Por MARCELO JANOT
Cena 1 – Em matéria publicada no Jornal do Brasil no dia da abertura do Festival de Gramado, um dos integrantes da comissão de seleção assume que o nível dos filmes em competição está fraco e lamenta que nossos principais cineastas não queiram aceitar o convite para inscrever seus filmes.
Cena 2 – Enquanto atores de telenovelas globais e pseudo-celebridades de quinta categoria, como o dançarino e “ator” Jacaré, ex-É O Tchan, desfilam no circo-passarela montado em frente ao cinema, o filme Dois Filhos de Francisco, exibido à meia-noite e fora de competição, se torna a sensação do Festival.
Cena 3 – Mal o festival termina, com mais uma premiação absurda do júri, que elege como Melhor Filme o constrangedor Gaijin – Ama-me Como Sou, um dos piores filmes brasileiros dos últimos tempos, a direção do evento anuncia que pretende ampliar o Festival de Gramado em 2006, trazendo para a serra gaúcha produções de estúdios hollywoodianos.
Os três atos acima compõem o enredo de uma tragicomédia que vem se repetindo a cada ano, e que só tende a piorar caso o outrora mais charmoso e importante festival brasileiro se transforme nessa babel internacionalizada. Mas ainda há saída. Vamos tentar encontrá-las buscando respostas para algumas questões:
Pergunta 1 – Por que os nossos principais cineastas não inscrevem seus filmes?
Porque sabem que o festival não repercute mais como antigamente, o que não impulsiona em nada o futuro lançamento comercial do filme, e que estarão à mercês de júris mais preocupados em fazer média com os colegas do que avaliar com rigor os reais merecedores dos prêmios. A presença de apenas um crítico no júri de longas, composto ainda por quatro cineastas e dois atores, evidencia que o resultado não pode ser diferente.
O Ministério da Cultura acaba de anunciar que a comissão que decidirá o próximo filme brasileiro inscrito para concorrer ao Oscar será composta apenas por críticos. Uma decisão tardia mas sensata, e que deveria se estender também aos júris dos principais festivais, se pensarmos que à crítica só interessa a qualidade artística do filme, não importa quem o tenha feito, quanto tenha custado, se o diretor vendeu a mãe para realizá-lo, ou se é amigo de fulano ou sicrano.
Se Gramado quer voltar a ser encarado como um festival sério e importante, não pode sequer selecionar filmes como Gaijin para uma competição de apenas seis títulos. Quanto mais escolher um júri capaz de elegê-lo melhor filme de ficção. Não que os outros cinco concorrentes ajudassem – o melhorzinho deles, Carreiras, de Domingos Oliveira, é inferior a alguns trabalhos recentes do cineasta, como Amores e Separações. Mas um júri encabeçado pelo diretor de Olga, Jayme Monjardim, premiaria um filme que é o extremo oposto de seu conceito de cinema?
Pergunta 2 – A competição de documentários, composta de apenas quatro títulos, mostrou um nível bastante superior à de ficção. Por que então manter essa distinção entre documentário e ficção ao invés de juntá-los em uma competição única mais forte e com menos filmes, como acontece em Brasília, Belém e outros festivais sérios?
Porque menos filmes de ficção em competição significam menos atores conhecidos para badalar em Gramado e encher os caderninhos de autógrafos dos fãs e as páginas das revistas de celebridades, que parece ser a única coisa que interessa aos patrocinadores do evento.
Coube mais uma vez ao júri da crítica fazer justiça aos bons filmes. Primeiro, decidiu-se conceder um prêmio apenas para longa nacional, seja ele ficção ou documentário, elegendo o documentário Soy Cuba, O Mamute Siberiano, de Vicente Ferraz, o melhor de todos. Para se ter uma idéia do disparate entre o prêmio da crítica e o do júri oficial, Gaijin não bteve um voto sequer entre os mais de 20 críticos que votaram.
O prêmio da crítica para melhor filme latino, composto por um júri menor, formado pelos oito críticos que conseguiram assistir a todos os sete filmes selecionados, decidiu por unanimidade premiar a interessantíssima produção venezuelana Punto Y Raya, de Elia Schneider, um libelo pacifista ambientado na zona de conflito da fronteira entre Venezuela e Colômbia, que reúne elementos da cultura latino-americana presente em filmes como Pantaleão e as Visitadoras, misturados ao surrealismo insano da guerra retratado no filme bósnio Terra de Ninguém. Um filme que merecia ser lançado comercialmente no Brasil.
O júri oficial de longas latinos também pisou feio na bola, dando o prêmio de melhor filme a Um Mundo Menos Peor, do argentino Alejandro Agresti, melodrama bastante inferior a seu filme anterior, Valentin. Punto Y Raya ganhou apenas o prêmio de melhor ator e o vigoroso Mala Leche, produção chilena premiada no Cinesul, saiu de mãos abanando. Mas Um Mundo Menos Peor já tem distribuição garantida pela Disney/Buena Vista, e pelo visto, caso essa ameaça de internacionalização se concretize ano que vem, serão apenas os filmes com a griffe da Disney e outras majors que dominarão a competição em Gramado, acabando de vez com qualquer esperança de o Festival retomar sua importância histórica no Brasil e na América do Sul.
Para: críticos.com.br