Guia “Rio Botequim”

 

 

 

 

 

Os pés-sujos vêm sendo trocados por cadeias de pés-limpos, e a comida de botequim já ganhou uma patente: baixa gastronomia. Mas não há assepsia ou geração saúde que acabe com as camadas de gordura e mistério que cercam os pratos saídos das cozinhas de bares.

 

Em sua sétima edição, o guia recém-lançado “Rio Botequim” deixou de lado as bebidas e se dedicou exclusivamente a petiscos, caldos, sanduíches e refeições. O autor, Guilherme Studart, passou mais de três meses na árdua missão de provar e julgar as comidas dos botequins cariocas.

 

“Sentia falta de um livro que sistematizasse a comida de botequim. Mas não é um livro de receitas. É o boteco pela ótica de um consumidor, não de um especialista em culinária”, diz Studart, 42, economista profissional e boêmio diletante.

 

Ele constatou que, mesmo que se esforçasse muito, não conseguiria fazer um livro de receitas fidedigno. Muitos dos bares se recusam a detalhar o preparo de seus pratos de resistência, para não favorecer a concorrência ou por charme.

 

“Mesmo os que abrem, não dão o pulo do gato. E sempre há um pulo do gato”, diz. Restaurante com informalidade de bar, situado no coração da Lapa, no centro do Rio, o tradicional Nova Capela (av. Mem de Sá, 96, 0/xx/ 21/2252-6228) vende em um final de semana até 200 porções de cabrito assado (R$ 46 para duas pessoas, R$ 29 a meia porção).

 

Um de seus donos, Aires Farias de Figueiredo, fala com orgulho do prato campeão: o tempero é feito de véspera, com vinho, alho, cebola e louro; depois de assada por cinco horas, a paleta de cabrito é desossada e as porções, preparadas; antes de servir, bastam três minutos no forno. Mas vá perguntar onde o cabrito é comprado… “Isso é segredo. Faz parte do mistério”, esconde ele.

 

Toque diferente

Alaíde Carneiro de Lima, duas décadas de Bracarense (r. José Linhares, 85-B, Leblon, 0/xx/21/2294-3549), também não gosta de entregar as fórmulas de suas invenções. A mais famosa delas, o bolinho de aipim com camarão e catupiry (R$ 1,80 a unidade), parece simples: massa de aipim + um camarão + um pouco de catupiry. Mas o toque de Alaíde (ou do assistente Nílson) é o que faz a diferença.

 

Já Sérvula Amado, dona do Sobrenatural (r. Almirante Alexandrino, 432, Santa Teresa, 0/xx/21/2224-1003), não vê problemas em descrever sua famosa sopa Leão Velloso (R$ 25), mas acha que o guia omitiu o que tem de melhor. “O risoto de camarão e o arroz de açafrão com frutos de mar são para comer de joelhos”, afirma.

 

O “Rio Botequim” dá dicas de onde se deliciar com bolinhos de bacalhau, empadas de camarão, sardinhas fritas, caldinhos de feijão, sanduíches de pernil, cozidos e rabadas com agrião, dentre outros destaques. Ficaram faltando indicações que fugissem do trivial.

 

“Eu adoro miolo, moela, dobradinha, e acho que isso dá um outro livro. Mas priorizamos nesse as comidas que têm uma aceitação mais ampla”, justifica Studart, que diz já ter provado até carne de canguru.

 

Guia defende “patrimônio imaterial”

O surgimento, em 1999, do “Rio Botequim”, até hoje apoiado pela prefeitura, foi fundamental para a valorização na cidade desse tipo de estabelecimento, normalmente malvisto pelos abastados. O efeito colateral foi o surgimento dos especialistas de botequim (os “botequineurs”), gente que mede a espuma do chope ou faz tratados sobre a textura da empada.

 

Mas o guia também incentivou pessoas de bem, como garçons. Chico (Bracarense), Paiva (Jobi), Cícero (Nova Capela) e Lacerda (Hipódromo), por exemplo, se tornaram figuras de toda a cidade.

 

E difundiu a qualidade de bares pequenos que atraíam um público também reduzido. É o caso do Adega D´Ouro, Adonis, Bar da Amendoeira, Bar do Adão e Salete, todos na zona norte.

 

“Há casas únicas, com poucos mas ótimos pratos, que estão perdendo espaço com o avanço dos restaurantes a peso. Acho que o livro é uma forma de defesa desse patrimônio imaterial da cidade”, diz Guilherme Studart.

 

O “Rio Botequim” de um autor só é uma novidade deste ano. Até 2004, um júri escolhia os vencedores em categorias como melhor chope, melhor petisco e melhor bar. Nesta categoria, o Bracarense foi vencedor por mais vezes. No ano passado, o guia não foi feito.

 

RIO BOTEQUIM

Autor: Guilherme Studart

Editora: Memória Brasil e Casa da Palavra

Quanto: R$ 30 (160 págs.), em média

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