Festas e danças lembram as raças que formaram os brasileiros

Danças no BrasilAlceu Maynard de Araújo diz que “seria um erro imperdoável classificar as nossas danças pelas influências de origem, porque isso, seria afastar-se de um critério realmente científico”.

Com o devido respeito ao mestre, contrariando a sua advertência, como o fizemos nos Folguedos populares, vamos manter o mesmo roteiro que nós traçamos, por nos parecer que ele facilita esta exposição despretensiosa, onde a síntese deve predominar e que visa apenas, dar uma visão panorâmica de assunto tão complexo para encaminhar o debate dos especialistas.

Começaremos por tratar das danças sincréticas, isto é aquelas que foram criadas no Brasil pelo elemento civilizador, mas com nítida influência indígena.

É o caso das danças religiosas, inventadas pelos jesuítas na luta da catequese do índio, como a dança de Santa Cruz, a dança do cururu e o cateretê.

Dança de Santa Cruz: De caráter religioso. É praticada no interior de São Paulo. Produto de canto, elemento litúrgico — por excelência, ensinado pelo jesuíta e a dança de roda dos indígenas.

Essa dança é executada diante de uma cruz colocada nos portais das casas. Não há traje especial. Os dançantes vão batendo os pés, compassadamente, sob o ritmo da viola. É também conhecida por sarabacué, vocábulo de origem indígena.

Cururu: dança também de fundo religioso, geralmente realizada à noite com canto de desafios improvisados com acompanhamento de viola. De uso ainda, em Mato Grosso e São Paulo.

Cateretê: dança semi-religiosa e semi-profana, usada pelos catequistas e muito difundida entre os caipiras de São Paulo. Sua área, outrora, se estendia de Sorocaba a Cruz Alta — no Rio Grande do Sul. Era a dança dos tropeiros e nela não intervinham mulheres. Pelos caipiras é dançada com tamancos e pelos tropeiros antigos, com grandes esporas, que retiniam acentuando o compasso. Ainda de uso no estado do Rio e São Paulo.

Dança de São Gonçalo: de caráter religioso e influência portuguesa, que se realizava após a devoção a São Gonçalo de Amarante, português, segundo alguns, padroeiro dos violeiros e guitarristas. Essa dança é de uso muito antigo no Brasil e hoje ainda é praticada no litoral do Rio de Janeiro, Piauí, Maranhão, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

Fandango: originário da Península Ibérica, comum à Espanha e Portugal. Não é propriamente, uma dança, mas um conjunto de danças, de uso nos estados do sul. Está ligado ao canto e à viola. Até fins do século XVIII esteve em voga até mesmo em festas palacianas. Hoje só é praticada no ambiente rural. Nos estados do norte se confunde com a marujada e nos estados do sul, principalmente no Paraná e Rio Grande, ainda está em plena vigência, é sinônimo de bailes, onde se dançam várias danças regionais.

Para o Rio Grande o fandango foi trazido pelos açorianos. Cerca de uma centena de denominações registram os folcloristas para as danças do fandango, no sul do país: chico, ciranda, dandão, curitibano, reliz-amor, macaco, manjericão, feliz-meu-bem, mico, morada, morro-seco, marujo, nhá-maruca, passado, pericão, pica-pau, pipoca, recortado, sabão, sapo, serraria, anu, caranguejo, pezinho, tatu, chimarrita, queromana, tirana, vilão e uma infinidade de outras.

O Movimento Tradicionalista do Rio Grande do Sul, fundado há 25 anos reviveu os velhos fandangos, que passaram a ser praticados nos Centros de Tradições e pelas Campanhas Gaúchas, onde sempre existiram e foram praticados.

Fado: usado, ainda, no estado do Rio de Janeiro, com diversas modalidades: mana-chica, feijão-miúdo, quindim, andorinha, balão-ligeiro, extravagança, etc.

É uma dança figurada, semelhante à quadrilha, com canto e acompanhamento de viola, como informa Rossini Tavares, inspirada, sem dúvida no fado português, embora a dança seja tipicamente brasileira, e tenha, em certa época, atingido os altos salões sociais.

Carimbó: de uso na Amazônia. Sua origem é controvertida, mas na opinião de autoridades em folclore, seria uma das danças do fandango desgarrada para a Amazônia.

Lundu ou lundum: nascida do batuque dos escravos e que chegou até as classes altas. “Dança, onde braços e pernas se agitam com aquela ênfase que só os povos primitivos, sabem dar as suas danças”, no dizer de Maynard Araújo. É uma dança acompanhada de versos satíricos, que chegam a ser proibidos como destruidora dos bons costumes. De uso no Pará e Bahia.

Jongo: sobreviveu em poucos lugares do Brasil, mais precisamente em São Paulo e na zona da cafeicultura fluminense e capixaba. Oriundo de Angola, constitui a mais rica herança da cultura negra. Enraizou-se nas terras por onde andou o café. Em Minas é conhecida por caxambu. Bambelô é uma de suas variantes.

Batuque: Possivelmente, originário de Angola ou do Congo. Apresenta aspectos diferentes em diversas regiões do País. Chegou a ser proibida pela igreja por sua imoralidade. É uma dança de umbigadas, dança sensual de senzala. Dela se derivam muitas outras danças.

Baiano ou baião: dança rasgada, lasciva, movimentada ao som de canto e acompanhamento de viola e pandeiro, originário dos africanos, transformação de suas danças tradicionais, como o maracatu e o batuque. Assim o definiu Silvio Romero. Modernamente modificado por Luiz Gonzaga, em 1946, tornando-se vitorioso em todo o Brasil.

Samba: dança que procede do batuque, nativa de Angola e do Congo. Samba é corruptela de semba. É dança de umbigada como o batuque. Como o frevo pernambucano, já deixou de ser folclórico, mestiçando-se com outras músicas. Alguns folcloristas consideram folclórico o samba-lenço, modalidade do samba rural, dançado em São Paulo e o samba-roda já em sincretismo com o fandango. O samba carioca não é folclórico e sim popular.

Além dessas, teríamos, ainda, de influências africana as seguintes danças: tambor de crioula (Maranhão); tambor de negro (Maranhão); baião de negro ou punga (Maranhão); baião de negro ou macaba (Maranhão) e dança do tambor (Goiás).

Rossini Tavares de Lima relaciona como variantes da carimbó, peru de atalaia, camaleão, jacaré, gambá, bagre e retumbão, de uso no Pará.

A desfeiteira, no Amazonas; baio e xexem, no Piauí, esta última de origem árabe; melindó, no Ceará, dança de roda executada só por mulheres; serrote, no Rio Grande do Norte; xaxado, em Pernambuco; xenhennhem, em Alagoas; siriri no Mato Grosso. Todas essas danças são de origem controvertida, possivelmente criação do nosso mestiço brasileiro, inspirado em outras danças.

No Rio Grande do Sul, teríamos, ainda: dança dos facões, reminiscência da dança pírrica, dança guerreira da Grécia, de origem dórica, que era executada com armas na mão. Serviam aos homens, desde a infância, como preparação para os combates, origem remota da danças das espadas, universalmente conhecida. Dela vieram os paulitos portugueses e o tum-dum-dum paraense; a chula, originária da Galiza, de uso em Portugal e Espanha. Dança acrobática de competição, só de homens, praticada no Rio Grande do Sul, desde os tempos remotos.

As polcas e mazurcas, de origem polonesa. Os chotes, de origem germânica; as milongas e rancheiras, de origem platina, todas já incorporadas ao velho fandango gaúcho.

Merece, ainda, ser lembrada a quadrilha, de uso universal, originária da França, que, no passado, deslumbrou os grandes salões europeus e brasileiros, que foi comum a todo Brasil e, hoje ainda sobrevive nos bailes camponeses do Rio Grande e de outros estados.

(“Festas e danças lembram as raças que formaram os brasileiros”. Diário de Notícias. Porto Alegre, 24 de fevereiro de 1974)

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