Obra do romancista negro foi revisitada por 22 escritores; 12ª edição da Festa Literária da Periferia (Flup) aconteceu no sábado (13), no Rio.
O livro “Quilombo do Lima”, lançado durante a 12ª edição da Festa Literária das Periferias (Flup), reúne contos reescritos por 22 escritores com o objetivo de atualizar a obra do romancista negro Lima Barreto para uma nova geração de leitores. A iniciativa partiu do organizador da Flup, Júlio Ludemir, que sugeriu um livro que pudesse repensar os contos do autor para uma plateia contemporânea. Durante três ou quatro meses, os escritores discutiram e escolheram os contos que mais gostaram e, a partir daí, cada um escreveu o seu texto.
Realizada desde 2012, a Flup acontece todos os anos em territórios tradicionalmente excluídos dos programas literários, como o Morro dos Prazeres e Vigário Geral, e tem como objetivo dar visibilidade para autores das periferias do Rio de Janeiro. A edição deste ano aconteceu na Arena Samol, no centro da capital fluminense, e incluiu uma série de atividades culturais, como um cortejo, apresentações artísticas e performances inspiradas em trabalhos literários.
Autor do romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto foi um importante escritor e crítico da Primeira República Brasileira, contestando o nacionalismo exagerado e mantendo privilégios de famílias aristocráticas e militares. Suas obras discutem temas ligados às desigualdades sociais e à hipocrisia nas relações humanas na sociedade do início do século 20. Além disso, deu visibilidade à vida no subúrbio carioca e aproximou a linguagem coloquial do romance brasileiro.
“Ele tem muitos contos. Então, a gente teve muito material para estudar e para escolher, podendo abordar temas variados. Ele falava bastante sobre a sociedade carioca, discutia temas políticos, mas falava também do subúrbio, de famílias negras e como que essas pessoas conseguiam achar seus lugares. Eu escolhi um conto que me permitiu discutir um pouco como que nós, as pessoas negras, somos múltiplas humanas e podemos errar, mas é importante que tenhamos para onde voltar. E como é importante também defender a nossa memória, as nossas histórias e as lutas dos que vieram antes de nós”, conta a escritora Daiana de Lima.
Quilombo de Lima
O evento, Quilombo de Lima, realizado em preparação para a Flup, já havia homenageado o escritor na final de 2022. O primeiro dos dois dias da programação foi marcado para 31 de outubro, dia do aniversário de Lima Barreto. Na ocasião, o escritor foi lembrado em mesas de debate com romancistas negros no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), no centro do Rio de Janeiro, e foi exibido o filme “Lima Barreto, Ao Terceiro Dia”, dirigido por Luiz Antonio Pilar e lançado em 2018.
Para os escritores envolvidos no projeto, a publicação do livro “Quilombo do Lima” valoriza a riqueza do trabalho de Lima Barreto e contribui para uma representação histórica. Segundo Sueca, um dos autores dos contos reescritos, o escritor foi desprezado e invisibilizado pelas elites intelectuais modernistas, principalmente por causa da hierarquização dos modos de escrita. Lima Barreto mostrou que a linguagem que chega pela oralidade também é tão legítima quanto a forma materializada da escrita.
Mais homenagens
A Flup escolheu um local especial para realizar sua edição de 2023. Um dos homenageados dessa edição é Machado de Assis, nascido em um dos imóveis da Ladeira do Livramento. O evento busca apresentar uma nova perspectiva sobre a obra do autor, que é um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. O texto de homenagem ressalta que Machado é muito mais do que o autor que muitos são obrigados a ler na escola e que sua figura é mais próxima da realidade do que se imagina, sendo um preto revolucionário, criado na Ladeira do Livramento.
“Machado de Assis. Aquele que te obrigaram a ler antes mesmo de você se interessar por literatura. Aquele que escreve difícil e que cai na prova, cuja obra se resume a se Capitu traiu ou não Bentinho. Machado não é um intelectual hermético da zona sul. Nunca pisou em uma universidade. O Machado que te apresentaram na escola não existe. A escola não quer incitar a revolução e Machado é revolucionário. Preto, nascido no coração do Morro da Providência, cria da Ladeira do Livramento, filho de Maria e Francisco. Joaquim Maria Machado de Assis está mais próximo da nossa realidade do que nos fizeram imaginar. Esse é o Machado que eles não queriam que você conhecesse”, registro o texto.
Além de Machado de Assis, a Flup também homenageia a escritora, artesã e sacerdotisa Mãe Beata de Iemanjá, falecida em 2017. Com trabalhos relacionados à defesa e preservação do meio ambiente, aos direitos humanos, à educação, saúde, combate ao sexismo e ao racismo. A Flup destaca que a oralidade é uma escrita ancestral que perpetua saberes literários, sociais e políticos, reforçando a importância da figura de Mãe Beata para a cultura e história do Brasil.
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com informações da Agência Brasil
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