Era de se esperar: a exibição dos mais diversos programas de gastronomia estrangeiros na TV paga e a crescente educação do público brasileiro em relação ao assunto abriram uma lacuna nas grades de programação nacionais. Esse espaço vem sendo preenchido por atrações televisivas que superam o modelo celebrizado pela Cozinha maravilhosa da Ofélia, atração protagonizada pela paulista Ofélia Ramos Anunciato e que permaneceu no ar durante aproximadamente quatro décadas.
Completando um ano este mês, o programa Mesa pra dois, apresentado pela dupla de chefs Alex Atala e Flávia Quaresma, é, hoje, o principal vetor dessa mudança. “O programa não é de receitas, é de gastronomia. Falamos de cultura e regionalismos”, esclarece Atala. O passo-a-passo na preparação dos pratos é o de menos. Não há receitas passando em letreiros nem sendo ditadas vagarosamente no vídeo – quem quiser receitas detalhadas deve entrar no site www.globosat.globo.com/gnt
O roteiro do programa se divide entre as tomadas externas, a cargo de Flávia, e a performance de Atala em uma cozinha-estúdio bem clean. Geralmente, ela desenvolve o tema do programa conversando com chefs, especialistas nas mais diversas áreas (como fabricantes de facas e produtores de pimentas) e colhendo depoimentos e impressões de populares.
“Quando se pretende cozinhar melhor, o foco deve estar mais na técnica e menos no texto da receita, privilegiando a compreensão e a execução dos pratos. Os livros não dão o exercício e a TV ilustra e incentiva”, explica Atala. Ele se preocupa em explicar detalhadamente técnicas e revelar truques que tornam o dia-a-dia dos chefs mais fácil.
“Acho que o sucesso do programa é fruto da demanda que já existia por algo diferenciado. A resposta foi imediata”, avalia o chef. Ele afirma que Mesa pra dois estreou no horário que era, então, um dos piores do GNT e que, hoje, ocupa o segundo lugar durante o dia e o nono no horário nobre, entre as atrações mais assistidas do canal. “No primeiro momento, recusei o convite. Não queria me tornar o Sílvio Santos da gastronomia”, revela. Para Atala, cozinhar é uma paixão, mas fazê-lo na frente das câmeras, conversando com os telespectadores, continua sendo um desafio. “O início foi muito assustador, mas recompensador. Ainda não estou totalmente seguro, apesar de ver que o programa vai bem”, diz. Ele tem aulas com uma fonoaudióloga desde a estréia e freqüentemente manipula um palitinho com a língua para estimular a dicção.
NOVIDADES A fotografia e o dinamismo das cenas em que as receitas são desenvolvidas são o diferencial do programa. No cenário predomina a cor branca, direcionando toda a atenção para Atala e o que ele está preparando. O apuro estético é percebido também nos planos fechados, que não funcionam apenas como uma lupa, mas parecem ainda querer despertar no telespectador o prazer de observar o ponto de grelha de uma carne ou a beleza fluida de um fio de azeite.
Também chama a atenção o foco constante na cultura, receitas e ingredientes brasileiros. O prato pode até ser o clássico filé au poivre vert, mas as pimentas verdes são brasileiríssimas, colhidas no pé por Flávia, em suas viagens por todo o Brasil, e levadas para a cozinha do programa. Há, também, preocupação com o avanço da gastronomia nacional. No próximo programa, a ser exibido às 22h desta quinta-feira, o tema será as festividades juninas. Em Caruaru, no interior pernambucano, a chef experimentou quitutes típicos da época e revela os segredos de alguns deles com que entende do assunto. No estúdio, Atala vai propor novas combinações, como pamonha com foie gras e coelho com pinhão e mostarda.