeos de depoimentos colhidos entre os sobas (líderes), mulheres e jovens sobre a sua cultura e a forma como encaram a vida. Parte integrante da mostra são cantos ritualísticos captados entre estes povos. O repertório de imagens, depoimentos e sons reunidos levarão o expectador ao universo destes pastores de hábitos seminômades, que são exemplo da perpetuidade e resistência de uma economia e cultura ancestrais ameaçadas pelo acelerado processo de modernização e ocidentalização dos países africanos. A realização da mostra em São Paulo, no Museu Afro Brasil, ao tempo em que homenageia Angola de forma peculiar, fecha a triangulação entre África, Portugal e Brasil, bases da formação cultural do povo brasileiro.
A exposição é viabilizada graças ao patrocínio exclusivo da UNITEL, empresa de telefonia móvel angolana que está a ligar a cultura de Angola ao mundo.
Sérgio Guerra e os Hereros – O contato inicial de Sérgio Guerra com os hereros causou impacto imediato no artista. ‘“Quando os vi pela primeira vez, foi como se uma porta da minha percepção tivesse sido aberta para algo que sabia existir, mas hesitava em acreditar”, recorda. O ano era 1999, quando ocorreu uma viagem às províncias de Huíla e Namibe para as gravações do programa Nação Coragem, que levava aos angolanos noticiário de atualidades e informações sobre a cultura do país e suas populações. Ali, Guerra registrou imagens dos mukubais, um dos subgrupos dos hereros. Sete anos depois, retornou ao Namibe e descobriu outros subgrupos: os muhimbas, os muhacaonas, os mudimbas e os muchavícuas. ‘Comecei a entender que aqueles povos, apesar da aparência diferente, eram todos da mesma raiz, da mesma família”, explica. Na convivência com os hereros, Guerra percebeu que os próprios angolanos sabiam muito pouco sobre essa etnia e sequer conseguiam distingui-los. “Descobri que, para além da minha atração por estes povos, poderia ser útil, de alguma maneira, se pudesse partilhar com um número maior de pessoas tudo aquilo que me foi dado a conhecer sobre eles”.
Os hereros se dividem entre Angola, Namíbia e Botsuana, totalizando mais de 240.000 representantes da etnia. Apesar dos subgrupos, todos falam o mesmo idioma, o herero, além de português em Angola, inglês em Botsuana e inglês e africâner na Namíbia. São um povo mítico, com uma história marcada por sangue. EM Angola, resistiram à colonização portuguesa. Na Namíbia, resistiram à escravidão e se opuseram à dominação alemã, ação que os tornou vítimas de um dos maiores genocídios da história. Em 1904, o general Lothar von Trotha ordenou às tropas alemãs o cumprimento de uma “ordem de extermínio” e dizimou cerca de 80 % da população dos hereros.
Para conhecer mais de perto o modo de vida dos hereros, Guerra passou uma temporada vivendo dentro das comunidades e observando suas práticas cotidianas. “Vi que, mesmo diante da escassez, dividem sempre o alimento com os demais. Vi que cultivam a solidariedade, que evitam o personalismo e o egocentrismo, que praticam uma economia familiar de grande inteligência, sempre voltados para a ampliação de um patrimônio cujo usufruto é sempre coletivo. Vi que honram e festejam os seus antepassados. Vi que praticam com grande eficácia a justiça, coibindo infrações com pesadas multas que, a um só tempo, são prejuízo econômico e reprimenda moral”.
A convivência com os hereros fez Guerra perceber que, apesar de sua lógica de vida muito particular, eles já não vivem tão isolados e lidam com alguns mecanismos que caracterizam o que se costuma chamar de civilização. “Eles fazem comércio, já freqüentam escolas, consomem álcool, locomovem-se entre a aceitação e a recusa de tudo isso. Desde o século passado, pelo menos, eles já mantinham contato intenso e compulsório com a sociedade moderna e com o homem branco”, explica.
O trabalho que resultou no livro, na exposição e no futuro documentário Hereros Angola teve início em junho de 2009, quando Guerra viajou para as províncias do Namibe e Kunene, acompanhado por 17 pessoas. Foram 60 dias de documentação dos hábitos e costumes dos hereros, resultando em mais de 10 mil imagens e uma centena de depoimentos. De lá para cá, somaram-se mais de 10 viagens e pelo menos mais 10 mil imagens. “Nesse registro, a imagem e palavra pertencem aos hereros e eles não podem ser subestimados. Subestima-os os que desejam catequizá-los, redimi-los, salvá-los da suposta ignorância, como também os que deles se aproveitam intencionalmente e de má fé”, afirma. ‘Eles não se negam à reflexão, ao diálogo e à mudança, pois muito já tiveram que mudar ao longo do tempo. Já não são iguais aos seus antepassados. “Mas desejam, contudo e apesar de tudo, que possam trilhar um caminho que não os leve obrigatoriamente à completa descaracterização da sua economia e cultura”, finaliza.
O autor – Fotógrafo, publicitário e produtor cultural, Sérgio Guerra nasceu em Recife, morou em São Paulo e no Rio de Janeiro, até se fixar na Bahia nos anos 80. A partir de 1998, passou a viver entre Salvador, Rio de Janeiro e Luanda, onde desenvolve um programa de comunicação para o Governo de Angola. Em suas constantes viagens pelo país, testemunha momentos decisivos da luta pela paz e reconstrução, constituindo um dos mais completos registros fotográficos das 18 províncias angolanas. Seu acervo fotográfico propiciou a publicação dos livros ‘Álbum de família’, 2000, ‘Duas ou três coisas que vi em Angola’, 2001, ‘Nação coragem’, 2003, ‘Parangolá’, 2004, ‘Lá e Cá’, 2006, ‘Salvador Negroamor’, 2007, ‘Hereros-Angola’, 2010 e a montagem das exposições ‘As muitas faces de Angola’ (Brasília, Salvador, São Paulo, em 2001); ‘Nação Coragem’ (São Paulo, em 2003, e Zimbabwe, em 2008); ‘Lá e Cá’ (realizada na Feira de São Joaquim, a maior feira livre da América Latina, tendo as bancas dos comerciantes como suporte da exposição, Salvador, 2006); ‘Salvador Negroamor’ (destacou-se como a maior exposição fotográfica a céu aberto que se tem registro até hoje, com aproximadamente 1500 painéis espalhados na cidade, Salvador, 2007); ‘Mwangole’ (Salvador, 2009); e ‘Hereros-Angola’ (Luanda e Lisboa, 2010).
O curador – Emanoel Araújo é escultor, desenhista, gravador, cenógrafo, pintor, curador e museólogo, nascido em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, a 15 de novembro de 1940. Em Salvador, formou-se em Belas Artes e foi diretor do Museu de Arte da Bahia. Lecionou artes gráficas, desenho, escultura e gravura na City College University of New York. Em Brasília, foi membro da Comissão dos Museus e do Conselho Federal de Política Cultural, instituídos pelo Ministério da Cultura. Já em São Paulo, foi Secretário Municipal de Cultura, e Diretor da Pinacoteca do Estado, onde liderou uma gigantesca reestruturação nos anos 90, transformando o prédio em um dos principais museus do país e um dos roteiros turísticos culturais da cidade. Emanoel Araújo é considerado um extraordinário escultor e já realizou várias exposições individuais e coletivas por todo o Brasil, Europa, Estados Unidos e Japão. Como não podia deixar de ser, recebeu diversos prêmios em todas as técnicas trabalhadas. Suas obras tridimensionais se destacam pelas grandes dimensões, pelos relevos e pela formas integrantes nas edificações urbanas. Seu estilo – mesmo sendo único – dialoga com movimentos artísticos de toda a história, mas sempre com ênfase nos detalhes que descrevem e valorizam as características africanas.
Perfil- O Museu Afro Brasil, instituição da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, é um espaço de preservação e celebração da cultura, memória e da história do Brasil na perspectiva negro africana, assim como na difusão das artes clássicas e contemporâneas, populares e eruditas, nacionais e internacionais.
Localizado no Parque Ibirapuera, em São Paulo, foi inaugurado em 23 de outubro de 2004 e possui um acervo de mais de 5 mil obras. Parte destas obras, cerca de 2.100, foram doadas à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo pelo artista plástico e curador, Emanoel Araujo, idealizador e atual Diretor-Curador do Museu. A biblioteca do museu, cujo nome homenageia a escritora, “Carolina Maria de Jesus”, possui cerca de 6.800 publicações com especial destaque para a coleção de obras raras sobre o tema do Tráfico Atlântico e Abolição da Escravatura no Brasil, América Latina, Caribe e Estados Unidos. A presença negra africana nas artes, na vida cotidiana, na religiosidade, nas instituições sociais são temas presentes na biblioteca.
O museu mantém um sistema de visitação gratuita para todas as exposições e atividades que oferece; um Núcleo de Educação com profissionais que recebem grupos pré-agendados, instituições diversas, além de escolas públicas e particulares. Através do Núcleo de Educação também mantém o programa “Singular Plural: Educação Inclusiva e Acessibilidade”, atendendo exclusivamente pessoas com necessidades especiais e promovendo a interação deste público com as atividades oferecidas.
Em 2009, a Associação Museu Afro Brasil, que administra o museu tornou-se uma das Organizações Sociais ligadas à Secretaria de Estado da Cultura. A gestão compartilhada do Museu Afro Brasil atende a uma resolução da Secretaria que regulamenta parcerias entre o governo e pessoas jurídicas de direito privado para ações na área cultural.
.[Abertura no dia 12 de maio, e segue até 24 de julho, terça-feira a domingo, das 10h às 17h – Entrada gratuita. A Mostra fotográfica destaca o modo de vida e as tradições do mítico povo africano, no Museu Afro Brasil – Parque Ibirapuera, Av. Pedro Álvares Cabral, s/ nº, Parque Ibirapuera- Portão 10 – Telefone: (11) 3320-8900 | www.museuafrobrasil.org.br ].
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