Gilda Sem Nome

Na Boca Maldita, região boêmia de Curitiba, um tipo inesquecível reinava nos anos 70: o travesti Gilda, que distribuía gracejos ferinos e cobrava trocados dos passantes para poupá-los de seus implacáveis beijos.

Seu nome muito provavelmente tenha sido tirado de um filme. Um filme de 1946, considerando um drama. Conta história de um encontro, de ex-amantes, ao reviverem uma antiga paixão, girando em volta de um cassino em Buenos Aires. Encontros, desencontros, Gilda dançando e cantando “Put the Blame on Mane”. Com Rita Hayworth

De 1946 pra cá, todas as vezes em que Gilda foi exibido em cinema ou TV, legiões de mulheres, ao fim do filme, juraram não descansar enquanto não se parecessem com Gilda.

E não se tratava apenas de imitar o seu jeito quase imoral de jogar o cabelo, de transformar inocentes saboneteiras numa tentação erótica ou de fumar como se cada lenta baforada quisesse dizer alguma coisa. Era algo mais profundo e complexo: tentar apossar-se do seu fogo gelado, só se pode chamá-lo assim – a capacidade de inflamar uma paixão e, ao mesmo tempo, esnobar o ser inflamado a ponto de reduzi-lo à servidão total, ao nada. Não devia ser fácil. Tanto que, em nenhum outro filme, antes ou depois, e muito menos na vida real, nem a própria atriz conseguiu. Nem é preciso repetir a sua triste e batida frase, de que os homens dormiam com Gilda e acordavam com ela, Rita.

Em 1984 o carnaval seria em março. Ajudando o velho Julinho Diabo eu e o parceiro Homero Réboli fizemos para a Escola de Samba da Sapolandia o “Do Mel da Ilha à Ilha do Mel”. E em uma noite de samba e batucada, no final de dezembro de 1983, o artista, ator e diretor Celso Filho faz uma sugestão: “Cláudio porque voces não fazem um samba falando da Gilda?” Pronto. Ajuntando o velho filme com Rita Hayworth e mais a tragedia vivida por “Gilda Paranaense”, com seus gracejos, feito Carlitos, vedete ou uma passista de escola de samba, fizemos, eu Bola e Carlos Mattar o samba pa a Embaixadores da Alegria, escola de samba fundada em 1948 por José Cadilhe de Oliveira. O samba foi cantado na avenida por Jussara e Maricelia Brito.

 

GILDA SEM NOME


de Carlos Eduardo Mattar,
Reinaldo Bola e Cláudio Ribeiro
Samba enredo de 1984 da Escola
Embaixadores da Alegria

Ai que saudade que saudade

que me vem

Das brincadeiras que a Gilda aprontava

Cinquenta mangos prá beijar um certo alguem

Descontraida Gilda ia… e beijava

Beijou doutor…O senador

Falou de amor!

Brincou… brincou

E pelas ruas da cidade ela pintou e bordou

Gilda o seu bom humor deixou

Um oceano de saudade

Gilda o seu carnaval marcou

Por muito tempo a rotina da cidade

De melindrosa, de princesa oriental

Da avenida fez seu palco natural

E de repente transformava-se o artista

De Carlitos a vedete ou passista.

 

Cláudio Ribeiro

Jornalista – Compositor

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